quinta-feira, 26 de março de 2009

À JANELA COM RAYMOND CHANDLER


Faz hoje precisamente 50 anos que morreu Raymond Chandler, na pequena cidadezinha costeira de La Jolla, poucas milhas a norte de San Diego.

Chandler foi vitima de uma pneumonia fulminante, mas os últimos anos da sua vida foram penosos e em constante degradação, fruto da solidão (a mulher morrera uns anos antes), do alcool e de tendências depressiva se auto-destruidoras que, em boa verdade, sempre teve.

Chandler chegou a fazer, até, uma tentativa de suicídio, que muitos consideram ter sido encenada com o deliberado intuito de chamar a atenção sobre si próprio. Um repórter brincalhão de um jornal de La Jolla, que não devia gostar muito dele, escreveu, sobre o facto, uma notícia em puro "estilo de Chandler", que começava assim:

Os suicídios ocorrem de diversas maneiras: uns em traje de noite, outros despidos, alguns ao ar livre, outros na água. A minha tentativa sucedeu no banho, embora a pudesse ter feito no esgoto... Quando se é bem sucedido no suicídio, é uma tragédia; quando se falha, é uma farsa".

Aqui há uns bons trinta anos atrás, quando era um leitor inveterado de romances policiais "negros", elaborei uma teoria muito própria sobre a influência de La Jolla na escrita do Chandler e, sobretudo, sobre o facto de nos seus últimos livros Philip Marlowe nos aparecer mais "humano", menos sarcástico e de coração mais amolecido.

Pensava então eu que teria sido, justamente, a troca do bulício de Los Angeles por uma pacata cidadezinha de praia, retiro de milionários reformados, quem teria operado esse milagre no próprio Chandler e, por extensão, no seu personagem principal....

Chandler e a sua mulher, Cissy, mudaram-se para La Jolla em 1946, tinha ele 58 e ela 76 anos. Isto significa que foi em La Jolla que Chandler escreveu "The Little Sister" e "The Long Goobbye" (este também parcialmente escrito em Inglaterra), dois dos livros dele de que mais gosto e onde se nota bem a tal evolução na personalidade de Marlowe de que atrás vos falei.

Em La Jolla foi também escrito "Playback", embora em fase de evidente declínio criativo. No final de "Playback", Marlowe compromete-se até a casar com uma tal Linda Peters, filha de um milionário de Palm Springs, coisa impensável há uns anos atrás! E no livro seguinte, "Poodle Springs", vamos encontrá-lo já casado... Mas Chandler só teve tempo de escrever os quatro primeiros capítulos deste livro, que seria terminado trinta anos depois por Robert B. Parker, num livro que chegou a ser editado em Portugal pelas "Edições 70", com o título "A Morte Veste de Seda".

A leitura, uns anos mais tarde, da biografia de Chandler escrita por Frank MacShane ("The Life of Raymond Chandler", 1976) desfez em pedaços a minha "brilhante teoria". Segundo MacShane, Chandler odiava La Jolla e a maioria das pessoas de La Jolla. Para ele, La Jolla era "a nice place- for old people and their parents"! Achava o sítio um "subúrbio reaccionário" tão "distinto" que só lhe apetecia vir para rua "gritar palavrões"...! E só tinha aceite mudar-se de Los Angeles para possibilitar à sua mulher, dezoito anos mais velha do que ele, um fim de vida mais tranquilo, compensando-a, assim, das malandrices que lhe tinha feito ao longo da vida.

Ainda segundo MacShane, Chandler vivia numa magnifica vivenda situada numa elevação, cujo salão tinha uma enorme janela estrategicamente virada sobre o mar. As poucas pessoas que visitavam o casal ficavam maravilhadas perante tamanha beleza mas, para Chandler, tudo não passava de banalidades ("que se lixe a vista!", respondia...) .

É que, heresia das heresias!, o nosso Homem odiava o mar ("Too much water! Too much drowning!" dizia ele...). Eu, que pensava que Chandler levantava os olhos da sua máquina de escrever e olhava fascinado o pôr-do-Sol para se inspirar, fiquei a saber que o malandro escolhera para escritório o quarto mais escondido do mar que havia lá por casa.

E se levantava os olhos da máquina de escrever, não era para se deliciar com visões do Pacífico, mas sim para passar a mão pelo pêlo da sua gata persa chamada Taki, pela qual Chandler tinha mais consideração do que aquela que devotava à maioria dos mortais.

Em La Jolla, Chandler levava uma vida relativamente solitária, feita de pequenas rotinas só alteradas quando era obrigado a receber visitantes relacionados com a sua vida profissional. Ignorava a "vida social" local e desprezava a maioria das gentes de Hollywood que por lá tinham a sua casa de praia. Dava-se bem com o empregado dos correios, o vendedor dos jornais, o mecânico, o dono da livraria, o seu contabilista e pouco mais.

O seu único amigo no meio era o também escritor Jonatham Latimer, que era igualmente argumentista em Hollywood, tal como tinha sucedido no passado com Chandler.

Chandler era irrascível. Fervia em pouca água e cortava a direito, fosse com quem fosse. Conta MacShane que um dia Chandler estava a jantar num restaurante com outras pessoas, quando o empregado de mesa lhe veio transmitir um recado: o todo poderoso Edgar Hoover, dono e Senhor do FBI, também estava no mesmo restaurante e convidava-o a juntar-se a ele na sua mesa para um "drink".

"O diabo que o carregue!", respondeu Chandler ao empregado...! Consta que o outro trepou pelas paredes e ameaçou pôr o FBI a investigá-lo a fundo...!

É claro que, estando lá tão perto, fui ver La Jolla e procurei a casa de Chandler. A morada que havia retirado do livro do MacShane (Camino dela Costa, 6005) revelara-se, porém, difícil de encontrar, num sítio tão grande e estando eu sem GPS.

Tentei num posto turistico mas, se tivesse perguntado por Liedson ou Nuno Gomes, certamente que a jovem que estavado outro lado do balcão não teria feito maior cara de espanto do que aque me fez quando lhe perguntei por Raymond Chandler! Nada que a biblioteca do burgo não possa resolver, disse para comigo. Mas a impossibilidade de encontrar em La Jolla um alojamento que não fosse a preço proibitivo levou-me a ter de desistir da ideia de lá dormir e a zarpar directamente para Los Angeles.

Mas ainda tive tempo de perceber porque é que a costa de La Jolla, e sobretudo a La Jolla Cove, são consideradas a Riviera da Califórnia.Tudo muito bem arranjado, lojas excelentes, restaurantes de magnífico aspecto, tudo a cheirar a muitíssimo dinheiro, tal como tive ocasião de sentir na pele pelos preços que me pediam por um quarto de hotel. A tarde estava cinzenta e feia, mas deu para perceber que tudo aquilo era, de facto, muito bonito.

Sentado no banco que aqui veem, não fui capaz de imaginar como é que Chandler tinha conseguido ficar imune a tanta beleza. A Alma tem razões que a razão desconhece...

Vou homenagear Chandler relendo "O Imenso Adeus", não naquela nova versão que foi agora editada, mas na velhinha da Vampiro, com tradução do Mário-Henrique Leiria. Se ela, de tão usada, não se desfizer nas minhas mãos, claro está...

Colaboração de Luís Mira

24 comentários:

Karocha disse...

Também o tenho e,já agora como se chamava o actor que fazia de Marlowe?

Jack Kerouac disse...

Não sou especialista, mas acho que era o Perry Mason (não sei se é assim que se escreve).

Jack Kerouac disse...

É o que dá falar do que não devo, afinal o Perry Mason é outra personagem de ficção .. eheh

Karocha disse...

Não, já me lembrei.
Robert Mitchum

Karocha disse...

Pois Looolllll
Mas de qualquer forma obrigada :-)

Rato disse...

Mas antes do Mitchum havia o Bogart...

Rato disse...

E o Perry Mason era interpretado pelo actor Raymond Burr

Karocha disse...

Isso mesmo Rato!
Mas eu gostava mais do Mitchum, o homem tinha um porte e um andar de um elegância notável :-)

ié-ié disse...

Não é o Mitchum que é agora médico legista naquela série cómica do CSI?

LT

Karocha disse...

LT

Já morreu!!!!

ié-ié disse...

Ah! Ah! Já estou como o Kerouac, não devo falar do que não sei!

Eu queria referir-me a David McCallum, médico legista do NCIS, essa sim, uma excelente série!

Ai esta PDI!

LT

Karocha disse...

LOOOLLLLL

Verdade boa série e já agora, quando era nove,era o assistente do Mr. Solo.

Anónimo disse...

Bogart só aparece em 1946 ("The Big Sleep") e Robert Mitchum muitos anos depois, em dois remakes ("Farewell My Lovely" de 1975, e "The Big Sleep", de 1978).

O primeiro Marlowe no Cinema (embora no filme ele se chame "The Falcon") foi George Sanders ("The Falcon Takes Over", 1942).

Dick Powell ("Murder my Sweet", 1944, que foi realizado por Edward Dmytryck e tem a particularidade de ter sido filmado em "câmara subjectiva"), George Montgomery
("The Brasher Doubloon", 1947), James Garner ("Marlowe", de 1969 e Elliot Gould ("The Long Goodbye", 1973, de Robert Altman e o mais "desleixado" deles todos...) foram alguns dos actores que também encarnaram a figura de Philip Marlowe.

Para além de ter sido, em meu entender, o melhor de todos eles, Humphrey Bogart tem uma particularidade: não só encarnou Marlowe, mas também Sam Spade, o detective de Dashiel Hammet ("The Maltese Falcon", 1941, de John Huston)

Karocha disse...

Luís Mira

No Falcão de Malta,gosto do Bogart!
Mas não se pode esquecer que sou mulher :-)

M.Cruz disse...

A protagonista do Falcão de Malta é lusodescendente

M.Cruz disse...

E o Raymond Burr tinha um "amigo" português

M.Cruz disse...

Estamos em todo o lado :)

M.Cruz disse...

Não gosto do NCIS nem desse personagem (pois acho que é um pouco "frio")

De momento a minha série preferida é a mais recente época do 24

Karocha disse...

EHEHEH não fazia a mínima!!!

O que eu tenho aprendido com vocês!!!
Brigada :-)

M.Cruz disse...

quando disse "frio", seria mais correcto "irritante"

Também o cientista do Fringe (5ª feira RTP2) é altamente irritante

Karocha disse...

M.Cruz

Eu posso entende-lo!!!!
Eu sou bifa :-)

M.Cruz disse...

Quanto à protagonista feminina do Falcão de Malta

http://portugal-mundo.blogspot.com/2008/07/nancy-astor-actriz-eua.html

M.Cruz disse...

Afinal o companheiro de Raymond Burr (Robert Benevides) é luso-descendente e não português

Nasceu nos EUA, sendo descendente de açorianos.

Por sua influência, Burr investiu em vinhas e foi um dos primeiros importadores do cão-de-água português (que está na moda devido ao interesse da família Obama nessa raça de ca~es)

Jack Kerouac disse...

E, espero não os estar a baralhar de novo, foi esse actor que investiu na estalagem "Santa Cruz", no Faial, onde eu apanhei um sismo á séria. E onde, segundo me contaram há anos, se refugiavam algumas estrelas de Hollywood á procura de anonimato. No tempo em que o Faial era ponto de amaragem dos Hidroaviões que cruzavam o Atlântico. Esta estalagem era uma antiga fortaleza, mesmo junto ao mar, os quartos têm vista para o Pico, e fica a 100m do verdadeiro "Peter", onde se bebem uns belos Gins, e se deixavam cartas de uns barcos para outros. Algumas estão lá há 50 anos....isto tudo se a memória não me falha.