Lá por 1964 ou 65, apareceu na Rádio Renascença, no programa «A 23-ª Hora», de João Martins, um LP intitulado «Chantez Comme Aznavour».
Era constituído pelos «play-backs» que tinham servido aos grandes sucessos de Charles Aznavour, tocados pela orquestra e coros dirigidos, salvo erro, por Michel Legrand. Só faltava a voz solista, daí o convite expresso no título.
Teriam de decorrer ainda 40 anos para nascer o conceito de «karaoke» que, no entanto, acudiu à cabecinha pensadora deste seu correspondente.
Logo propus ao técnico de som Moreno Pinto fazermos um truque humorístico: eu traduziria literalmente uma letra e cantaria em português por cima da música do LP, com pronúncia nortenha para criar mais efeito.
Diríamos que era um irmão de Aznavour, de nome Belmiro, que tinha vindo há muitos anos para Portugal e agora se queria afirmar no mundo do disco.
Como na «23.ª Hora» se um dizia «mata» outro haveria de dizer «esfola», o José Duarte, dos «5 minutos de Jazz», disse logo que cantaria em dueto comigo, interrompendo-me propositadamente para corrigir as asneiras.
Pegou-se no «Et Pourtant», fomos para um dos estúdios e gravámos. Foi um tremendo êxito, com telefonemas dos ouvintes a querer saber pormenores desse irmão de Aznavour e... a pedir mais.
A segunda peça foi «Que C'est Triste Venise», desta vez cantada só por mim, já com umas «buchas» a fugir à letra original. Outro êxito, outra chuva de telefonemas.
Mas tínhamos combinado manter segredo sobre a personagem Belmiro Aznavour, porque não convinha misturar o nome do Quinteto Académico com aquele destempero.
Era um gozo, depois do programa acabar, às 2 da manhã, ir a equipa toda, mais os visitantes que por lá apareciam (Sheiks, Mistério, Carlos do Carmo, João Maria Tudela, sei lá!) para a Riba d'Ouro, onde se juntava a malta do teatro, locutores de outras estações de rádio, e a conversa à nossa mesa ser sempre «Mas quem será o gajo?».
A pressão sobre o João Martins e o Moreno Pinto era enorme: «Eh pá, diz lá! Pela nossa amizade... Eu não digo a ninguém...». E eu presente, impassível. Aconteceu até que o Rádio Clube Português tinha relançado a figura do Sr. Messias, que também falava (mas só falava) à nortenha. Ouvi coisas como esta: «Agora que pusemos no ar o Sr. Messias, vêm vocês com esse Belmiro, ainda por cima a cantar, e com a verdadeira orquestra do Aznavour! Como é que conseguiram isso, caraças?». Ninguém se desmanchou.
A coisa acabou no terceiro episódio: "La Mama". Cantei também a solo, depois de ter criado quase uma letra nova, desta vez com rima, mas pus a Mãe dos ciganos a morrer com uma grande bebedeira, rodeada do ambiente festivo onde não faltavam artistas na berra como os «Hollies», os «Rolling Stones», Eddie Vartan (que tinha vindo recentemente a Lisboa), «Os Sheiks» e, claro, o «Quinteto Académico».
Só que, desta vez, alguns telefonemas foram de protesto. Que não se brincava com coisas sérias, que era achincalhar a morte de uma pessoa, que era desrespeitar a canção original, enfim, um quase escândalo. A Direcção da Rádio Renascença, então a Emissora Católica Portuguesa, mandou acabar completamente com aquilo.
Mais tarde pedi ao Moreno Pinto as fitas. Tinha-as deitado fora! Passaram mais uns anos e já não sei quem tinha as gravações, feitas do rádio. Sem outros meios, gravei com um gravador de «cassettes» encostado ao altifalante. Hoje, com a ajuda dos programas informáticos para música, consegui limpar algum ruído dessa «cassette» preciosa.
Colaboração de Daniel Gouveia
Nota: se alguém estiver interessado nestas gravações é só pedir educadamente.
terça-feira, 26 de fevereiro de 2008
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9 comentários:
Hilariante esta descrição. E quanto às gravações solicita-se, muito educadamente é claro, o envio das mesmas (poderão vir num ficheiro zipado), pois tenho uma grande curiosidade em ouvi-las.
Se me puder juntar educadamente à lista de ouvintes curiosos em ouvir este Belmiro Aznavour... ;-)
educadamente e muito humildemente peço para receber essas preciosidades....
já ouvi!! sao um espectaculo!!!!! parabens daniel gouveia!!!!
Epá, mas quem enviou? Eu ainda não recebi nada...
O Moreno Pinto estava em todo o lado :)
Muito educadamente, também adorava ouvi-las...
hoje acordei com esta música a tocar na cabeça:
"como é triste veneza
ao tempo dos amores mortos
como é triste veneza
quando não se ama mais"
...
e à luz do luar
só há gatos a miar
e os barcos a motor
fazem um grande basqueiro
adeus pombinhas brancas
agora há só galinhas
ó ponte dos suspiros
já cheira a pão-de-ló
...
obrigada a quem me fez rir!
onde posso arranjar eu estas pérolas!
Envie um endereço de email para luistita@gmail.com
LT
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