domingo, 27 de fevereiro de 2011

A ARTE DE ESCREVER CASSETES


Para mim, gravar uma cassete é como escrever uma carta, diz Bob Flemming, o protagonista de "Alta Fidelidade", primeiro romance de Nick Hornby e um must para os que passaram as últimas décadas do século XX a comprar discos de vinil e a gravar cassetes em casa.

Lembram-se dessa espécie que tratava a música como uma religião e a aparelhagem como um altar? Gente para quem uma TDK não era o mesmo que uma BASF. Que sabia as diferenças entre cassetes de «tipo I» e «tipo IV». Que só escolhia a «posição normal» se não tivesse dinheiro para mais no bolso. Que nunca juntaria na mesma fita o Phil Collins com os Durutti Column, a Samantha Fox com a Marianne Faithfull, os Wham! com os Red House Painters.

Gente que levou muito a sério o conselho de Nick Hornby (… e não vale a pena fingir que qualquer relação pode ter futuro se as vossas colecções de discos são violentamente discordantes), pelo menos até ao momento em que o celibato se tornou demasiado penoso. Que música escolheríamos para dizer isto? Hum… Que tal "Holding Back the Years", dos Simply Red?

Gravar uma cassete em casa é como escrever uma carta, sim. Podia dizer-se tudo. Ambas representam um acto criativo, artesanal, individualista. Gravavam-se cassetes para ouvir na auto-estrada, cassetes para as férias, cassetes para dias cinzentos, cassetes para noites especiais (Brian Ferry + Grace Jones + Prince = sucesso garantido).

Se escolher os temas era um gozo, atentar na ligação entre eles, ponderando cada minuto de fita disponível, exigia rigor e atenção. Uma cassete gravada de forma displicente, com raccords mal feitos e faixas cortadas, é como uma carta mal pontuada. A questão é saber se já ninguém escreve cartas porque deixou de gravar cassetes ou ao contrário.

Hoje mandamos e-mails e descarregamos música. Que diferença.

Colaboração de Carla Maia de Almeida

5 comentários:

Karocha disse...

Boa pergunta!

Abel Rosa disse...

Compilar uma K7 era qualquer coisa de divino, a escolha, a sequência, a de Crómio ou a de Ferro, o Noise reduction, o Dolby, e depois a suprema prova dos nove, a fita a tocar e a lista a encantar ou a provocar a discussão acesa durante a festa ou a tertúlia. Cada K7 era uma alma musical uma joia única que depois nos deixava como as lãminas de barbear descartáveis não conseguimos deitar fora...a quantidade delas que eu ainda tenho!

Blogger disse...

Este post merecia outra etiqueta

(assim vai ficar perdido nas Coisas e Loisas :( )

Blogger disse...

Etiqueta anos 80 ??

Anónimo disse...

sobre o assunto, recomenda-se livro:
Thruston Moore (Sonic Youth)
"Mix Tape: The Art of Cassette Culture"