domingo, 21 de outubro de 2007

APROXIMAÇÃO A 3


Sempre odiei aquela coisa do "adivinha lá quem está a cantar". Além do mais, nunca tive jeito para isso. Bloqueio.

Isso não me impediu, no entanto, de no dia 21 de Outubro de 1967 (que coincidência, faz hoje exactamente 40 anos - juro que não foi de propósito, é mesmo feliz coincidência) de rumar ao Rádio Clube Português, que era aliás a dois passos de minha casa, na Rua Sampaio e Pina, 24, onde aliás ainda hoje está, depois de se ter chamado Rádio Comercial.

O programa "Em Órbita", que era transmitido das 19H14 às 20H52, tinha uma espécie de passatempo escrito a que dava o nome de "Aproximação a 3":

"Aproximação a 3" é a oportunidade que damos a um ouvinte por semana de ser posto à prova das suas faculdades de identificar, justificando, trechos cujos títulos, autores e intérpretes só lhes são comunicados posteriormente.

Convocados dois ouvintes, apenas um compareceu para ser submetido ao teste a que se resume esta aproximação a três. Luís Titá de novo o primeiro ouvinte que se ofereceu como na semana passada. Desta vez, porém, Luís Titá não foi tão feliz. Tal não impediu, como é da regra, que levasse consigo o disco que sempre oferecemos aos participantes.


Vejam bem o baile que eu levei (por comiseração por mim próprio, omito os meus palpites - não acertei uma, relembrando apenas as respostas do programa):

Tim Hardin

Não adivinhou. É Tim Hardin. Não adivinhou, mas com um pouco de atenção talvez o tivesse conseguido. É manifesta a tonalidade folk de toda a composição, assim como a vocalização particular de Tim Hardin.

Doors

Estamos em total desacordo. Os Doors representam um grupo difícil de identificar, certo, mas não confundível nem com os Kinks nem com os Byrds. O som de S. Francisco é hoje uma coisa que efectivamente existe e que já tem uma forma definitiva.

Aretha Franklin

A confusão com Nina Simone não nos parece aceitável. Para se adivinhar a Aretha Franklin do seu álbum mais recente, seria necessário evocar as afinidades com a música tradicional e religiosa dos negros norte-americanos que são patentes em todo o disco.

Não foi bem sucedido o nosso ouvinte Luís Titá nesta sua segunda aproximação a três. Não obsta a que aqui deixemos manifestado o nosso apreço pela atenção, pelo escrúpulo e pela lucidez com que demonstrou seguir e apreciar este programa em todos os seus aspectos.

Muito obrigado!, digo agora eu (uma vez mais).

Como provavelmente se poderá ver, o disco é um EP de Cat Stevens com "I'm Gonna Get Me A Gun", "School Is Out" (não, não é a canção de Alice Cooper), "Baby Get Your Head Screwed On" e "Here Comes My Baby" (sim, os Tremeloes fizeram uma versão desta canção).

Os autógrafos são de Cândido Mota (locutor) e dos autores do programa João Manuel Alexandre, o "cérebro" do programa, advogado, ex-presidente da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa (AAFDL), morto num desastre de automóvel na Marginal no dia 29 de Setembro de 1969, Pedro Albergaria, Jorge Gil, arquitecto, que trouxe o "Em Órbita" até não há muito, e Manuel Violante (colaborador).

18 comentários:

josé disse...

Fabuloso, este relato.

Dá uma ideia do que era a rádio de qualidade ( com as apreciações particulares e distintivas sobre o "som de S. Francisco" e a sonoridade de Tim Hardin) e ainda que em 1967, tínhamos por cá, programas atentos ao que se passava no mundo que interessava.

Luís:
Este tipo de relatos desqualificam aqueles que querem dar uma imagem deste país, nos anos sessenta, como um lugar infrequentável e de repressão de tudo e todos.

Não é que para mim, seja novidade, mas permite-me sustentar com exemplos práticos o que tenhao vindo a dizer há anos a esta parte.
Os estudiosos de sociologia deveriam atender a isto, quando pretenderem estudar o tempo dos anos sessenta em Portugal.

ié-ié disse...

Não sou tão optimista, José. Havia repressão, sim, e eu até a sofri na pele (sobretudo no espírito). Basta dizer que não havia liberdade de imprensa, liberdade de associação, liberdade de reunião, não havia eleições livres, blá-blá-blá. E isso era determinante. E havia a guerra! Isto estava menos mal, sim, mas para quem "a política era o trabalho". Enfim, podíamos estar aqui a discutir indefinidamente, embora admita que, por vezes, se faça o passado mais negro do que foi. Mas lá que foi negro, isso foi. Como disse Churchill, a democracia é o melhor dos piores sistemas.

Luís

VdeAlmeida disse...

Havia mesmo repressão. Se havia.
Quanto aos concuros do Em Órbita, posso-me gabar de ter sido a ganhar uns discos.
Punham uma música a tocar uns segundos, e o 1º a ligar com a resposta certa sobre o nome da canção, ganhava uum disco. Como tinha muito bom ouvido...foram 5 disquinhos seguidos. Até que eles alteraram o formato do concurso, eheheh

Velhos tempos!

josé disse...

Percebo e concordo. Também vivia nesse ambiente de algum sufoco criativo que não permitia a liberdade de dizer tudo.

A primeira vez que ouvi o "um e dois e três, era uma vez um soldadinho", do José Mário Branco, já foi depois de 25 de Abril. E isso foi uma descoberta da liberdade de dizer diferente.

Mas...que grande diferença é que realmente houve?

Tirando essa da expressão da esquerda, nada mais apareceu. Nada apareceu de criações anteriores, por obra da censura. Não houve livros depois que não pudessem ter sido escritos antes, tirando os livros marxistas.

Assim, concordo com a análise daqueles que realçam a falta de liberdade, mas não concordo com aqueles que falsificam a História com objectivos claros de diabolizar um tempo e um regime que não foi assim negro como o querem pintar. E de todo o modo, muito menos negro do que aquele em que eles próprios acreditavam.

Estou sempre a martelar nisto, porque um dos problemas do nosso atraso tem a ver com isto, no meu entendimento. Quer dizer, com a falsificação histórica e a manioulação ideológica.
A música e a cultura popular, não ficam muito afectadas mas ainda assim, é notório que dão muito mais importância ao José Mário Branco do que à Banda do Casaco- por motivos óbvios.

bissaide disse...

A Banda do Casaco tinha a particularidade de ser vista como sendo de esquerda por quem era de direita e como sendo de direita por quem era de esquerda, o que explica a perplexidade com que alguma crítica os acolhia. No entanto, isso não impedia que os seus trabalhos figurassem quase sempre nas listas de melhores álbuns dos respectivos anos - ou seja, a excelente música neles contida acabava por ser mais importante que o hipotético alinhamento à esquerda ou à direita, que felizmente nunca tiveram e que contribuiu aliás para lhes dar também intemporalidade.

Luís, parabéns pelo excelente blog e por estas reflexões sócio-culturais bem pertinentes!

josé disse...

A Banda do Casaco no primeiro disco - Dos benefícios de um vendido no reino dos bonifácios, tinha um tema ( tinha mais, mas este que falo é exemplar) onde se canta o Senhora dona, tinha um braço novo e há quem diga que o Braço é de Prata...já goza a vida já se instalou e, casas do povo
enquanto ao dono cresce a conta farta.

E outras.

O problema da banda do Casaco era que não seguima a cartilha marxista. Só e apenas.

VdeAlmeida disse...

Na verdade, também não vejo qualquer relevância na conotação política de determinado grupo.
Salvo raras excepções, que existiram e só durante um breve período, os grupos seriam 8e são) quase sempre constituídos por indivíduos de opções distintas. Aliás, acho quase absurdas essas conotações. Que me lembre, nunca os Beatles, os Stones ou os Beach Boys terão sido questionados sobre as suas opções políticas...

josé disse...

Então, vou explicar porque é que escrevo o que escrevo:

A Banda do Casaco apareceu em finais de 74. A Página Um, da RR, foi provavelmente o primeiro programa a passar música da banda, com Luíz Filipe Paixão Martins, hoje responsável pela LPM-marketing e imagem.

Em 1974, havia uma revista dedicada à música, do Porto- Mundo da Canção.

Os números de Novembro de 74 ( o 39) a Fevereiro de 75( o 40), os únicos onde deveria haver notícia desse grande disco, nada trazem.

O 39 tem José Afonso na capa ( o que faz falta) e O Guerrilheiro e Só de punho erguido de José Jorge Letria.
o 40, tem Luís Cília, e dentro L´internationale, com a tradução de Neno Vasco.Le déserteur, de Boris Vian. Nesse mesmo número, há duas páginas que dão conta da divisão entre a redacção. De um lado, os marxistas radicais; do outro, os que os consideram "marxistas achinesados".

Isto que hoje parece pueril, sendo certo que entre os tais achinesados estavam luminárias como Saldanha Sanches e Durão Barroso e do outro lado, o PCP, era o prato do dia.

Foi por isso que vinquei o facto de não ter sido dada importância nenhuma à Banda do Casaco, mesmo na radio e tirando a Página Um.

Política pura, a meu ver e que tem que ser entendida neste contexto para se perceber o que foi Portugal nesses anos.

josé disse...

Os Beatles e os Stones, bem como Dylan, faziam parte de uma certa contra-cultura assimilada nos países anglo saxónicos, mas nem tanto assim.

Em 1970, na Universidade de kent State nos EUA houve repressão policial contra protestantes da guerra do Vietname. Morreram 4 estudantes e Neil Young e Steven Stills, compuseram Ohio. Contra Nixon.

Bob Dylan em 72 cantou George Jackson, curiosamente um disco "perdido" na sua discografia.
Em 75, voltou a cantar Hurricane.

A política nas canções existiu sempre. Mesmo lá fora.

ié-ié disse...

O "Página Um", na Rádio Renascença, começou a ser emitido no dia 02 de Janeiro de 1968, entre as 19H30 e as 20H30, com um indicativo dos Pop Five Music Incorporated. Os locutores eram Jorge Schnitzer e Maria Helena Fialho Gouveira. Não era mau, mas sempre preferi o "Em Órbita". Depois do 25 de Abril, o "Página Um" radicalizou-se à esquerda tendo até dado origem ao "Página Um", jornal, conotado com o PRP, de Isabel do Carmo e Carlos Antunes, com algumas pessoas da rádio, nomeadamente o Paixão Martins.

Luís

josé disse...

Isso para não falar em John Lennon - power to the people ( right on), The luck of the irish ( proibida na bbc), bem como outras posições políticas que o prejudicaram durante anos na sua pretensão de obter visto de estadia nos EUA.
Paul MCCartney, também com Give Ireland ( back to the irish).
Os Beatles ( john Lennon), no entanto,escreveram Revolution, onde questionam os movimentos radicais.
Política portanto.
E mesmo sem falar de Phil Ochs ou de Pete Seeger ou mesmo de um John Prine.

Os Beach Boys, de facto, só se dedicavam à meditação transcendental e à ecologia, o que aliás deu uma canção fabulosa, em 1973m chamada California Saga.

os Stones, bem, os Stones, dedicavam-se à...droga ( Keith richards) e ao dinheirinho ( Jagger). Não tinham tempo para falar de política.
Mas ainda compuseram Street Fighting man, nos bons velhos tempos.

VdeAlmeida disse...

José:
Eu não digo quue não tivesse havido posições radicais por parte das estações de rádio ou revista. Agora isso, não vincula é os artistas, nem me parece - e isto é a minha opinião - que a Banda do Casaco tivesse sido prejudicada por isso. Eu conhecia-os bem, ouvia-os muito na rádio, não me parece que tenha havido uma "censura" activa que os banisse. Muito diferente do antes do 25 de Abril, onde alguns nomes eram pura e simplesmente proibidos (até o pobre Francisco José que tinha muito pouco de político se viu cortado pela censura)
E das revistas...são os espelho dos seus donos e patrocinadores. Por isso é que eu só comprava revistas estrangeiras.
Quanto aos Beatles, Rolling Stones e Dylan, claro que tinham as suas opções, naturalmente. E como indivíduos livres a elas tinham todo o direito. Aliás, o álbum Freewheelin' Bob Dylan de 1963 é todo ele muito marcado politicamente.
O que referi foi que, lá fora, não havia a tacanhez mental de classificar ou desclassificar os artistas por eles serem de esquerda ou de direita (a não ser que propagassem descaradamente ideias de carácter nazi), nem sequuer nunca assisti a qualquer entrevista onde os entrevistados fossem questionados sobre isso (embora em algumas tenha visto troca de ideias sobre este ou aquele assunto - afinal, o artista é também um cidadão - da política internacional.

Francisco disse...

Eu ouvia religiosamente o Em Órbita ! Agora ... ouvia eu, ouviam vocês e mais uns tantos com acesso ao FM !!! A maior parte destes discos chegavam, quando chegavam, muito atrasados. O País era cinzento e atrasado. Eu não me podia queixar ... tirando a perspectiva da guerra ... os filmes censurados ... os livros proibídos ... a polícia de choque ao mais pequeno protesto ... etc etc. De resto, vivia bem. E quantos mais ?
Agora nunca consegui ter um disco assinado pela equipa do Em Órbita !!! Não porque não conseguisse acertar, mas porque nessa altura estava interno num colégio e, embora ouvindo o programa, não podia telefonar ... !
E quando prestamos a homenagem merecida ao Em Órbita ?

josé disse...

Sinceramente, vivi ainda tempo suficiente, antes de 25 de Abril de 74, para poder dizer que é preciso repensar publicamente o que foi a repressão política e a censura.

A revista Mundo da Canção, saiu em finais de 69, em plena Primavera marcelista. Nunca foi censurada, até ao número 34, em finais de 72.

O que me incomoda é o desequilíbrio na apreciação desse tempo, no sentido de o apresentarem como algo nebuloso e atrasado por inerência ao regime.

Nem oito nem oitenta.

ié-ié disse...

O "Em Órbita" é mais ou menos coincidente no tempo com o aparecimento do stereo no FM e as K7s.

O meu Pai empenhou-se todo e comprou uma fantástica aparelhagem B&O, de madeira, lindíssima, composta por 3 elementos: rádio/amplificador, gravador de bobinas e gira-discos. O rádio acendia uma luzinha verde quando transmitia em stereo.

O irmão caçula guarda a aparelhagem com todo o desvelo.

Pois bem, eu gravei muitos programas e depois passava os textos à mão. Infelizmente já não tenho as gravações, mas os textos mantêm-se.

Vou procurar colocá-los aqui e além no blog.

Fui um grande fã do "Em Órbita". O João Manuel Alexandre era meu colega na Faculdade, embora mais velho.

Na minha vida profissional tive ocasião - várias vezes - de prestar homenagem ao "Em Órbita".

Não houve mais programas como aquele. Nem o António Sérgio (péssima dicção, não se percebe nada).

Luís

josé disse...

Luís:

Essa experiência do Em Órbita, só a tenho em segunda mão. Nunca ouvi o programa, antes dos anos setenta, quando já só passava música erudita, com a locução de João David Nunes. Mas ainda conservo uma memória: a do indicativo do programa.
Tenho a memória precisa do indicativo que era um extracto da Deutsche Messe de Schubert, mais particularmente o Agnus Dei.
À conta disso procurei e ando a procurar a versão original que tem de ser anterior a 73 e cujo disco, actualmente já não está disponível, nem na net, segundo penso.
Já tenho pelo menos umas quatro versões e não é "aquela".
Já me mandaram um mail a informar, mas ainda não consegui o objecto de desejo.

Agora quanto ao B&O: o nec plus ultra, do mainstream, como já tive ocasião de dizer.

Luís, você foi um indivíduo com sorte, nessas coisas da música. E ainda bem que não guardou para si tudo o que obteve de bem estar nas audições.

Por mim, as primeiras audições foram em mono, em rádio de transístores e só em 74, logrei uma aparelhagem minimamente decente para gravar: um rádio Grundig e um gravador de cassetes Phillips. Gira-discos, a sério e com alta fidelidade, só meu e para meu regalo, só em 81!

Locutores:

O António Sérgio era e é um tipo esforçado, mas não se pode comparar ao mérito dos Jaime Fernandes, João David Nunes, Adelino Gomes, mesmo Luís Filipe Martins ou até do Jorge Lopes.

O Cândido Mota, só como locutor e com muitas reservas. O melhor locutor de sempre, para mim, é o Jaime Fernandes. Até gosta de Country.

josé disse...

Um dos melhores programas de rádio que me foi dado ouvir, no entanto, ocorreu nos anos oitenta: À Sombra de Edison, com colaboração de Miguel Esteves Cardoso e locução de João David Nunes.

Os textos eram uma maravilha, indo dos escritores do séc XVI português- Francisco Manuel de Mello, até ao esoterismo da escrita de Pessoa.

Um portento de programa de rádio.

Anónimo disse...

Por acaso não se estão a esquecer do Rui Morrison e, de entre outros, do "Blues Index"?
Mesmo passados mais de 4 anos, nunca é tarde para recordar quem merece...