sexta-feira, 30 de novembro de 2018

SUL PROFUNDO


Sabendo que me encontrava a preparar uma viagem prolongada pelo Sul dos Estados Unidos, o meu amigo e vizinho Jorge Barata Preto aconselhou-me a leitura deste Sul Profundo”, de Paul Theroux.

Agradeci a sugestão, dizendo-lhe que desconhecia o autor, o que pouco depois vim a verificar não ser verdade, já que tinha lido anteriormente o seu “A Arte da Viagem”, também editado em Portugal pela Quetzal, embora não tivesse fixado o nome do autor.

Foi-me muito útil a leitura deste livro, embora ele nada tenha a ver com qualquer tipo de “leitura de viagens” tradicional, como inicialmente pensei. Theroux tem uma abordagem algures a meio caminho entre a de um sociólogo, um antropólogo e a de um economista social.

Afasta claramente tudo quanto seja “turístico” ou “cultural” e chega a ser exasperante vê-lo chegar a um determinado lugar e dizer, como o faz por diversas vezes, qualquer coisa deste tipo: “Abundam nesta cidade casas e lugares muito interessantes para se verem, mas a mim não é isso que me interessa…” 

Paul Theroux efetuou três viagens ao “Deep South”, cada uma com cerca de três meses de duração.

Chegava a um lugar com um ou dois nomes que lhe haviam sido indicados como referências, e cada um desses contactos lhe passava, por sua vez,  mais dois ou três, e assim sucessivamente até possuir uma rede já bastante alargada de pessoas com quem falar, algumas das quais voltava a visitar em viagens ulteriores.

Por norma chegava a um sítio e instalava-se durante vários dias. Falava com gerentes de motel, barbeiros, empregados dos correios, empregados de bar e de restaurantes, representantes das Igrejas locais e membros de associações não governamentais de apoio às comunidades.  Gostava, particularmente, de visitar feiras de vendas de armamento pois, dizia, é um dos melhores sítios para nos apercebermos das características de personalidade do americano médio do Sul.

Quando acabei de ler o livro registei de imediato, no próprio livro, as principais conclusões que dele tinha retirado. Como ando há já uns tempos a falar convosco acerca desta região, pareceu-me útil passar-vos também estas “sínteses de leitura”, no preciso estado em que se encontram, isto é, sem qualquer reformulação ou desenvolvimento posterior.

Aqui vai, então:

1) 20% da população sulista vive abaixo do patamar da pobreza. Há zonas mais pobres do que as piores regiões encontradas pelo autor em Africa ou na Ásia;

2) O Governo Federal tem demonstrado pouca preocupação pelo Sul. Apoia mais facilmente outras regiões carenciadas por esse Mundo fora. O mesmo se diga de Organizações não Governamentais tipo Fundação Bill Clinton, oriundo do Sul e pelo qual o autor não parece nutrir grande simpatia;

3) Como principais motivos da pobreza do Sul o autor indica a mecanização da agricultura, que atira a mão-de-obra agrícola para o desemprego, e a fuga de muitas empresas industriais para outras regiões do Globo de MDO mais barata e menores impostos (Ex: Médio Oriente, México, etc);


4) Existem muitas ONGs de carácter não lucrativo que ajudam as populações a suprir algumas necessidades básicas, nomeadamente no que respeita à Saúde e à Alimentação (Ex: recuperação de casas degradadas, construção de novas casas, etc;

5) Ao contrário da ideia que muitas vezes se tem de que o americano é individualista e autocentrado, parecem existir fortes laços de solidariedade social na sociedade sulista;

6) A Religião continua a ser muito importante e a Igreja constitui um forte fator de integração e coesão social;

7) Continuam a existir muitas formas de segregação na sociedade sulista e, em muitos lugares, o Ku Klux Klan permanece ativo e bem visível…;

8) Os relatos do autor ajudam a perceber a vitória de Trump nas eleições de 2017;

9) Curiosamente, nada é dito nem comentado no que respeita à governação de Obama, tendo o livro sido escrito nas vésperas da sua reeleição.

Et voilá!   O livro não me deu espaço para mais…

Acabei por não registar três coisas que achei curiosas e que agora vos conto.

Uma é que Paul Theroux faz no início do livro uma citação das “Viagens na Minha Terra”, de Almeida Garrett, o que me parece interessantíssimo para um autor americano a escrever na América.

Outra é que o autor realça a extrema simpatia e disponibilidade da maior parte das pessoas que encontrou, as quais muitas vezes tomavam a iniciativa de se dirigiam a ele para o ajudarem sem que nada lhes tivesse sido pedido. Isso posso corroborar, porque passei por essa boa experiência várias vezes, nesta e em anteriores viagens.

A última, mais ao estilo de fait-divers, é que o autor conta que quase todos os motéis de estrada que encontrou ao longo da sua viagem são propriedades de indianos de nome Patel… 

Mas isso não tive a possibilidade de comprovar.

Moteis de estrada, verdadeiros moteis de estrada é coisa que a minha Querida Companheira de viagem certamente se recusaria a frequentar, com medo de ser violada por um índio das cavernas, disfarçado de Donadl Trump…! Comigo a assistir em primeira fila, amordaçado e atado a uma cadeira…!

É o que acontece quando se abusa da Netflix…

Texto e imagem de Luís Mira

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

PÈCHE SEAFOOD - NEW ORLEANS


“The Beguiled” (2017), remake do filme do mesmo nome que Don Siegel havia realizado em 1971, é o último filme de Sofia Coppola.

Os dois filmes são muito semelhantes na sua estrutura, ambos baseados num livro de Thomas Cullinan.

Mais estilizado e contido o de Sofia.   Mais frenético o de Siegel, que aqui e além deixa transparecer alguns dos “tiques” característicos do cinema americano dos anos 70 (o excesso de “zooms”, por exemplo…). E Clint Eastwood não é Colin Farrel, …… nem Geraldine Page Nicole Kidman.

Ambos os filmes foram realizados em diferentes Plantações do Louisiana.

Li numa entrevista que, enquanto se encontrava em filmagens, Sofia Coppola ficou instalada em New Orleans e um dos restaurantes que gostava de frequentar era “Pêche Seafood Grill”, em Magazine Street.

Como sei que Sofia foi ensinada a comer bem e a beber ainda melhor, fiquei logo com vontade de ir lá meter o bedelho… E não tardou que a reserva fosse confirmada: 15 de Agosto, 20h30…

O restaurante é pertença do Chef Donald Link, que parece ser muito conceituado por aquelas bandas.
Mas é um espaço simples e informal, nada pretensioso e com uma relação qualidade/preço muito simpática.

A especialidade é o peixe e o marisco, tal como se esperava, e a lista era interminável mas dificilmente decifrável…

 Ambos comemos, de entrada, “bisque” de camarão, que estava delicioso. Depois ela optou por   “catfish”, uma das grandes especialidade dos estados do Sul, e eu por um “capellini”, que mais não era do que um excelente preparado de peixe e marisco, capeado por uma camada de massa folhada.

Como sempre, a pobre ficou com inveja do meu prato…


Texto e imagens de Luís Mira   

terça-feira, 27 de novembro de 2018

CAFÉ DU MONDE - NEW ORLEANS


Agora que moro em Algés acontece-me passar, frequentemente, defronte dos Pasteis de Belém, e de cada vez que por lá passo não me canso de rir e de me espantar com as intermináveis bichas que vejo à sua porta, maioritariamente constituídas por turistas estrangeiros.

Os pobres vão atrás daquilo que lhes impingem os livros, os sites de viagens, os guias turísticos, eu sei lá, e mal sonham que a Galp de Oeiras vende, nos seus bons dias, pasteis de nata bem mais saborosos do que os de Belém. Isto é o que me diz a minha experiência mais ou menos recente…

Mas, como eu bem sei por longa experiência própria, em viagens pelo estrangeiro o chapeuzinho de saloio está à nossa espera na primeira oportunidade…

O Café du Monde, em New Orleans, na Decatur Street bem próximo de Jackson Square, é uma instituição mais que centenária, assim uma espécie de Pasteis de Belém local. Nenhum turista passa por New Orleans sem lá entrar…

Abriu ao público em 1862 e é um dos mais antigos cafés do Frenck Market ainda em  funcionamento nos dias de hoje, 24 horas por dia nos 7 dias da semana. Tem uma particularidade: só serve beignets, normalmente acompanhados por uma chávena de café com leite.

A Cristina, que adora beignets de maçã, salivava só de pensar neles enquanto andávamos às voltas pelo Mississippi no steamboat  Natchez, outra das saloiices indispensáveis em New Orleans.

Quando chegámos ao Café du Monde a bicha não era, felizmente, comparável às dos Pasteis de Belém e sentámo-nos sem grande dificuldade. Beignets para os dois e cafezinho com leite para ela, mas não para mim que não vim a New Orleans beber copinhos de leite…

E então o espantoso aconteceu… Os beignets eram …… de beignet!!  Só a massa polvilhada com açucar em pó… Sem mais…. Mas bastou para a fotografia!

Hoje, quando passo defronte dos Pasteis de Belém, rio-me ainda com mais vontade…

De mim próprio, claro está…! 

Texto e imagens de Luís Mira

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

HIGHWAY OF THE BLUES


Lord the 61 Highway
It’s the longest road I know
She run  from New York City
Run right by my baby’s door
(Mississippi Fred McDowell)

A Highway 61 é também conhecida por “Highway of the Blues” por duas razões: porque atravessa a região do chamado Delta do Mississippi, que foi onde se afirma que um Blues rural mais genuíno nasceu e se desenvolveu em toda a sua plenitude; e  porque foi por essa estrada acima, muitas vezes a pé e à boleia e tocando nos diversos Juke Joints que lhes surgissem no caminho,  que partiram os velhos bluesmen à procura de melhores condições de vida do que aquela que tinham, no Sul em geral, e nas plantações onde muitos trabalhavam, em particular.

Alguns não quiseram ou não puderam partir. Deixaram-se ficar no trabalho duro das suas plantações, arando a terra atrás de mulas, colhendo o algodão ou, com alguma sorte e com a progressiva mecanização da agricultura, guiando tratores durante décadas e cantando e tocando nas vizinhanças, nos tempos livres, para arrecadar alguns tostões suplementares. Até serem descobertos ou redescobertos muitos anos mais tarde e levados em ombros para Nova York, como sucedeu com Mississippi John Hurt, do qual um dia vos falarei.

O destino desta peregrinação variou ao longo dos anos,  em função do arrojo, da ambição  e da ligação à terra natal que cada um desses músicos manifestava:  uns mantiveram-se no Delta e ficaram por  Clarksdale ou nas suas  proximidades, fazendo dessa terra o mais importante lugar do Blues no Mississippi nos anos 20 e nos anos 30; outros subiram até Memphis e instalaram-se em Beale Street; outros ainda, mais arrojados, seguiram mais para Norte até St. Louis, que foi também uma importante cidade do Blues; outros, finalmente e mais tarde, subiram ainda mais longe até Chicago, que nos anos 40 e 50  foi a capital do blues nos Estados Unidos. Os blues desenvolveram-se aí de tal maneira que deram origem a um “sub-género”, os chamados “Chicago Blues”, mais eletrificados, com nomes como Muddy Waters, Howlin’ Wolf  e Sonny Boy Williamson, todos eles oriundos do Mississippi.

Mas não se pense que a vida dessa gente era fácil nas cidades onde se instalavam. Tinham de trabalhar no duro nas fábricas, como todos os outros, até surgir uma oportunidade de serem valorizados através da sua música. Muddy Waters, por exemplo, um dos maiores intérpretes do Blues moderno, partiu da sua plantação de Stovall  para Chicago em 1943, andou durante anos a guiar camiões durante o dia e a tocar à noite onde calhava, e só no final dessa década começou a ter algum sucesso, após ter assinado pela Chess Records. Mas por cada um que obtinha sucesso, muitos outros se mantiveram na obscuridade.

Em 1927 uma verdadeira tragédia económica e social abateu-se sobre o Mississippi, fazendo com que a “Highway 61” não fosse apenas o caminho dos bluesmen, mas de uma boa parte da população do Delta, expulsa à força das suas terras. Após semanas de chuva intensa, vários diques de água cederam em Abril desse ano e o rio Mississippi transbordou, provocando uma cheia gigantesca que ainda hoje é considerada a maior tragédia do género em toda a história dos Estados Unidos. Apenas no Verão desse ano a situação começou a normalizar. Cidades ficaram inundadas, plantações foram devastadas e estima-se que metade da população negra do Delta do Mississippi foi obrigada a emigrar para o Norte, à procura de condições de subsistência na grande indústria de Detroit e nos grandes matadouros de Chicago.

Tanto o Blues como a Folk têm uma grande capacidade para captar e integrar nas suas “letras” os acontecimentos e as histórias do dia-a-dia, pelo que não é estranhar que, pouco tempo depois, muitas tenham sido as músicas que se debruçaram sobre este desastre ecológico. A mais conhecida das quais é capaz de ser “High Water Everywhere”, que Charley  Patton compôs no ano seguinte. Mais de 70 anos depois, Bob Dylan  - Mr. Zimmerman again! – rendeu-lhe uma bela homenagem, com “High Water (for Charley Patton), que faz parte do seu álbum “Love and Theft”, de 2001.

A tragédia da cheia não atingiu apenas o Estado do Mississippi, mas também muitos outros estados limítrofes. A fuga das populações foi massiva e estima-se que, só no Estado do Mississippi, um quarto de toda a população negra tenha emigrado para o Norte. E com ela muitos bluesmen. Quase sempre pela “Highway 61”…

No “Delta Blues Museum” de Clarksdale encontrei uma frase de um tal Mike Rewe, estudioso do “Chicago Blues”, que achei curiosa e que resume toda a história:
“While segregation created the blues, migration spread the message”

Quer isto dizer que se esta tragédia afetou em muito a situação do Mississippi e dos músicos do Delta, não afetou tanto os blues a nível nacional. Tanto mais que a indústria discográfica estava em verdadeira fase de expansão e que toda essa população negra deslocada para o Norte, impossibilitada de escutar “ao vivo” a música que no seu dia-a-dia sempre se tinham habituado a ouvir, vai tornar-se a população-alvo dos chamados “Race Records”.

As gravações de Blues não começaram nessa altura, mas muitos anos antes. Embora se trate de um instrumental que pouco tem a ver com o género vocal de que estou a falar, consta que a primeira gravação de uma música a conter blues no seu título foi “Memphis Blues”, que W.C. Hardy gravou para a Victor em 1914 (Mr. Zimmerman, que nestas coisas não perde pitada, far-lhe-á também uma referência no seu “Suck Inside the Mobile with the Memphis Blues Again…). Essas gravações tiveram uma difusão relativamente restrita, tanto mais que as condições de reprodução não estavam ao alcance de todas as bolsas.

Mas a tecnologia evoluiu, as condições e a qualidade de gravação e reprodução melhoraram significativamente com a chegada dos aparelhos Victrola  e dos novos 78 rpm mais leves e duráveis, tornando a música gravada mais acessível.

Neste novo contexto, muitas foram as companhias discográficas (Paramount, Victor, Okeh, …) que decidiram gravar a “música dos negros”, para uma minoria branca que já se mostrava interessada, mas sobretudo para uma imensa maioria negra. São esses discos interpretados por negros, muitas vezes gravados por negros e maioritariamente destinados à população negra que vieram a ser designados por “Race Records”. Esse “boom” discográfico sofreu um forte abalo com o “crash” de 1929, mas algumas editoras sobreviveram e a situação voltou a melhorar durante a década de 30, quando o New Deal de Roosevelt deu uma oportunidade de melhores condições de vida a uma boa parte da população americana. 

Um outro acontecimento que muito ajudou à difusão do Blues nesses tempos, e ao sucesso comercial dos discos, foi o início das emissões radiofónicas. Algumas dessas Rádios, na década de 40, eram geridas por negros e destinadas, maioritariamente, à população negra. Foi o caso da WROX, de Clarksdale, e da WDIA de Memphis, onde se iniciou B.B. King.

Vou terminar regressando à Highway 61, para vos dizer que é curioso que uma estrada tão importante para a história do  blues tenha tido, na época, tão poucas canções a imortaliza-la…  Só a partir da década de 50 começam a surgir algumas músicas que lhe são inteiramente dedicadas. Nenhuma delas fará parte da Grande História, mas talvez as de Mississippi Fred McDowell e de James “Son” Thomas (“61 Highway Blue”) sejam as mais interessantes. Embora o primeiro devesse estar perdido de bêbado quando imaginou a estrada a passar em New York City, coisa que nunca aconteceu…!

PS:

Não sendo eu um historiador do “Blues”, todo o conhecimento que tenho é em segunda mão. Assim sendo, para a preparação desta minha viagem foi importante a leitura ou releitura das seguintes obras: “Alan Lomax – The Land Where the Blues Began, 1993”; “Roger Stolle – Hidden Story of Mississippi Blues, 2011”; “Robert Santelli e Outros – American Roots Music, 2001”; “Howard Mandell – The Illustrated Encyclopedia of Jazz and Blues, 2005”, de que existe tradução portuguesa nas Edições Afrontamento.

Importante foi também, como não podia deixar de ser, a revisão dos 7 episódios de Martin “Scorsese Presents the Blues”.

A tudo isto acresceu o que aprendi e registei em todos os museus que visitei e nos lugares históricos por onde passei.

Texto e imagem de Luís Mira

HIGHWAY 61 VISITED


Mr. Zimmerman desde muito cedo nos habituou às suas traquinices.

A mais recente das quais aconteceu no ano passado, quando se silenciou durante vários dias à espera que a Academia Sueca lhe pedisse desculpa por o ter incomodado com a atribuição de um Prémio Nobel.

Esta de que agora vos falo terá sido outra, embora muito mais antiga…

Goste-se ou não dele – eu aprecio a Obra, em geral, mas não o Homem - a memória de Mr. Zimmerman tem muita força e um amante de música jamais poderá atravessar a Highway 61 sem se lembrar do seu sexto álbum, “Highway 61 Revisited”, de 1965.

Mas porquê ter evocado a Highway 61 numa altura em que, tendo acabado de espetar vários  pregos no caixão da Folk  mais tradicional,  a sua música se  afastava já claramente noutras direções…?

Alguns dizem que é uma homenagem ao “Blues”, mas de verdadeiro “Blues” não consigo ver nada de significativo neste disco, a não ser o título de duas músicas (“Tomstone Blues” e “Just Like Tom Thumb’s Blues”), que com o “Blues” de que vos falo pouco ou nada têm a ver….

Vou à estante à procura de uma pequena pista que me ilumine, e também não vejo nada. Encontro coisas como “Folk eletrificado”, “puro Rock ‘n’ Roll” e até o insuspeito Jacques Vassal, no seu livro “Folksong”, diz que o disco é “Pop Moderno” de uma ponta à outra…!

No que respeita à estrada em si, o disco tem, de facto, uma música que se chama “Highway 61 Revisited”, cuja letra é daquelas que exigem curso universitário e pós-graduação, para finalmente podermos chegar à conclusão que tanto pode significar uma coisa, como o seu inverso… 

Mas que muita coisa por lá se passa na “Highway 61”, lá isso é verdade… Até a encenação de uma III Guerra Mundial, com bancadas para a assistência e tudo… Deve ser a isso que “The Illustrated Encyclopedia of Rock” chama “a sustained level of extraordinarily lyricism”…

Talvez que tudo não passe de uma “private joke”, como que a dizer que se os velhos “blues” puderam ser “eletrificados” e sobreviveram ainda com mais força, porque razão não o poderia ser também a Folk Music…

Não sei…

Talvez que Mr. Zimmerman se tenha dado ao trabalho de se explicar numas das poucas entrevistas que vez o favor de conceder, mas em boa verdade não sei…

Não sou nem quero passar por ser um grande “especialista” de Mr. Zimmerman.

Mas que, segundo ele próprio conta,  a atração que sentia pela Highway 61 sempre foi muito antiga, isso sei muito bem…

No primeiro volume das suas “Memórias” (estamos há 14 anos à espera do segundo, outra traquinice, certamente…!) Mr. Zimmermam conta que a Highway 61 lhe estava no sangue e era o seu verdadeiro lugar no Universo. Uma estrada que passava na cidade onde tinha nascido, perto do lugar onde vivia e da qual se servia para ir a todo o lado, quanto mais não seja em sonhos de aventuras “on the road”, na companhia de Sal Paradise e Dean Moriarty.

Mas, bem lá no fundo, o que ele ansiava era por liberdade e Robert Sheldon, biógrafo de Mr. Zimmerman e uma das maiores sumidades da Folk americana acerta na mouche quando afirma:
“If you have been born in a place like Duluth and if you were raised in a very, very parochial town like Hibbing, Minnesota, you had to start making your escape plans. Very early Highway 61 became to him, I think, a symbol of freedom, a symbol of mouvement, a symbol of Independence, and a chance to get away from a life he didn’t want in that town” (in Documentário da série “Tales of Rock ‘n’ Rol” sobre “Highway 61 Revisited”)

Talvez então que as coisas sejam bem mais simples e que tudo não passe de uma mera fantasia da minha parte, ansioso por encontrar conexões em tudo e mais alguma coisa. Talvez que Robert, o “motard” com ar de “rock” e uma “t-shirt” da Triumph na capa do disco, estivesse só com nostalgia da estrada quando lhe deu esse nome…

O que é curioso é que os anseios de libertação através da estrada do jovem Robert nos finais dos anos 50, tal como os de tantos outros tantos adolescentes na América, sobretudo após a publicação do livro do Jack Kerouac, são exatamente os mesmos que sentiram muitos dos velhos “bluesmen” e “jazzmen” do Sul profundo, 40 anos antes, embora por motivos diferentes, como vos contarei um destes dias.

Mas já que, a propósito da Highway 61, falei tanto de liberdade e evoquei Jack Kerouac e os sonhos da  “beat  generation” e, posteriormente, do movimento “Hippie”  que o seguiram, talvez venha a talhe de foice recordar que foi também   muito perto dessa estrada que, simbolicamente, tudo se acabou….

“Easy Rider” é, como se sabe, um marco da “Contracultura” americana dos anos 60/70 e um dos filmes que deu maior impulso ao surgimento de um novo tipo de cinema na América, aquilo a que Peter Hiskind chamou a “Nova Hollywood”.

 E é em Krotz Springs, no Louisiana, a muito poucas milhas da “Highway 61”, que acaba  “Easy Ryder”, naquela pavorosa cena final em que os dois “motards” interpretados por Peter Fonda e Dennis Hopper são mortos a tiro de caçadeira por um duo de inofensivos agricultores locais, “just to watch them die”, como na canção do  Johny Cash. E depois a câmara sobe até ao céu deixando ver os corpos deitados e a mota em chamas e aparece um rio que poderia ser o Mississippi, mas não é, enquanto Roger McGuin arranca lentamente com a “Ballad” que acompanha o genérico final:

“The river flows, it flows to the sea
Wherever that river goes, that’s where I want to be”

Uns dias antes, pouco antes de ter sido ele próprio morto à paulada pela calada da noite, o jovem advogado interpretado por Jack Niicholson, que bebia whiskey pelo gargalo em memória de D.H. Lawrence, já lhes tinha explicado, em conversa, porque razão eles iriam morrer:

“- Sabem, este costumava ser um país formidável. Não compreendo o que se passa…
- Acobardaram-se todos, é o que é. Nem num hotel de 2º…. num motel de 2ª conseguimos entrar. Acham que os vamos degolar ou coisa assim…Têm medo.
- Não têm medo de vocês, têm medo do que vocês representam.
- Só representamos quem precisa de cortar o cabelo…
- Não. O que vocês representam é a liberdade.
- E que mal tem a liberdade…? Ela é o mais importante.
- Ela é o mais importante, sim senhor, mas falar dela e vivê-la são duas coisas diferentes. Quer dizer, custa muito ser-se livre quando se é comprado e vendido no mercado. Mas nunca lhes digam que não são livres senão vão matar e mutilar só para provar que são. Vão falar convosco e falar convosco e falar convosco sobre liberdade individual. Mas quando veem um individuo livre, sentem medo…
- Mas isso não os põe a fugir assustados…
- Não. Torna-os perigosos…” 

Se nenhum outro mérito tivesse, “Easy Rider” ficará sempre, para mim, como o filme premonitório do fim de um Sonho, o final de uma Utopia...Quase a acabar o filme já Peter Fonda tinha desabafado, com ar dolorido: “estragámos tudo…”.
O filme foi lançado em Julho de 1969. Em Agosto desse ano, Woodstock ficou célebre mas já não correu muito bem. Altamont, em Dezembro, foi um desastre… No ano anterior tinham sido assassinados Martin Luther King Jr e Robert Kennedy. A América tão depressa não voltaria a ser a mesma…

Quanto à Highway 61, ela é, juntamente com a Route 66, uma das estradas mais míticas de todos os Estados Unidos da América.

Acompanha de perto o rio Mississippi e, no seu trajeto atual (já foi maior no passado…), rasga o país de Norte a Sul ao longo de perto de 2.300 Km, ligando as cidades de Wyoming, no Minnesota e New Orleans, na Louisiana, passando perto, ou não muito longe, de cidades tão importantes como Detroit, Chicago, St. Louis, Nashville e Memphis.

Fiz apenas cerca de 600 km nesta estrada entre Memphis e Batton Rouge, já às portas de New Orleans.

Mas, em boa verdade, não foi a “Old Highway 61” que eu fiz, mas sim a nova “Interstate 61…
Como quase sempre sucedeu nos Estados Unidos a partir da segunda metade do século passado, os tempos modernos trouxeram consigo um crescente tráfego rodoviário e a velha estrada foi destruída e substituída por uma nova, com várias faixas de rodagem.

Na região do Mississippi onde passei a velha 61 está abandonada, destruída e nalguns locais positivamente esventrada, como vi em várias fotografias, sendo muito pouco transitável.

Na Route 66 ainda tinha tido o prazer de me sentir na pele de um Tom Joad, rodando na velha estrada durante algumas centenas de quilómetros.

Mas aqui tal não seria possível…

Decidi, por isso, não ir ver os destroços e deixar a estrada à minha imaginação.

E avancei para o Sul em direção ao mar, como faz o rio na canção do Roger McGuin.

Texto e imagem de Luís Mira

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

50 ANOS!


PARLOPHONE - P-PCS 7067 - 1968 (edição britânica de exportação)

Este LP ("The Beatles", nº 198.790) faz hoje 50 anos, mas apresenta-se agora jovem e fresco como nunca nas novas roupagens de Giles Martin.

Esta edição (Parlophone amarela) custava mais de 3.000 libras na cotação da Record Collector 330, de Dezembro de 2006.

A edição da Apple tem o número 39.063, mais baixa, portanto.

A partir dos 300/400 mil, a EMI deixou de os numerar (ficava uma pipa de massa).

Paul McCartney queria que os 5 milhões de exemplares fossem todos numerados.

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

PO' MONKEY'S JUKE POINT


Com o fim da escravatura na América muitos dos antigos escravos e seus descendentes  continuaram ligados às suas plantações de origem, quer como trabalhadores rurais mediante a contrapartida de um parco salário (a maior parte do qual “em espécie”),  quer como rendeiros (“sharecroppers”, no original americano), isto é, exploradores de uma pequena porção de terra mediante entrega em pagamento de uma boa parte das suas colheitas ao proprietário rural.

Em qualquer das circunstâncias, o fim da escravatura era ilusório, já que se mantinham os laços de uma total dependência face aos grandes proprietários rurais.

A literatura norte-americana, mas também a de toda a América Latina  (Guimarães Rosa, Lins do Rego, Miguel Angel Asturias, …) ,  mostrou-nos bem como é que o sistema funcionava.

Endividados até à medula nos armazéns dos seus patrões, esses trabalhadores apenas em teoria eram livres. Enquanto não saldassem as suas dívidas não podiam abandonar as plantações e a dívida, essa crescia cada  vez mais  porque o próprio patrão se encarregava de incentivar o consumo a crédito como forma de manter o trabalhador amarrado, porque o pouco que este retirava da terra era insuficiente para pagar os seus débitos acumulados.

Tal como Merle Travis escreveu numa canção tornada célebre (“Sixteen Toons”), embora relacionada com outra realidade (o trabalho nas minas de carvão do Kentucky), esses trabalhadores rurais do Sul profundo  “owed their souls to the company store”.

Apenas duas alternativas se apresentavam a essa pobre gente dita livre: perpetuar a sua relação de dependência ano após ano ou abandonar as plantações pela calada da noite, sabendo que uma matilha de perseguidores os iriam procurar, quase sempre sob o comando do “sheriff” local.

Para aqueles que teimavam em permanecer o trabalho era árduo, a vida de miséria  e as poucas oportunidades que havia para relaxar e fugir da tensão de uma semana de trabalho eram bem-vindas.
Proibidos de aceder aos locais frequentados pelos brancos devido às leis de segregação “Jim Crow”, os negros criaram os seus próprios locais de diversão chamados “Juke Joints”. De arquitetura muito pobre (barracas, quase sempre…),  eram locais privados de sociabilização fora do controlo dos “brancos”, onde por algumas horas podiam usufruir da boa sensação de uma total liberdade, jogando os seus jogos de azar, bebendo, ouvindo música e dançando à sua   vontade. Eram, também, locais de mobilização para o combate social  e muitas pequenas revoltas e sabotagens  locais que a “História dos brancos” persiste em ignorar nasceram precisamente aí.

 Muitas vezes situados no meio rural e em encruzilhadas de estradas para facilitar o acesso, esses “Juke Joints” tiveram também um papel importantíssimo na difusão dos “Blues” no Mississippi,  porque muitos foram os “blues singers” que, nos anos 20 e 30, a caminho do Norte ou vivendo no Delta do Mississippi, faziam o circuito dos “Juke Joints” em busca de alojamento, alimentação e algumas moedas que pudessem cair dentro do chapéu.

Nos dias de hoje atravessa-se o Mississippi e encontram-se muitos bares ditos “Juke Joints”. São, quase sempre, estabelecimentos urbanos mais recentes que procuram retirar algum proveito do turismo que a rota dos “Blues” continua a proporcionar.

Mas um dos velhos “Juke Joints” rurais que chegou aos nossos dias em melhor estado de conservação (passe a expressão…) é este “Po’ Monkey Juke Joint”, numa saída da Highway 61 perto de Marigold.
Po’ Monkey era a alcunha de William Seaberry, que comprou o estabelecimento no início dos anos 60, recuperou-o e manteve-o em atividade até à data da sua morte, em 2016.

Po’ Monkey era figura proeminente no meio dos “Blues”, célebre pela sua simpatia, bom humor e roupagem extravagante. Podemos encontra-lo como consultor de Martin Scorsese na ficha técnica da sua série televisiva sobre os “Blues”.


No que respeita ao estabelecimento em si, não o pude ver do interior mas o exterior é uma maravilha. Deliciem-se com o humor dos diversos anúncios e proibições inscritas na parede, desde o volume do som ao tipo de música e ao consumo de drogas, não esquecendo o impagável “dress code”!

Saí dali a imaginar a animação que isto não teria tido nos seus tempos áureos. E a confusão também, porque quando se misturam jogo, música, dança e bebida, algo de mal pode sempre acontecer…

Que o diga o pobre Robert Johnson, mais tarde chamado “the king of Delta blues”, que morreu envenenado num sítio destes, devido a uma complicação de saias...  É uma história interessante de se contar a que voltarei um dia deste,

Texto e imagens de Luís Mira

terça-feira, 13 de novembro de 2018

BILOXI



Down around Biloxi
Pretty girls are swimmin’ in the sea
Oh they all look like sisters in the ocean
The boy will feel his pail with salted water
And the storms will blow from off towards New Orleans

Biloxi, Jesse Winchester

Jesse Winchester é um singer-songwriter dos anos 70 que, tal como tantos outros (Paul Siebel, Steve Goodman, Steve Young, …) é mais conhecido pelas versões que outros fizeram das suas músicas do que propriamente pelos seus originais.

Winchester nasceu no Louisiana e passou a adolescência entre o Mississippi e o Tennessee,   tendo fugido para o Canadá em 1967 por se recusar a combater no Vietname. E foi no Canadá, com a ajuda de alguns dos membros  dos The Band, que lançou os seus primeiros álbuns.

Foram dois grandes amigos meus  “muito lá de casa” quem me apresentou a Jesse Winchester. Tom Rush, que incluiu “Biloxi” no seu álbum “Long End of the Rainbow”, de 1970, e Ian Mathews que, com os Mathews’s Southern Confort, foi buscar “The Brand New Tennessee Waltz” para o álbum “Later That Same Year”, também de 1970.

 “Biloxi” faz parte do primeiro álbum de Jesse Winchester e deixa transparecer  a nostalgia dos tempos de menino em que ele brincava na areia da praia de Biloxi,  como se, lá longe no frio do Canadá,  o autor se interrogasse a si próprio, melancolicamente,  se alguma vez teria a possibilidade de a voltar a ver.

Sempre gostei muito dessa música, sobretudo na versão do Tom Rush, talvez, quem sabe,  por ser também  muito nostálgico das praias onde passei a minha infância.

Deixei New Orleans debaixo de chuva torrencial e meti-me a caminho de Biloxi pela 90, para seguir o mais possível junto ao mar. Quando lá cheguei tinha acabado de chover há pouco e havia no ar aquele cheiro agradável a praia depois da chuva, tornando muito apetecível um pequeno passeio pelo areal. Mas tinha prometido à minha Mulher uma tarde inteirinha de praia em Golf Shores, no Alabama, onde o tempo parecia estar bem melhor, e ainda tinha umas boas duas horas de estrada pela frente…

Antes de partir olhei para trás uma última vez.  Tal como na canção, os sinais da tempestade ainda se faziam sentir lá para as bandas de New Orleans. 

Não havia raparigas bonitas na praia, mas garanto-vos que as vi entrar no mar… 

Imagem e texto de Luís Mira

NOVA PENINA


SONY MUSIC - 2018

Para regravar "Penina", de Paul McCartney, Carlos Mendes pediu-me a "letra" no dia 13 de Novembro de 2017, faz hoje um ano!

domingo, 11 de novembro de 2018

THE WHITE ALBUM - 50th ANNIVERSAY


Brian Southall, 15,95 €.

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

SAIU HOJE!


O álbum, dito "branco", faz 50 anos no dia 22 de Novembro.