NINGUÉM ESCREVE A NINGUÉM

STATESIDE  - SSL 1021

Side 1

The Letter – She Knows How – Trains Boats & Planes – Break My Mind – Whiter Shade of Pale – Everything I Am

Side 2

Neon Rainbow – People Make the World – I’m Your Puppet – Happy Times – Find me Somebody – I Pray For Rain

Nos últimos dias do velho ano, o dono do Kioske lamentava-se, amargamente, que só a sobrinha Isabel e a Teresa Lage lhe enviaram pelo correio as boas-festas, hábito velho que se perdeu e de que ele sente a falta,  porque vem dum tempo em que tudo era mais lento e  esses votos tinham algo de sinceridade e de ternura.

As modernices vieram estragar tudo.

Qualquer mensagem, seja do que for, avia-se rapidamente através de um e-mail de  um SNS, ou uma qualquer laracha deixada no facebook, no raio que os parta a todos, porque tudo agora se despacha com um assim toma lá e não chateeis mais , coisas que deixam um sabor um sabor frio e triste.

Já ninguém escreve a ninguém.

O coronel do Gabriel Garcia Marquez esperava ansiosamente o dia em que a data da reforma chegasse por carta, enquanto a mulher, aparvalhadamente, o enchia de minudências: "gostaria de plantar rosas", "se quer plantar rosas, porque não planta?", "os porcos comem-nas todas", "óptimo, disse o coronel, porco engordado com rosa deve ser muito bom".

As mulheres são o diabo e dão uma tremenda ajuda ao quotidiano de um homem.

O António Alçada Baptista contava que, sempre que a mulher se punha com arrumações, lhe aparecia com listas telefónicas na mão "que faço a isto", Alçada  interrompia a leitura e murmurava: "Olhe: dê aos pobres!".

Alex Chilton morreu a 17 de Março de 2010.

Lembra-se que não reportou na altura porque não tinha o vinil, que nem sequer é dele, à mão e só há dias o foi buscar ao sítio do costume.

Obituário fora de prazo? Atrasada efeméride?

Importa pouco, ou é quando vem a talhe de foice, porque também gosta de bolo-rei fora da época, e é quando lhe sabe melhor.

Alex Chilton morreu de quê?

Overdose, admitem alguns, mas a Lusa não conseguiu confirmar.

Eles também nada confirmam e trocam tudo, e então, quando toca a coisas de cultura, aquilo é o diabo…

Que se lixe!

Importa agora pôr a rodar "The Letter", composta por Chilton aos 16 anos e nunca mais conseguiu fugir dela, muitos outros também não, uma canção do tempo em que as canções erram assim, tempos de vinhos e de rosas, anos sessenta, que podem não ter sido nada do outro mundo, mas que ele não troca, por nada… mesmo nada…

Cansado dos dias solitários tenho que regressar depressa a casa e nem posso ir de comboio rápido, terei que apanhar um avião, não sei o que isso me vai custar, mas tenho de regressar a casa porque a minha miúda, numa carta, diz que não pode viver sem mim.

Se nunca ouviram, procurem por aí.

Já agora, a propósito, ou a despropósito, fiquem-se com uma história, lida já não sabe onde, ou contada já não sabe por quem:

Durante as actividades num campo de férias, o monitor perguntou à rapaziada, como preferiam receber, de um amigo distante, o convite para um encontro.

Dividiram-se as opiniões, uns disseram logo que seria por e-mail, outros por SMS, mas uma moça disse:

"Preferia receber por carta".

Sentiu os olhares de espanto – por carta? - e em voz lenta, mas clara, explicou:

"Porque uma carta dá mais trabalho a escrever e ainda é preciso comprar um selo, metê-la no correio. E depois, se for verdadeiramente meu amigo, ainda me vai mandar qualquer coisa a acompanhar: uma pétala de flor, uma qualquer ilustração...".

Colaboração de Gin-Tonic