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Por que razão em nenhuma das diversas colectâneas de música francesa dos anos 60 e 70 que tenho consta o nome de Graeme Allwright?
Porque não existe, como sucede com todos os outros “grandes ídolos” desse tempo, uma boa “Antologia” da obra de GA? Não me refiro a “CD’s Best” avulso”, que existem vários, mas a uma “Antologia a sério”, com uma boa síntese de toda a sua obra…
Porque é que, na recente e muito completa colectânea do “Salut les Copains” (100 músicas, precisamente, distribuídas por 4 CDs), não há nenhuma interpretada por GA?
Qual o motivo porque, num “blogue” como este, tão devotado à música francesa, não há, que me tenha apercebido, uma única linha dedicada a GA…?
Eu tenho as minhas próprias explicações, que valem o que valem…
Naquela época (inícios/meados de 60) o que estava a dar era desenhar na areia o doce rosto de Aline, pedir à Celine dos belos olhos para não corar, desejar ser a mais bela para ir dançar ou andar a passear na rua, olhos nos olhos e de mão dada.. Não vejo GA a gostar muito do estilo…
Mas também não o vejo misturado com a chamada “chanson de texte” e, muito menos, com os “monstros sagrados” tipo Aznavour, Bécaud ou Montand.
Ele era de uma terra de ninguém. Uma espécie de vagabundo. “L’Homme de nulle part“, como dizia o título francês de um conhecido “Western” americano...
Não direi que GA passeou pelo lado selvagem, mas andou, seguramente, do lado oposto da rua. E quanto assim acontece e a coerência se mantém, essa rua nunca se atravessa…
Muito embora tenha escrito originais de muito boa qualidade, GA especializou-se em algo de diferente: traduzir para o francês alguns dos sucessos da Folk americana daqueles tempos. Mas, onde muitos faziam tudo quanto lhes vinha à cabeça desde que soasse bem, GA impôs a si próprio um escrupuloso respeito pelos textos originais e seguiu-os quanto pôde….
Se houvesse uma “mensagem política” subjacente a cada letra traduzida, ele mantinha-a tal como estava, não a adulterando como tantos fizeram (veja-se a baboseira que foram as “versões” francesas e italiana de “If I Had A Hammer”, de Lee Hays/Pete Seeger…).
Com esta atitude, GA granjeou a admiração e o respeito de muitos dos autores traduzidos.
Leonard Cohen, que sabia umas coisas de francês, elogiou-o publicamente e tornou-se seu amigo pessoal…
GA traduziu e interpretou músicas de Cohen (tem um LP inteirinho só com versões delas…), Dylan, Tom Paxton, Phil Ochs, Woodie Guthrie, Pete Seeger, Burl Ives, John Lomax, Oscar Brand, Malvina Reynolds, Roger Miller, e por aí fora… Sempre com um muito elevado padrão de qualidade.
Hoje, quando me dá na gana ouvir uma dessas colectâneas dos anos 60, acho graça mas canso-me depressa e raramente consigo chegar à segunda audição consecutiva. Mas com GA é diferente… Acontece-me pegar num dos discos que tenho, levá-lo para o carro e ficar alguns dias na companhia dele, sem me cansar…
Este disco que aqui vos deixo é um bom exemplo: GA interpreta músicas adaptadas de Woody Guthrie, Oscar Brand, Bob Dylan, Roger Miller, Tom Paxton, Paul Stookey e Leonard Cohen (7, nada mais nada menos…). Para além de alguns dos seus próprios “sucessos”, tal como “Ballade de la Désescalade”, de que muito gosto.
Resta-me dizer-vos que, como se percebe pelo nome, GA não é francês de nascimento. Nasceu na Nova Zelândia, passou pelos palcos de Londres e veio para Paris no início dos anos 60. Se ainda for vivo terá, hoje, 84 anos.
Mas ainda estou para perceber quem tramou Graeme Allwright…
Colaboração de Luís Mira