terça-feira, 31 de março de 2020
LAKE LOUISE
In the blue Canadian Rockies
Spring is silent through the trees
And the golden poppies are bloming
‘Round the banks of Lake Louise
Gram Parsons com os Byrds
EDIÇÃO DA RDA
AMIGA - 4 56 103 - edição da RDA
Grândola, Vila Morena - Natal dos Mendigos
duas gravações ao vivo da 5ª edição do "Festival des politischen Liedes".
segunda-feira, 30 de março de 2020
HANK WILLIAMS - OS FILMES
Se Hank Williams não teve sorte em muitas coisas na vida, o certo é que também a não teve no que toca aos filmes que sobre ela se debruçaram.
Que eu saiba existem três, um de 1964 e os restantes dois bastante mais recentes. Nenhum deles teve
estreia comercial em Portugal, embora em relação ao primeiro não o possa afirmar com absoluta
certeza...
“I Saw the Light”, realizado em 2016 por Marc Abraham com Todd Hiddleston como protagonista, não teve direito a estreia comercial mas passou há um ano e picos nos canais Telecine.
Para mim é o melhor dos três, embora longe de poder honrar devidamente a memória de Hank Williams.
O narrador do filme é o produtor e compositor Fred Rose, que foi o grande impulsionador da carreira de Hank, e tudo se passa em “flashback”. Começa com o casamento na tal bomba de gasolina da Texaco, e depois revisita os momentos mais relevantes da sua carreira. Neste aspecto, é o mais fidedigno dos três filmes, embora se arraste demasiado na relação de Hank com a mulher, Audrey, para depois meter a martelo o “downfall” de Hank de forma muito pouco credível.
A música do filme é interpretada pelo próprio actor Todd Hiddleston, com o apoio de uma banda, The
Saddle Spring Boys. Não é má e não é por ela que o gato vai às filhoses...
“The Last Ride”, realizado em 2011 por Harry Tomason com Henry Thomas como protagonista debruça-se, tal como o próprio nome indica, sobre os dois últimos dias da vida de Hank Williams.
Mas mais valia que se tivesse dito que o filme era “inspirado em...”, tal a distorção que é feita em relação à realidade dos factos, incluindo o trajecto da própria viagem...
O filme, que não deixa de ser simpático se nos esquecermos de Hank Williams, não pretende ser mais do que a história de uma amizade que em pouco tempo se desenvolve entre quem conduz a viatura e quem vai no banco traseiro. Mas, entre outras coisas, não consta que Charlie Carr tenha encontrado a mulher da sua vida durante essa curta viagem nem, muitos menos, que Hank Williams lhe tenha deixado as chaves do belo Chevrolet azul claro como herança...!
A música não se faz sentir muito durante o filme, mas foi editado o CD com o suposto “soundtrack” no qual, entre outros intérpretes, aparece a filha de Hank, Jett Williams.
Para o fim reservei-os o pior...
“Your Cheatin’ Heart” foi realizado em 1964 por Gene Nelson e tem George Hamilton como
protagonista.
É o único dos três filmes que, embora muito brevemente, evoca a infância de Hank, quando ele andava com uma caixa de engraxar sapatos aos ombros para ganhar uns cobres e a aprender música com Rufus “Tee-Tot” Payne. Mas é um filme sem ponta por onde se lhe pegue, que se borrifa na verdade dos factos, faz de Hank um pobre pateta e não tem outro objetivo senão meter uma música a martelo de cinco em cinco minutos.
O melhor do filme ainda consegue ser a música, interpretada pelo filho de Hank, Hank Williams Jr.
Mas perdoe-se ao rapaz o ter participado neste objecto ultrajante para a memória do seu pai, porque o pobre miúdo não tinha, na altura, mais do que 15 anos de idade...
A culpa deste desastre não é tanto do actor e realizador Gene Nelson mas, sobretudo, do produtor Sam Katzman que, depois de ter deixado o seu nome ligado a alguns curiosos filmes de ficção-científica de série B nos anos 50, descobriu o filão dos teenagers nos anos 60 e encadeou, com a MGM, uma série de banais filmes musicais com os ídolos da adolescência (Elvis, Roy Orbison, Johnny Cash e até Astrud Gilberto e os Herman’s Hermits...), todos eles de muito baixo orçamento, mas que lhe deram a ganhar rios de dinheiro.
Gente deste calibre não morre em quartos de hotel, a não ser em trabalhos de esforço com uma ou duas boas companhias... E, muito menos, no banco traseiro de um automóvel, com a cabeça encostada à janela...
Morre em Hollywood ou em Miami. Refastelados à beira de uma piscina, calções, uma camisa berrante com palmeiras e florzinhas, um boné à Trump na cabeça e um último cocktail colorido na mesinha do lado...
PS:
Não vos envio capa de “I Saw the Light” porque, como vos disse, a minha cópia foi sacada da TV
Texto de Luís Mira
quarta-feira, 25 de março de 2020
SAM SHEPARD – MR. WILLIAMS
No seu livro de crónicas de viagem “Days Out of Days” (2010), que na minha edição francesa se chama “Chroniques des Jours Enfuis”, Sam Shepard tem um texto acerca da morte de Hank Williams.
Não é das melhores peças saídas da mão do autor de “Crónicas Americanas”, mas tem a enorme vantagem de se poder juntar a nós à conversa, como que aderindo à versão da morte no hotel.
Nessa crónica a história é contada através do porteiro do hotel, que jura ter visto Mr. Williams morto e bem morto... Morto e rígido como uma estaca... E terá sido o médico, com a injecção que lhe deu, quem o matou...
Mas vestiram-no assim mesmo...
Um fatinho azul claro.
Uma camisa de um branco imaculado.
Uma gravata amarela com uma pequena palmeira bordada a meio.
Botas de um preto cintilante, com pequenas guitarras e notas de música encrostadas.
E um chapéu Stetson branco creme bem enfiado na cabeça.
Arrastaram-no assim até ao carro, o “chauffeur” de um lado, o porteiro do outro.
Ao atravessarem o “hall” de entrada o rececionista meteu-se com eles, perguntando se Mr. Williams não teria bebido um copito a mais...
Mas o mais estranho, conta ele, é que, apesar de morto, um estranho ruído rouco saia da boca de Mr. Williams, como um impercetível som de folhas levadas pelo vento. O murmúrio da morte, certamente, o último pedaço de ar que se escapa do corpo...
Vê-se tanta coisa quando se é porteiro de um hotel, mas uma destas nunca antes tinha visto.
Um som terrível, de facto.
Estranha coisa esta um homem que passou a sua vida inteira a cantar como um pássaro sublime, acabar os seus dias com um som como este...
Texto de Luís Mira
terça-feira, 24 de março de 2020
ANDREW JACKSON HOTEL, KNOXVILLE
Na autoestrada 40 a caminho de Nashville, onde nos esperava um concerto do Gordon Lightfoot no
Ryman, fiz um pequeno desvio para Knoxville, como tinha previsto.
Quando cheguei ao centro da cidade estava aflito para ir à casa de banho e meti o carro no primeiro
parque de estacionamento que encontrei. Era uma espécie de Posto Turístico que servia, também, de
Receção para visita à casa de um importante general lá da terra que havia participado na Guerra da
Secessão.
Entrei por ali adentro a correr em direcção ao WC e à saída fui falar com o empregado que se encontrava ao balcão. Por sorte era o dia de encerramento da casa do general e safei-me comprando dois ou três postais.
Porque tinha de alimentar a conversa, perguntei-lhe o que já muito bem sabia, isto é, se aquele grande
edifício que ficava ali atrás, “Andrew Jackson Building”, era o antigo “Andrew Jackson Hotel” onde
Hank Williams tinha passado a sua última noite antes de morrer.
A sua resposta foi: “That depends on the story you believe in... “
Sorri-lhe e percebi que, como era natural, ele sabia do que estava a falar.... É que há várias versões acerca da morte de Hank Williams.
Mas façamos um “flashback” e contemos a história do princípio.
Já tínhamos visto que naquele malvado ano de 1952, Hank Williams estava de rastos.
Tinha-se divorciado e casado quase logo de seguida com outra mulher, por pura vingança, decerto...
Andava ou tinha andado envolvido com uma outra mulher, de quem esperava um filho.
Tinha sido expulso do “Grand Ole Opry” e das outras principais estações de rádio em que participava, etinha também visto ser cancelada a sua ligação a um produtor tão influente como já era, na altura, Fred Rose.
A sua saúde ia de mal a pior, já que uma grande queda dada no ano anterior, quando caçava na companhia de um amigo, lhe tinha agravado o seu problema das costas e só a dose conjunta de medicamentos e álcool lhe atenuava as dores. Envolveu-se, na altura, com um charlatão que se dizia médico altamente graduado, o qual lhe prometeu milagres na cura da sua doença, mas à custa de morfina e outras drogas afins.
Embora Hank Williams não ligasse patavina ao dinheiro, de finanças também não deveria andar muito bem porque o divórcio saíra-lhe caro: a mulher ficara com a custódia do filho, com a casa e com metade dos seus futuros “royalties”, enquanto não se voltasse a casar.
Também devido a isso, tinha recomeçado a actuar nos “honky-tonks” à volta de Montgomery, actuações essas que não raro acabavam em cenas de pancadaria quando alguém lhe mandava uma “boca” mais inconveniente.
Mas Hank não se deixava abater e tinha, para já, conseguido dois novos espetáculos para fim do ano, um em Charleston, a 31 de Dezembro, e outro em Canton, no Ohio, a 1 de Janeiro.
Por essa altura do ano o tempo estava péssimo no Sul dos Estados Unidos, e gorara-se a possibilidade de fazer viagens de avião.
Hank lembrou-se, então, do filho de um conhecido seu que tinha uma empresa de táxis, que por vezes encontrava a fazer biscates numa bomba de gasolina, onde nunca deixava de elogiar o seu vistoso Cadillac azul claro. Perguntou ao rapaz se estava preparado para ser seu motorista numa viagem de ida e volta ao Ohio, o rapaz respondeu-lhe que era um verdadeiro às do volante e foi contratado na hora. Tinha 17 anos de idade...
O rapaz chamava-se Charlie Carr e a partir daqui o que vos conto foi o que o próprio Carr contou, muitos anos depois...
Hank e Carr meteram-se à estrada em Montgomery às 13h00 do dia 30 de Dezembro de 1952, com a
certeza de irem encontrar, para além da chuva, muito gelo e até neve pelo caminho. Para o aquecer na
viagem Hank ia preparado com seis “packs” de cerveja Falstaff...
Hank ia animado no início da viagem, cantando e contando anedotas e metendo-se com o miúdo por este não saber quem cantava, na rádio, “Jambalaya”...
A primeira parte da viagem não foi muito comprida, porque dormiram em Birmingham, a menos de 200 km de distância. Mas sairiam de madrugada no dia seguinte.
Em Chattanooga, no Tenessee, já nevava e Hank percebeu que a única alternativa que lhe restava para
poder chegar a horas a Charleston era ir a Knoxville apanhar um avião, o que conseguiu fazer.
O avião levantou voo às 15h00 do dia 31, mas o tempo estava de tal maneira mau que teve de fazer meia volta e regressar à base. De novo em Knoxville dirigiram-se ao hotel “Andrew Jackson”, onde se instalaram no quarto no 17.
Entretanto, o estado de saúde de Hank Williams piorara pelos motivos do costume: álcool misturado com drogas, já que Hank despachara rapidamente as cervejas que levara e já tinha comprado uma garrafa de bourbon no caminho. Não parava de tossir...
Na sua inexperiência, o jovem Carr começava a ficar assustado. Falou com o representante de Williams, o qual lhe deu instruções para chamar de imediato um médico, mas que, custasse o que custasse, levasse Hank até Clanton para o espectáculo do dia seguinte, sob pena de ter de pagar uma pesada indemnização ao promotor do concerto e pôr em risco a possibilidade de futuros contratos. Mas, para o conseguirem, teriam de sair de imediato e fazer a viagem de noite Hank pouco comeu. Soluçava muito e tinha dificuldade em engolir.
O médico deu-lhe uma injeção de vitamina B12 com morfina, e Hank dormiu vestido em cima da cama até às 22h00.
Pelas 22h45 abandonaram o hotel e Hank teve de sair de cadeira de rodas, ajudado pelos porteiros do
hotel, mas entrou no carro pelo seu próprio pé, garante Carr. Taparam-no com uma manta, para o proteger do frio.
Mas o tempo piorara e não se podia andar depressa. Carr fazia o que podia numa estrada coberta de gelo e, após uma ultrapassagem, quase foi acabar em cima de um carro-patrulha que estava à beira da estrada.
Uma ida à esquadra, uma multa, perda de tempo, maior nervosismo...
Numa bomba de gasolina perto de Bristol, Carr parou para comer uma bucha e perguntou a Hank se
queria comer alguma coisa. Este saiu para desentorpecer as pernas e disse que não queria nada, a não ser dormir... Terão sido as suas últimas palavras.
Umas horas depois Carr começou a achar estranho a ausência de ruído no banco traseiro. Parou para
ver... Hank estava dobrado sobre o banco da frente, de mão no peito... O seu corpo já estava hirto.
Na primeira bomba de gasolina que encontrou perguntou por um hospital. Uma tabuleta, nas
proximidades, indicava Oak Hill, West Virginia...
O diagnóstico médico foi paragem do coração por enfarte. Parece que a hora não foi rigorosamente
determinada, mas raiava a manhã do dia 1 de Janeiro de 1953.
No banco traseiro do carro foram encontradas garrafas, embalagens de medicamentos e vários papeis
soltos com letras de canções, algumas delas inacabadas.
Hank Williams, o cantor do sofrimento, da tristeza e da solidão, morria sozinho no banco traseiro de um automóvel, de cabeça encostada à janela, tendo como única companhia uma garrafa e um frasco de comprimidos...
Imagino-o nos seus últimos momentos a ver a neve cair sobre os ramos das árvores, os reflexos dos faróis na estrada molhada... E aposto que, dentro de si, ainda terá escrito uma nova e última canção...
Naqueles tempos a informação não corria com a rapidez de hoje, e a sala do “Canton Memorial
Auditorium” estava apinhada de gente ansiando pelo início do espectáculo, sem sequer sonhar com o que se passava...
Tim Hardin contou-o à sua maneira:
The chauffeur steered the car that night
To the town next in line to the show
With his name and date in lights
And the people with tickets to go
Hardly nobody knew that night how soon they’d be crying
Hardly nobody knew that night Hank williams was dying
Quando um elemento da organização subiu ao palco para informar o que se passava, as pessoas na
assistência começaram por se rir, pensando que se tratava de uma brincadeira para justificar mais uma das habituais faltas de comparência de Hank...
Mas a banda de apoio e todos os que se encontravam no palco deram os braços e começaram a cantar em coro “I Saw the Light”, uma “gospel song” que parece ser de tempos longínquos, mas que Hank
Williams” escrevera em 1946... A assistência compreendeu então a triste notícia, ergueu-se das suas
cadeiras e todos cantaram em coro:
I saw the light, I saw the light
No more dakness, no more night
Now I’m só happy, no sorrow in sight
Praise the Lord, I saw the light!
Desejo sinceramente que, algures a meio do caminho, a tenha mesmo visto...
PS 1:
A história de Carr é considerada a mais credível, mas existem, pelo menos, mais duas versões.
Uma, em que muito boa gente acredita, é que terá morrido no quarto do hotel, na sequência do violento “shot” de morfina que o médico lhe deu. Nem o médico nem a Gerência do hotel se queriam ver envolvidos nessa embrulhada, e Carr terá recebido bom dinheiro para se calar... De facto, para além das declarações que teve de prestar à Polícia no momento, Carr nunca abordou publicamente o assunto durante décadas, apenas o tendo feito já nos seus últimos anos de vida, sem alterar uma vírgula à sua versão inicial.
Uma terceira versão, mais fantasiosa e muito pouco credível, é que Hank terá sido alvo de um ajuste de contas devido a esquemas obscuros de tráfego de drogas em que estaria envolvido, não para negociar, mas para assegurar o seu stock . Poucos dias antes da viagem, Hank envolvera-se em mais uma cena de pancadaria num bar de Montgomery. O seu corpo ainda tinha escoriações dessa rija, o que levantou suspeitas e alimentou especulações. Carr não se teria apercebido de nada ou, então, teria sido seriamente ameaçado de morte se contasse alguma coisa...
PS 2:
A minha memória está uma desgraça...
Ia jurar que tinha comprado, no Museu Hank Williams de Montgomery (de onde provêm as fotografias do Cadillac azul que vos mostro, emprestado ao museu pelo filho de Hank) um suplemento de um jornal da terra onde Carr, já velhote, contava com muito detalhe a sua história. Não o encontrei...
Em contrapartida, disse-vos que não tinha nenhum livro acerca de Hank Williams, e menti... Ainda no museu comprei este opúsculo de 40 páginas que agora me lembro de ter lido no voo de regresso.
Arrumei-o e nunca mais de lembrei dele.
Mas a história de Charlie Carr encontra-se facilmente na Net.
PS 3:
Sam Shepard, num dos seus livros de crónicas de vagens, tem um curioso texto acerca da morte de Hank Williams. Para não vos sobrecarregar, deixarei isso para depois...
Texto de Luís Mira
segunda-feira, 23 de março de 2020
sábado, 21 de março de 2020
JÁ CÁ ESTÁ
RAPSÓDIA - EPF 5.290 - 1966
Tequilla (Chuck-Rio) - Coimbra Menina e Moça (popular) - Toada Beirã (popular) - Tango dos Barbudos (Rey-Alfieri).
arranjos de Jorge Melo.
foram uns anos de espera, mas isso já não importa, já cá está e, sobretudo, a um preço muito, muito simpático!
Colecção completa (tanto quanto se pode dizer...).
sábado, 14 de março de 2020
MENINAS YÉ-YÉ
MAFRAS 65002
Meninas Yé-Yé - Amores das Beiras - E O Caranquejo A Ver - Gaivotas na Terra
Letra e música de António Mafra.
quarta-feira, 4 de março de 2020
LITTLE RED SONGBOOK
Industrial Workers of the World (IWW) é o nome de um sindicato que foi constituído em 1905 em Chicago e que, embora tenha tido os seus tempos áureos nas primeiras décadas desse século, conseguiu chegar aos dias de hoje.
Os seus membros eram conhecidos por “wobblies”.
Na altura da sua constituição este sindicato surgiu com duas características que claramente o diferenciavam do sindicalismo da sua época: a de ser um sindicato único (“One Big Union”) que
integrava todos os sectores da actividade económica e a de assumir, na sua acção quotidiana,
objectivos claramente revolucionários, mediante uma forte ligação aos movimentos socialistas e anarquistas seus contemporâneos.
Mas o IWW tinha, ainda, uma outra característica, que é aquela que agora aqui mais me
interessa: a utilização de canções como forma de mobilização colectiva dos seus membros
durante as greves, concentrações e outras formas de luta.
Embora algumas fossem originais, uma grande parte dessas canções eram músicas
sobejamente conhecidas de toda a população, a que se juntavam novas letras adaptadas às
exigências da luta sindical. E para essa adaptação dispunham, entre os próprios membros do
sindicato, de letristas de génio, como era a caso do sueco Joseph Hillstrom (o grande Joe Hill) e
de Ralph H. Chaplin.
Mas se as músicas eram de todos conhecidas, nem sempre o mesmo sucedia com as letras.
Para colmatar esse problema os “wobblies” editaram em 1909 um pequeno livrinho com as
letras de cada canção, cuja reduzida dimensão (15 cm x 10 cm) fora propositadamente
concebida para poder ser colocado no bolsinho dos fatos de trabalho. Chamaram-lhe, nessa
primeira edição, “IWW Songs”, a que acrescentariam, em edições posteriores, a frase “para
atiçar as chamas do descontentamento” (“To Fan the Flames of Discontent”)!
Este livrinho, que passou a ser conhecido como o “Little Red Songbook”, teve mais de 30 edições a partir dessa altura, a última das quais em 2010.
O exemplar que aqui vos mostro e que tenho o prazer de possuir na minha biblioteca Folk (é fácil obtê-lo na Amazon por muito pouco dinheiro…) é um “facsimile” da edição de 1923.
É uma delícia folhearmos este livro e, quando as conhecemos, comparar estas canções com as
versões originais.
Aqui vos deixo três exemplos:
JOHN BROW’S BODY / BATTLE HYMN OF THE REPUBLIC / SOLIDARITY FOREVER
De todas as canções dos “wobblies”, “Solidarity Forever” é, talvez, a mais conhecida.
Teve origem em “John Brown’s Body”, canção dedicada ao abolicionista e leader da luta contra a escravatura John Phillip Brown.
John Brown é considerado o “pai do terrorismo na América”. Conseguiu juntar a si um número
significativo de homens e, ainda antes do início da Guerra Civil, desencadeou uma série de acções de luta armada contra os esclavagistas do Sul, as mais célebres das quais foram o “Massacre de Pottawatomie”, em 1856, e o ataque a um arsenal de armas em Harpers Ferry, em 1859, com o intuito de roubar as armas e distribuí-las pelos escravos.
Este último ataque fracassou e John Brown foi preso e enforcado poucos meses depois, em Dezembro de 1859.
Os historiadores estão hoje de acordo em reconhecer que a luta de John Brown e dos seus homens, muito divulgada na época, foi determinante para a eclosão da Guerra Civil.
A origem da canção é conhecida. A fama de John Brown era grande por essa altura e um grupo
de soldados da União sitiados em Fort Warren, perto de Boston, teve a ideia de lhe dedicar
uma música que acabou por ser uma obra colectiva cantada pela primeira vez num hastear de
bandeira no dia 12 de Maio de 1861.
A letra era original mas partes da música, sobretudo o refrão, foram inspiradas em “gospel
songs” já existentes desde o início do Séc. XIX. A partir daí “John Brown’s Body” tornar-se-ia
um dos mais importantes hinos militares durante toda a Guerra Civil.
Reza assim a letra da canção, que a música toda a gente conhece:
John Brown’s body lies in a moulding in the grave
John Brown’s body lies in a moulding in the grave
John Brown´s body lies in a moulding in the grave
But his soul goes marching on
Glory, glory hallelujah
Glory, glory hallelujah
Glory, glory hallelujah
And his soul goes marching on
John Brown died to put and end to slavery
John Brown died to put and end to slavery
John Brown died to put and end to slavery
And his soul goes marching on
Glory, glory hallelujah
…………………………………
………………………………….
Mas a memória de John Brown incomodava muita gente e havia quem dissesse que era uma
pena uma música tão bonita ter um uma letra tão simplista e, ainda por cima, dedicado a um
perigoso fora-da-lei responsável pela morte de tantos inocentes...
E terá sido mais ou menos isto que a religiosa e abolocionista suave Julia Ward Howe e o
reverendo James Freeman Clark comentaram entre si quando ouviram pela primeira vez os
soldados da União cantar a música, em finais de 1861, tendo o padre sugerido à senhora que,
já que tinha tanto jeito para a escrita, tentasse escrever uma nova letra para a mesma música.
Julia Ward Howe não se fez esperar muito e em Janeiro de 1862 a sua letra seria publicada
pela primeira vez. Chamava-se “Battle Hymn of the Republic” e iria tornar-se um enorme
sucesso popular, um dos hinos patrióticos de maior sucesso na América cuja popularidade
chegaria a suplantar o próprio hino nacional americano (o “Star-spangled Banner”, escrito em
1814 mas apenas tornado, oficialmente, hino nacional por decisão do Congresso de 1931).
A letra de “Battle Hymn” é complexa, repleta de referências bíblicas, e deixo-vos apenas o
início para não vos massacrar:
My eyes have seen the glory of the coming of the Lord
He is trampling out the vintage where the grapes of wrath are stored
He hath loosed the fateful lightning of this terrible swift sword
His truth is marching on
Glory, glory hallelujah
Glory, glory hallelujah
Glory, glory hallelujaj
His truth is marching on
………………………………………
……………………………………….
A curiosidade desta história é que terá sido das poucas vezes, senão a única, em que um
“clássico” se inspirou numa música “de intervenção”, digamos assim, para simplificar. Por
norma foi o inverso que aconteceu…
Mas umas décadas mais tarde os malvados radicais voltariam à carga, e o sindicalista Ralph
Chaplin escreveria, em 1915, sob a mesma música, “Solidarity Forever”, uma das mais
importantes “union songs” da América e do Mundo, adoptada não só pelos “wobblies”, mas
também por muitos outros sindicatos ao longo dos anos que se seguiram.
A letra de “Solidarity” também é comprida, pelo que vos deixo apenas o início:
When the Union’s inspiration through the worker’s blood shall run
There can be no power greater anywhere beneath the sun
Yet what force on earth is weaker than the feeble strength of one?
But the Union makes us strong
Solidarity forever
Solidarity forever
Solidarity forever
But the Union makes us strong
HOLD THE FORT FOR I AM COMING / HOLD THE FORT
Phil Paul Bliss (1836-1876) foi um evangelista e também compositor e cantor gospel de grande
sucesso durante o Séc. XIX.
Em 1864, durante a Guerra Civil, uma guarnição da União estava cercada sob um forte ataque dos Confederados e quase a ser massacrada. Ao longe, uma bandeira branca no alto de um monte levam-nos a perceber que os reforços não estavam longe e um tal Comandante Sherman, que chefiava esses reforços, faz-lhes chegar a mensagem “Hold fast. We are coming”. A mensagem encorajou os sitiados que aguentaram até à chegada dos reforços e os Confederados acabaram por ser derrotados.
Uns anos mais tarde Phil Bliss ouviu falar desta história e, em 1870, sobre ela compôs mais um dos seus já então célebres hinos religiosos. A mensagem (digo eu, que não sou cristão…) é a de que devemos ter força, fé e perseverança nesta nossa vida terrena, porque algures a Salvação chegará…
A letra é assim (vou abreviar muito…):
“Ho, my comrades, see the signal, waving in the sky
Reinforcements now appearing, Victory is nigh
“Hold the fort, for I am coming”, Jesus signals still
Wave the answer back to Heaven, “by Thy grace we will””
Décadas mais tarde (parece que não é possível identificar nem a data nem o autor da nova
letra…), sob o título “Hold the Fort”, os “wobblies” começaram a cantar esta nova versão nos
seus “meetings”:
“We meet today in Freedom’s cause
And raise our voices high
We’ll join our hands in Union strong
To battle or to die
Hold the fort for we are coming
Union men be strong
Side by side we battle onward
Victory will come
Look my Comrades, see the Union
Banners waving high.
Reinforcements now appearing,
Victory is nigh.
Hold the fort for we are coming
……………………………………………….
See our numbers still increasing
Hear the bugles blow
By our Union we shall triumph
Over rever foe
Hold the fort for we are coming
………………………………………………..
Fierce and long the battle rages
But we will not fear.
Help will come whene’er it’s needed
Cheer, my Comrades, cheer
Hold the fort for we are coming
…………………………………………………
IN THE SWEET BY AND BY / THE PREACHER AND THE SLAVE
“In The Sweet By And By” é um belíssimo “standard” da música gospel americana publicado
em 1868, com letra de S. Fillmore Bennet e música de Joseph P. Webster. Recomendo-a
vivamente a quem não a conhecer, seja crente, ou não (há uma boa versão do Johnny Cash).
A sua letra é a seguinte:
There’s a land that is faster than day
And by faith we can see it afar
For the Father waits over the way
To prepare us a dwelling place there
In the sweet by and by
We shall meet in that beautiful shore
In the sweet by and by
We shal meet in that beautiful shore
We shall sing on that beautiful shore
The melodious songs of the blessed
And our spirits shall sorrow no more
Not a sight for the blessing to rest
In the sweet by and by
…………………………………..
To our bountiful Father above
We will offer our tribute of praise
For the glorious gift of His love
And the blessing that hallow our days”
In the sweet by and by
…………………………………..
Joel Emmanuel Hagglund nasceu na Suécia em 1879 e emigrou para os Estados Unidos aos 23
anos, tendo aí mudado o seu nome para Joseph Hillstrom.
Na América foi um trabalhador migrante, no início em Nova Iorque, depois no Ohio e, finalmente, por aí fora até à Califórnia.
Mas nos seus últimos anos de vida já não era Joseph Hillstrom, mas sim o Joe Hill, que conhecemos do filme que lhe dedicou o também sueco Bo Widerberg e da canção com que o homenageou Earl Robinson, popularizada nos anos 70 pela voz de Joan Baez:
I dreamed I saw Joe Hill last night
Alive as you and me
Says I “But Joe you’re ten years dead”
"I never died”, says he”
From San Diego up to Maine
In every mine and mill
Where working folks defend their rights
It’s there you find Joe Hill
Este anarco-sindicalista, que se alistou-se na IWW em 1910, era, também, um compositor e
letrista de exceção e muitas das suas canções integram o património das chamadas “Union
Songs” (“The Rebel Girl”, “Workers of the World, Awaken!”, “The Tramp”, “The White Slave”,
“There is Power in a Union”, e tantas outras).
Em 1911 o anticlerical Joe Hill pegou na música de “In the Sweet By And By” e acrescentou-lhe
uma nova e satírica letra, criticando todos aqueles que defendiam que se o Homem se sujeitar na Terra, pacificamente, a todos os sacrifícios e privações que lhe forem impostos, dele será o Reino dos Céus…
Chamou a essa canção “The Preacher and the Slave”, e a sua letra é a seguinte (vou abreviar):
Long-haired preachers come out every night,
Try to tell you what’s wrong and what’s right
But when asked how ‘bout something to eat
They will answer with voices so sweet:
You will eat, bye and bye,
In that glorious land above the sky
Work and pray, live on hay,
You’ll get pie in the sky when you die
…………………………………………………………
…………………………………………………………
If you fight hard for children and wife -
Try to get something good in this life –
You’re a sinner and bad man, they tell
When you die you will sure go to hell
You will eat, bye and bye,
……………………………………….
………………………………………..
Working men of all countries, unite
Side by side we for freedom will fight
When the world and it’s wealth we have gained
To the grafters we’ll sing this refrain:
You will eat, bye and bye,
When you’ve learned how to cook and to fry
Chop some wood, ‘twill do you good,
And you’ll eat in the sweet bye and bye
Uff!
Parece que cheguei ao fim, mas duvido que vos tenha conseguido transmitir uma pequena
parte que seja do prazer que retiro destas andanças.
Resta-me dizer-vos que se desejarem ir mais longe, há imensas colectâneas facilmente
disponíveis na Amazon e aqui vos deixo alguns exemplos da minha colecção.
Muitas destas canções também se encontrarão facilmente no Youtube. Pessoalmente prefiro
as versões mais antigas dos Almanac Singers, Pete Seeger, Joe Glazier ou Cisco Houston. Mas
também há excelentes versões mais recentes, de Utah Phillips e Billy Bragg, por exemplo.
Texto de Luís Mira
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