quinta-feira, 28 de dezembro de 2017
NATAL71
M.N.F.
OPERAÇÃO PRESENÇA
Proibida a venda ou reprodução.
Guerra Colonial:
- 800 mil jovens foram mobilizados para Angola, Guiné e Moçambique
- 11 mil mortos
- 40 mil estropiados e deficientes
- 140 mil antigos combatentes sofrem de “stress” de guerra.
Sabemos destes números – serão mais? Serão menos?
Mas como diz João Paulo Guerra no seu livro Memórias da Guerra Colonial, não há estatísticas para a solidão, a ansiedade, o medo, o sofrimento, a dor.
Há feridas que custam a cicatrizar, mas não é o silêncio o melhor remédio.
Uma guerra sem sentido, estúpida, inútil.
Adeus até ao meu regresso.
Lembram-se?
No Natal de 1971, o Movimento Nacional Feminino editou um disco que foi distribuído pelos soldados que combatiam em África onde, possivelmente, não existiam gira-discos e em alguns locais nem electricidade havia.
Na contracapa do disco fala-se das muitas vontades que permitiram que ele fosse feito.
Nasceu uma ideia, juntaram-se os esforços, bateram os corações no mesmo compasso, deram-se as mãos, uniram-se os pensamentos e então aconteceu o LP deste Natal 71.
O disco é composto por mensagens patrióticas de um leque de personagens onde, entre outros, aparecem Hermínia Silva, Eusébio, Parodiantes de Lisboa, Inspector Varatojo, Joaquim Agostinho, Amália Rodrigues, Maria de Lurdes Modesto, Florbela Queiroz.
Vai o disco a meio e ouve-se:
Sou a Cilinha. Cabem-me as missões mais gratas neste LP de carinho. Antes de mais a de representar as vossas famílias. É com toda a alegria que o faço. Em nome delas: “Olá rapazes! Santo Natal.
Mais ainda:
A fechar este disco a presença dum soldado que é vosso chefe e irmão: o General Sá Viana Rebelo.
Da fala do então Ministro da Defesa Nacional:
Destinam-se estas palavras a figurar no disco do simpático Movimento Nacional Feminino para lembrança individual no Natal de 1971 dos militares do Exército, Marinha e Força Aérea. Tais palavras serão uma mensagem de esperança e de paz (…) vejamos um dia recompensados os nossos esforços para que a paz volte à terra portuguesa. (…) Mais um ano em que há afastamento de militares das suas famílias (…) Quantos Natais muitos dos nossos militares passaram já afastados das famílias? (…) Mas é sacrifício de que os nossos filhos e netos irão mais tarde beneficiar. Nada daquilo que se faz em África se irá perder. Tudo durará. Haja o ânimo de defender o que é nosso e Portugal continuará na terra africana a celebrar na nossa África os Natais de Cristo como agora. E mais tarde de regresso aos lares ao ouvirem este disco estou certo de que muitos, todos, dirão: custou-me bastante mas valeu a pena!
Trata-se de um documento, mas é doloroso (re)ouvir este disco.
Ridículo, trágico, ou ambas as coisas.
O que nele se diz é tão lamentável, tão chocante, de uma hipocrisia miserável.
E ninguém perguntou àqueles jovens se queriam, ou não, participar naquela guerra.
Notas do escriba:
Cilinha, de seu nome Cecília Supico Pinto, rosto do Movimento Nacional Feminino, «um Salazar de saias», como alguém lhe chamou.
António Lobo Antunes em Os Cus De Judas coloca uma madame do Movimento a dizer aos soldados:
Sigam descansados que nós na rectaguarda permanecemos vigilantes.
O Serviço de Informação Pública das Forças Armadas, regularmente comunicava os soldados que, nas três frentes da guerra colonial, morriam em combate, por doença, ou desastre de viação.
As mortes por desastres de viação eram superiores à dos soldados mortos em combate, o que poderia levar a pressupor que os militares serviam-se das picadas para, com as unimogs, realizarem corridas de Fórmula 1.
Paluteia Mendes, que ficou cego em combate, contou há uns anos, o diálogo que mantivera com uma daquelas damas do Movimento Nacional Feminino:
- Isso foi um acidente de viação?
- Foi, sim, minha senhora. Foi um desastre de trotinete.
Baseado neste disco, Margarida Cardoso realizou, em 2000, um documentário com o mesmo nome e de que existe uma edição em DVD.
Texto: Gin-Tonic
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6 comentários:
O disco pode ser ouvido aqui: https://www.youtube.com/watch?v=QOp5IgM5r5M
Apenas uma pequena lembrança: em 1971 não havia televisão em Moçambique (só passou a haver depois da independência), mas o que não faltavam eram giradiscos portáteis. Que não precisavam de electricidade, pois funcionavam a pilhas. E esses giradiscos eram um dos passatempos preferidos da malta nova. Incluindo os miliatres, claro.
Uma curiosa e oportuna lembrança.
Boas músicas, bons filmes, bons livros.
Abraço
repetido:
http://guedelhudos.blogspot.pt/2014/12/melancolia-pos-natal.html
vi o documentário há 3-4 anos na RTP. Muitos dos soldados só ouviram as mensagens dos familiares ou namoradas aquando da realização do documentário
Obrigado!
LPA
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