Quando, a propósito da canção dos Box Tops, falou de barcos, disse que haveria de falar de comboios e aviões. A fotografia que Vítor Soares enviou para “Mr.Ié-Ié” incluir no blogue, levou-o a pensar que esta era a altura.
Os aviões estavam guardados para os domingos de Verão, quando o futebol estava no chamado defeso e não havia jogos. A vida do meu avô, a minha também, regulava-se por haver, ou não, jogos no Estádio da Luz.
Na Praça do Chile (Lisboa), apanhávamos aqueles autocarros verdes, de dois andares, para a Portela e ali ficávamos a ver os aviões.
O aeroporto não era o que hoje é e, mais uns anos, pelo andar da carruagem, nada será, e o movimento de aviões era diminuto.
No edifício havia uma esplanada, com grandes chapéus-de-sol, que se via cá de baixo, do gradeamento que limitava a pista. Adivinhavam-se mulheres com vestidos vaporosos às ramagens, homens de fato e gravata, a beberem o seu chá, o seu café, a sua limonada ou o seu “whisky”, pensa ele.
Cá em baixo, famílias em grupo passeavam-se à espera de ver os aviões subir ao céu ou dele descer e havia mulheres a vender, em cestos de palha trançada, com uma asa ao meio, em cartuchinhos de papel, tremoços, amendoins, também colares de pinhões, alfarroba, paladares.
Por tudo isto – e não só – haveria um dia de passar a gostar, terna e nostalgicamente, de uma canção do Gilbert Bécaud: “Dimanche à Orly”. Ainda hoje, quando a ouve, é do avô e dos domingos da Portela que se lembra, e, não raro, uma lágrima atrevida, furtiva lágrima, intenta brotar.
Pelos idos de 1969 viu um anúncio de jornal a pedir pilotos para a TAP. O anúncio dizia: “Há homens que não suportam estar colados ao chão, esses serão os nossos pilotos. Oferecemos-lhe dezenas de céus. E dezenas de terras. Oferecemos-lhe um viver cheio de à-vontade dentro da responsabilidade. Sem e com experiência de voo venha para piloto da TAP".
Aquele chamamento de quem não suporta estar colado ao chão, sem e com experiência, fez-lhe desejar ir para piloto da TAP. Os olhos azuis tinha, as habilitações académicas exigidas é que não.
Passados anos conheceu quem tivesse ido para piloto da TAP por causa da feliz frase de “marketing” daquele anúncio. Era, então, a TAP um exemplo de companhia aérea. Hoje é a javardice que se sabe.
Lembra-se também de uma velha canção de Milton Nascimento de saudação à Panair do Brasil, assim como se lembra de, na Portela, ver esses aviões da Panair. Agora chama-se Varig.
E aquela briga e aquela fome de bola
E aquele tango e aquela dama da noite
E aquela mancha e a fala oculta
Que no fundo do quintal morreu
Morri a cada dia dos dias que eu vivi
Cerveja que tomo hoje é apenas em memória
Dos tempos da Panair
A primeira Coca-Cola foi me lembro bem agora
Nas asas da Panair
A maior das maravilhas foi voando sobre o mundo
Nas asas da Panair
Não foi para piloto da TAP, mas mais tarde haveria de trabalhar numa agência de navegação e foram tempos felizes: barcos, escadas de portaló, marinheiros, gruas, cabos grossos esticados até aos cabeços da muralha, azáfama de estivadores, gruas, aquela dança serena do barco com as águas e, sempre, aquele ruído de motor que mantém o barco vivo e se transforma num qualquer apelo.
Agora teve um problema: andou às voltas e às voltas à procura do EP do Gilbert Bécaud, a cantar “Dimache a Orly”, e não encontrou. A memória traz-lhe a brisa longínqua que, provavelmente, um dos seus primeiros amores terá ficado com o disco. Fez bem. Nunca teve grande simpatia pela propriedade privada.
Mas talvez "Mr. Ié-Ié”, ou “Mr. Mouse”, consigam arranjar a capa do disco. Se nada disso for possível, fica-se pela capa de um duplo CD do Gilbert Bécaud , gravado ao vivo no “Olympia” e em que Bécaud canta “Dimanche a Orly”, canção de 1963 e uma das muitas que fez de parceria com Pierre Delanoe.
Não é bem a mesma coisa mas…
Colaboração de Gin-Tonic
Os aviões estavam guardados para os domingos de Verão, quando o futebol estava no chamado defeso e não havia jogos. A vida do meu avô, a minha também, regulava-se por haver, ou não, jogos no Estádio da Luz.
Na Praça do Chile (Lisboa), apanhávamos aqueles autocarros verdes, de dois andares, para a Portela e ali ficávamos a ver os aviões.
O aeroporto não era o que hoje é e, mais uns anos, pelo andar da carruagem, nada será, e o movimento de aviões era diminuto.
No edifício havia uma esplanada, com grandes chapéus-de-sol, que se via cá de baixo, do gradeamento que limitava a pista. Adivinhavam-se mulheres com vestidos vaporosos às ramagens, homens de fato e gravata, a beberem o seu chá, o seu café, a sua limonada ou o seu “whisky”, pensa ele.
Cá em baixo, famílias em grupo passeavam-se à espera de ver os aviões subir ao céu ou dele descer e havia mulheres a vender, em cestos de palha trançada, com uma asa ao meio, em cartuchinhos de papel, tremoços, amendoins, também colares de pinhões, alfarroba, paladares.
Por tudo isto – e não só – haveria um dia de passar a gostar, terna e nostalgicamente, de uma canção do Gilbert Bécaud: “Dimanche à Orly”. Ainda hoje, quando a ouve, é do avô e dos domingos da Portela que se lembra, e, não raro, uma lágrima atrevida, furtiva lágrima, intenta brotar.
Pelos idos de 1969 viu um anúncio de jornal a pedir pilotos para a TAP. O anúncio dizia: “Há homens que não suportam estar colados ao chão, esses serão os nossos pilotos. Oferecemos-lhe dezenas de céus. E dezenas de terras. Oferecemos-lhe um viver cheio de à-vontade dentro da responsabilidade. Sem e com experiência de voo venha para piloto da TAP".
Aquele chamamento de quem não suporta estar colado ao chão, sem e com experiência, fez-lhe desejar ir para piloto da TAP. Os olhos azuis tinha, as habilitações académicas exigidas é que não.
Passados anos conheceu quem tivesse ido para piloto da TAP por causa da feliz frase de “marketing” daquele anúncio. Era, então, a TAP um exemplo de companhia aérea. Hoje é a javardice que se sabe.
Lembra-se também de uma velha canção de Milton Nascimento de saudação à Panair do Brasil, assim como se lembra de, na Portela, ver esses aviões da Panair. Agora chama-se Varig.
E aquela briga e aquela fome de bola
E aquele tango e aquela dama da noite
E aquela mancha e a fala oculta
Que no fundo do quintal morreu
Morri a cada dia dos dias que eu vivi
Cerveja que tomo hoje é apenas em memória
Dos tempos da Panair
A primeira Coca-Cola foi me lembro bem agora
Nas asas da Panair
A maior das maravilhas foi voando sobre o mundo
Nas asas da Panair
Não foi para piloto da TAP, mas mais tarde haveria de trabalhar numa agência de navegação e foram tempos felizes: barcos, escadas de portaló, marinheiros, gruas, cabos grossos esticados até aos cabeços da muralha, azáfama de estivadores, gruas, aquela dança serena do barco com as águas e, sempre, aquele ruído de motor que mantém o barco vivo e se transforma num qualquer apelo.
Agora teve um problema: andou às voltas e às voltas à procura do EP do Gilbert Bécaud, a cantar “Dimache a Orly”, e não encontrou. A memória traz-lhe a brisa longínqua que, provavelmente, um dos seus primeiros amores terá ficado com o disco. Fez bem. Nunca teve grande simpatia pela propriedade privada.
Mas talvez "Mr. Ié-Ié”, ou “Mr. Mouse”, consigam arranjar a capa do disco. Se nada disso for possível, fica-se pela capa de um duplo CD do Gilbert Bécaud , gravado ao vivo no “Olympia” e em que Bécaud canta “Dimanche a Orly”, canção de 1963 e uma das muitas que fez de parceria com Pierre Delanoe.
Não é bem a mesma coisa mas…
Colaboração de Gin-Tonic
Imagem cedida por Vítor Soares
6 comentários:
Parabéns, Hugo, por este excelente texto, que nos lembra como afinal era fácil viver.
Quanto à capa do "Dimanche à Orly" nunca a tive, mas talvez o Luís, o Calixto ou o Fantomas a possam tirar das respectivas cartolas, pois qualquer delas está sempre cheia de preciosidades.
Um abraço
Presente, mas não tenho o disco... :-(
"DIMANCHE Á ORLY" uma das mais belas canções que se mantêm no meu imaginário.
Será que o Rato consegue descobrir esta preciosidade???
Ele até consegue descobrir piolhos na cabeça de um careca!!!!!!
Estás-me a ouvir oh! RATÃO?????
Encontrei a capa do single no Ebay que já enviei aos directamente interessados. Quanto ao tema, é claro que o tenho em CD, como a grande maioria dos temas do Bécaud, de quem sempre fui grande apreciador. É que o vi um dia ao vivo no velhinho Scala de LM, teria para aí os meus 15-16 anos. E nunca esqueci aquela actuação electrizante!
RATÃO
Então do que é que estás á espera para apresentar no teu blog uma maravilhosa compilação do Monsieur 10.000 volts incluindo todas estas saudosas obras primas????
Os "cravas" do costume agradecem!!!!
"Encomenda" aceite e agendada! Entretanto vou colocar primeiro aquele que considero o melhor album ao vivo do Bécaud. É de 1969,no Olympia, e estão lá todos os grandes êxitos da altura. Trata-se de uma ripagem excelente do meu vinil original, visto nunca ter sido editado em CD. Ainda esta semana vai estar disponível no Blog do Rato!
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