quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

CONSIDERANDO...



A propósito da discussão à volta da expressão "considerando" em comunicados, lembrei-me desta relíquia de 1974.

O "documento" não tem data, mas só pode ser de Julho, Agosto ou Setembro do ano da Revolução.

Trata-se de um comunicado redigido pelo meu amigo LPA e ainda por João Soares, do PS, de que resultou a primeira greve nas Forças Armadas Portuguesas. Era a experiência do movimento estudantil, agora fardado.

Tudo isto porque os cadetes tinham regressado noite dentro de uma instrução nocturna e os seus chefes queriam obrigá-los a apresentarem-se no dia seguinte às 07H00 na parada da Escola Prática de Infantaria (Mafra).

Liderados por LPA e por João Soares, os cadetes recusaram a ordem e barricaram-se nas casernas, só de lá saindo quando o comandante da Escola, brigadeiro comando Jasmim de Freitas, por interposto subalterno, ameaçou que os corria à granada.

Ainda manceba, a maior parte do pessoal teve medo e acabou por sair.

A esta distância, a cena é bem caricata. Depois dos "considerandos", propunha-se:

- cessar-fogo imediato nas colónias portuguesas até o povo decidir do seu destino;

- a prática da democracia nas instituições militares, nomeadamente na Escola Prática de Infantaria de Mafra, onde o sistema anterior ao 25 de Abril continua em vigor. Para tal, deverá ser permitido aos soldados-cadetes a possibilidade de se reunirem no sentido de se discutirem e aprovarem livremente as propostas conduzentes à instauração de um regime de instrução militar mais humano e mais justo, pondo ponto final a um sistema de receio e de medo que actualmente se encontra no espírito dos soldados-cadetes.

O comunicado foi aprovado na caserna por unanimidade e aclamação!

João Soares - segundo informação que me foi prestada - foi incorporado na EPI (Escola Prática de Infantaria, em Mafra) a 22 de Julho de 1974 como soldado-cadete da 6ª CI e colocado num pelotão de licenciados, concluindo em 29 de Setembro de 1974 a especialidade de atirador e passando imediatamente à situação de licença registada, ao abrigo de um despacho de 07 de Setembro de 1974 do Ministério do Exército.

1 comentário:

josé disse...

"Interesses nacionais definidos pelas massas populares"! Que linguagem pró-PREC!

Na verdade, quase ninguém escapou à retórica comunista e à da Esquerda em geral,logo no pós 25 de Abril.

E o curioso é que ninguém ( bem, quase ninguém) se lembrou de ler outras ideias, como por exemplo Raymond Aron.
A verdade é que quem foi convidado para a festa, foi Sartre, literalmente. E deu conselhos práticos. Que renegou numa entrevista ao Nouvel Observateur, já nos anos oitenta. Entrevista publicada pelo O Jornal, curiosamente.

Por mim, sempre alinhei pelo Aron. Moderado, também, mas democrata.
E também pelo Revel.
Estou para saber exactamente, porque é que as sereias da Esquerda ( e eram boas), não me convenceram na altura. Tenho pensado nisso, vezes sem conta.

Resta-me uma consolação: acho que quem tinha razão, na época, eram ps que pensavam como eu pensava, de acordo com esta lógica. Mas a maioria não pensava da mesma maneira.