segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

PARA ALÉM DO ARCO-ÍRIS


VOGUE  - LD 600-30

Face 1

Tous Les Garçons Et Les Filles – Ça A Raté – La Fille Avec Toi – Oh, Oh Chéri – Le Temps de L’ Amour – Il Est Tout Pour Moi

Face 2


On Se Plait – Ton Meilleur Ami – J’Ai Jeté Mon Coeur – Il Est Parti Un Jour – Je Suis D’Accord – C’est A L’Amour Auquel Je Pense

Françoise Hardy é acompanhada por Roger Samyn e a sua orquestra.

Acalenta um velho sonho, com o seu quê de kitsch: possuir uma casa, como manda o raio da sapatilha, em que as paredes de uma das salas seria toda forrada com capas de LPs.

Claro que uma das capas a colocar na tal parede, será esta de Françoise Hardy.

Guarda a ideia de dizer para dentro de si mesmo, que com Hardy o único estado de espírito possível será ouvi-la, ouvi-la, ouvi-la e ascender ao espaço do sublime.

Durante muitos dias, longos dias que se tornaram parte da uma vida, ouviu este disco, em que a contemplação da capa fazia parte de um ritual, esta coisa de estarmos vivos.

Estão a olhar a capa mas ele, qual voz off, narra:

A Françoise Hardy está com uma chapéu-de-chuva, inevitavelmente de Cherbourgo,  os cabelos ao vento e olha-nos com uma expressão que nos deixa para lá do arco-íris.

Tem uma ponta de gosto em dizer que a Françoise Hardy é rapariga do seu tempo, apenas um ano, e escassos meses, mais velha.

Fará 70 anos, o devagar depressa dos tempos, no Janeiro que já não tarda aí.

Quando a ouviu pela vez primeira, uma voz doce capaz de tudo, um charme juvenil que ninguém mais teve, num EP da Vogue onde morava Tous les garçons et les Filles, que o emocionou até aos limites da ternura.

Desde esse único momento, os tempos, fossem dias de Outono com chuva a bater nas janelas, ou dias brilhantes de Verão, ou as grandes noites de Inverno, passaram a ser tempos de glória.

Tempos em que os dias nasciam e findavam de uma outra maneira.

Perdoem-lhe este ar de louvação com o seu quê de nítido exagero.

Acontece, mas não é caso único de espantamento.

Bob Dylan, quando em 1966 deu um concerto no Olympia de Paris, quis conhecê-la, mas antes já  a tinha feito deslizar num longo poema a que chamou Some Other Kinds of Songs que escarrapachou na contra capa de Another Side of Bob Dylan.

Françoise Hardy nas margens do Sena, Notre Dame em fundo, estudantes da Sorbonne em bicicletas, namorados, livros velhos, barcos, pescadores, olhares espantados de turistas…

Guardou Françoise Hardy para, por estas paragens, deixar o último texto do ano.

A tradição lembra que se deve desejar votos de que o próximo seja de prosperidade, mas poupem-lhe a hipocrisia, mais a mais, quando há dias, ouviu a amarga pergunta do dr. Pacheco Pereira:

Mas como é que se pode viver num país sem futuro?

É assim que as coisas se passam: há anos que somos governados por economistas, gente descerebrada e o resultado está à vista.

Françoise certamente lhe perdoará o macabro final do texto coxo, cheio de erros, um português de arrepiar, discordâncias,  que caprichou em escrever sobre a belíssima capa,  mas acabou de passar os olhos pela prosa saudosa da literatura de Manuel António Pina e não resiste a deixar cair o parágrafo que entretanto sublinhou:

Swift, há 250 anos, sugeriu aos ricos que comessem os pobres. Na altura ninguém o levou a sério, mas os nossos economistas liberais estão já a servi-los vorazmente à mesa, aos pobres, aos reformados, aos velhos, aos fracos. Sem sombra de pecado, isto é, de cultura, que é o mais preocupante.

Colaboração de Gin-Tonic

4 comentários:

filhote disse...

Neste final de ano, não poderíamos ter recebido melhor texto. Obrigado, Gin-Tonic!

Mais a mais, para mim, a Françoise significa tudo isso... tenho o LP, claro, e muitas vezes dou comigo, fascinado, a contemplar a capa...

Feliz Ano Novo!!!!

josé disse...

Esse sentimento e emoção a propósito de uma imagem também o conheço, mas com outra referência que evidentemente é outro mito, outra fantasia.

Está aqui e suponho que é o mesmo que atinge os adolescentes em busca de uma mulher inatingível.

A felicidade é encontrar ao longo da vida alguém que suplante essa fantasia e a torne uma realidade tangível.

Por mim, tive essa sorte.

Mas lembrar esse tempo é sempre doce.

Hoje quando vejo fotos da Nico real ( que já morreu) ou a Hardy real fico a pensar como a beleza é fugaz e efémera e como o que sobra é sempre uma réstea de respeito que nos fica por quem achamos o símbolo da beleza.

A felicidade é assim o dito de Stephen Stills: "if you can´t be with the one you love, love the one you´re with" complementado pelo facto de a que está "with" ser a "the one you love".

Bom ano!

rmg disse...

Acabar um texto espectacular sobre a Françoise Hardy , que ocupou (e ainda ocupa) um lugar importante na nossa vida , num blog dedicado à música , com considerações "político-sociais-económico-financeiras" do momento e citando gente que não se pautou sempre por ser um exemplo de convicções , não vem a propósito de nada.

Assim se "estragam" excelentes blogs.
E é pena , não gosto dos que nos governam mas ainda gosto menos destas "misturas" .

RuiMG

PS - Há anos que somos governados por juristas , outra confusão sua.

Anónimo disse...

Gostos não se discutem mas, entre a Françoise da capa do álbum e a Nico dos seus melhores tempos, com o devido respeito e memória para com esta ( RIP), preferia levar o álbum da Françoise para uma ilha deserta.

O disco da banana na capa bem poderia ficar em terra até porque, fosse a ilha tropical e teria grandes hipótese de encontrar bananas melhores e sobretudo comestíveis.

É que, sendo o álbum da Françoise de um tempo (1962) em que não havia Photoshop, mesmo que o houvesse, não poderia este utilitário produzir mais um retoque que fosse sem borrar toda a pintura.

Foi um autêntico fogo sem artifício para abrilhantar o início do novo ano, este que Gin Tonic oportunamente nos fez o favor de postar Depois de um Papa Francisco figura do ano, eis a Françoise. Deixemo-nos de franciscanas misérias.

JR