Paulo Junqueiro é o careca!
Num comentário de mblog a propósito dos antigos estúdios da Rádio Triunfo, citam-se passagens de um texto de LPA sobre Paulo Junqueiro. Obtido o texto, de 2003, aqui se reproduz na íntegra:
- Que sabe de música?
- Não sei nada de nada.
- E de electricidade?
- Sei trocar lâmpadas.
- Começa amanhã o estágio de seis meses com salário mínimo.
Paulo Junqueiro, 42 anos, natural de Coimbra, por acidente, é dono de uma invulgar carreira na música, injustamente desconhecida do grande público. É um dos dois únicos nomes portugueses indirectamente galardoados com um Grammy (“Quanta Live”, de Gilberto Gil, 1998). O outro é Júlio Pereira (“Santiago”, dos Chieftains, 1996).
Filho da média burguesia do interior de Portugal, Paulo Junqueiro cresceu entre pianos e guitarras clássicas, mas a ouvir Beatles, Rolling Stones, Shadows, Sylvie Vartan, Johnny Hallyday, Françoise Hardy, Adamo. O primeiro single que comprou com o seu dinheiro foi “Sex Machine”, de James Brown, e o primeiro LP, “Sticky Fingers”, dos Rolling Stones.
O 25 de Abril de 1974 apanhou-o nos estudos, mas acabou por desistir quando já estava no 2º ano de Filosofia sem nunca ter ido a uma única aula ou exame. Com dinheiro e sem nada para fazer foi para o Algarve.
“Tinha 20 anos e estava à boa vida quando me telefonam para o Algarve a dizer que o namorado de uma amiga minha, Jorge Barata, estava a trabalhar num estúdio de gravação em Lisboa e se eu não queria ir dar lá um salto”.
Fernando Albuquerque, director do estúdio Arnaldo Trindade, depois Rádio Triunfo, concede um estágio de seis meses com salário mínimo. “Eu era o assistente do assistente do assistente. Fazia tudo: ia buscar os cafés, levava as fitas, limpava o chão e o Moreno Pinto começou por me fazer a vida negra, porque queria lá meter um amigo”.
Em 1981, Jorge Barata atrasou-se para o trabalho e quando chegou ao estúdio, já Paulo Junqueiro tinha gravado 12 fados com António Chainho. “Fiz tudo em quatro horas”.
“Mas eu era ambicioso. Queria ser bom. O Jorge Barata levou-me para o meio, mas foi o Moreno Pinto, depois das reticências iniciais, que me ensinou tudo. Ele foi decisivo na minha vida. Foi um grande mestre. A ele devo a base de conhecimentos que me acompanhou pela vida – técnicos e humanos. Mas eu também tinha um som na cabeça. Queria gravar o rock como se gravava em Inglaterra e o pop como se gravava em Los Angeles. Queria uma coisa com qualidade que ultrapassasse tudo o que se fazia em Portugal”.
Em 1984, Paulo Junqueiro foi obrigado a ir ao Brasil para tratar de negócios da família no Rio de Janeiro e em São Paulo. “Isto coincidiu com a abertura do estúdio Transamérica, em São Paulo, o mais moderno da América Latina. Fiquei maluco e depois de algumas peripécias pedi emprego a Carlos Duttweller nos estúdios, nem que fosse para lavar as casas de banho”.
Paulo Junqueiro ainda regressou a Lisboa, mas desentendeu-se com Fernando Albuquerque quanto à construção dos novos estúdios da Namouche e no dia 13 de Junho de 1985 partiu definitivamente para São Paulo, onde foi ter com Roberto Marques, director da Transamérica.
“Tens emprego, portuga, mas tens de tirar o modelo 19”.
“Chorei, porque o modelo 19, espécie de autorização de residência e de trabalho para estrangeiros, é um calhamaço de burocracia que demora anos a conseguir”.
Enquanto esperava pelo “modelo 19”, Paulo Junqueiro arranjou um “gancho” como técnico de som dos Metrô, uma banda de rock de franceses residentes no Brasil (também integrava o português Pedro d'Orey - tks, Filhote).
“Foi por aí que comecei”. Depois dos Metrô, conheceu o Brasil de lés-a-lés com os RPM, então a banda de rock de maior sucesso.
“Num sábado lindo, dia 13 de Julho de 1985, dia do Live Aid, estava no estúdio a misturar fitas para aprender. Costumava passar horas infinitas no estúdio só para aprender. Mazzola estava lá, sozinho, a misturar o “Cristal”, de Simone. E eu, irreverente, a vê-lo trabalhar”.
- Quem és tu?
- Sou um português à espera de trabalhar.
“Mazzola, que é um dos mais poderosos produtores do Brasil, não gostou muito da brincadeira, mas eu fiquei por ali, sem medo. De repente, ele pega no telefone, mas ninguém lhe responde e eu atiro":
- Tem algum problema?
- Conheces o estúdio?
- Como ninguém!
- Como se ligam estas máquinas?
“Depois de o ter ajudado a ligar as máquinas, perguntou-me o que eu achava do som que ele estava a fazer. Respondi-lhe sinceramente que não gostava, que estava muito esquisito, que não tinha definição alguma e dei-lhe umas dicas”.
Mazzola, que era também vice-presidente da Ariola, voltou a misturar “Cristal” e deu crédito ao “puto” português e chamou-o como seu assistente.
“Foi o primeiro disco brasileiro com o meu nome”.
A partir desse momento todas as portas da indústria brasileira de discos se abriram de par em par para Paulo Junqueiro e trabalho não faltou: Ira!, Titãs, Barão Vermelho, Capital Inicial, Kid Abelha, etc. “O meu nome começa a espalhar-se. Era o ‘tuga’ do rock”.
A 01 de Março de 1986, com o malfadado “modelo 19” nas mãos, Paulo Junqueiro começou legalmente a trabalhar na Transamérica e o corropio das bandas brasileiras acelera-se, com o pontapé de saída dado pelos RPM. “Eu era a coqueluche do rock”.
Consciente das suas qualidades e da sua vontade em trabalhar, comprou uma guerra com Liminha, o todo-poderoso do Brasil, a propósito da gravação de “Vivendo E Não Aprendendo”, dos Ira, e vira as costas, regressando a São Paulo, onde começa a trabalhar com Kid Abelha.
Como não tem nada a perder, recusa por três vezes os RPM, fazendo uma vez mais afronta, desta feita a Manuel Poladian, outro “grande” da indústria do disco. “O meio ficou incrédulo, mas esta foi a minha grande glória”.
Num sábado de manhã do Verão de 1986, nos estúdios Nas Nuvens, Paulo Junqueiro voltou a encontrar-se com Liminha:
- Quantos anos tem você?
- 26.
- É uma criança! O negócio é o seguinte: já ouvi falar de você mais do que eu gosto. É melhor trabalharmos juntos do que um contra o outro. Quer vir trabalhar aqui no Nas Nuvens?
- Posso pensar?
- NÃO!
- Então quero!
“Rescindi com a Transamérica e fui trabalhar para o estúdio de Liminha, Nas Nuvens, uma bela moradia aos pés do Cristo Redentor, onde estive até 1992, altura em que saí, com Ricardo Garcia, para fundar um estúdio de masterização, que ainda hoje possuo, o Magic Master”.
Não acaba aqui a história fantástica de Paulo Junqueiro no Brasil, onde trabalhou com Tom Jobim, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Skank, O Rappa, Oscar Castro-Neves, Marina Lima, Pedro Luís e a Parede, Daniela Mercury, Milton Nascimento, Sepultura. A lista é invulgarmente extensa.
Num belo dia de Janeiro de 1994, Paulo Junqueiro, que se levantava quase sempre às 3, 4 da tarde (deitava-se altas horas da madrugada ou mesmo já de manhã a trabalhar no disco do seu amigo Tony Platão), encontrou um bilhete da sua empregada junto ao telefone: “telefonou o senhor Beti da Uoni”.
“Beti da Uoni? Que raio é isto?”. Paulo Junqueiro tomou um banho de água fria e raciocinou: “Ah! É o Beto Boaventura, da Warner”.
No dia 01 de Fevereiro de 1994, o português emigrado no Brasil, depois de se ter aconselhado com Frejat, dos Barão Vermelho, - “meu irmão” – assumiu funções como director artístico da Warner, uma das cinco maiores multinacionais discográficas do Mundo.
“O meu maior desgosto na Warner foi não ter conseguido levar Zeca Baleiro para a companhia”, recorda, depois de horas e horas de conversa sobre a sua “aventura brasileira”.
No dia 10 de Setembro de 1998, Paulo Junqueiro é o novo director artístico da EMI portuguesa, em Lisboa. “A minha mulher não se adaptou ao Brasil, o meu filho também não. Fui vítima de um “complot” de mulheres”, confessou, no final de um oportuno rodízio regado a caipirinhas, a escassas dezenas de metros do seu escritório com magnífica vista para o rio Tejo.
Luís Pinheiro de Almeida
PS - Paulo Junqueiro já voltou ao Brasil, sendo actualmente (Janeiro de 2013) presidente da Sony.