sábado, 5 de abril de 2008

VOZES DE ABRIL


Não é este o sítio ideal para dissecar as mais de 5 horas de espectáculo que decorreram sexta-feira á noite no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, intitulado "Vozes de Abril, e que constituiram a gravação de um programa que a RTP1 vai transmitir no dia 25 de Abril.

Tive o privilégio de assistir, pelo que não ficaria satisfeito comigo próprio se não desse aqui uma breve nota, suspeita, é certo, já que me emociono sempre com estas celebrações do 25 de Abril.

O programa foi bem idealizado, pretendendo abranger não só a chamada música de intervenção, como de uma maneira geral a cultura de oposição. Na prática, verifica-se porém que se quis tocar demasiados pianos. Vamos ver como fica o produto final, como programa de televisão.

A sombra que pairou em todo o espectáculo foi obviamente a de Zeca Afonso e da sua música com boas interpretações da banda residente, regida por Carlos Alberto Moniz, e ainda da Lua Extravagante, Helena Vieira, Couple Coffee, João Afonso, Jacinta, entre outros.

Os grandes ausentes foram Fausto, como sempre, Sérgio Godinho e Luís Cília, na música, e Manuel Alegre, na poesia.

De Fausto, foi passada uma gravação de televisão de "Quando Um Homem Quer Partir", do seu primeiro álbum, "Fausto", praticamente desconhecido, por ausência de gravação no mercado.

Musicalmente, os momentos mais emocionantes e vibrantes terão sido a actuação de Manuel Freire ("Ei-los Que Partem" e "Pedra Filosofal"), Luiz Goes, com 75 anos, e Carlos Carranca ("Trova do Vento Que Passa") e José Mário Branco ("Eu Vim De Longe").

De arrepiar foi também Waldemar Bastos, com todo o Coliseu em silêncio respeitador a ouvir "Velha Chica", enquanto nos ecrãs passam belíssimas imagens a preto e branco de África.

Uma das cenas mais comoventes ocorreu quando José Jorge Letria ofereceu o seu cravo vermelho ao "capitão" Vasco Lourenço.

Mas houve outros momentos exemplares como Maria Barroso a declamar um curto poema de Sophia de Mello Breyner dedicado ao 25 de Abril, a grande poesia de Hélia Correia, "Arte Poética", na voz de José Jorge Letria, Samuel, Fanhais, José Barata Moura, Pedro Barroso, Brigada Vítor Jara.

Duas novidades: José Jorge Letria e Carlos Alberto Moniz compuseram "Capitães da Alegria", em homenagem aos "capitães de Abril", que o segundo cantou, e Maria do Amparo subiu ao palco pela primeira vez em 30 anos para acompanhar sua filha, Lúcia Moniz, em "Peguei No Cesto À Tardinha".

Pelo palco passaram também muitos "capitães de Abril", como Otelo Saraiva de Carvalho, Vasco Lourenço, Vítor Alves, Santos Silva, Vítor Crespo, Martins Guerreiro e outras vozes da Revolução com João Paulo Diniz, Joaquim Furtado, Adelino Gomes, João Paulo Guerra, Mário Figueiredo, Luís Filipe Costa.

Durante o espectáculo, a Câmara Municipal de Lisboa assinou com a Associação 25 de Abril uma carta de compromisso nos termos da qual assume que vai mandar construir no alto do Parque Eduardo VII (mais) um monumento ao 25 de Abril.

Patxi Andión teve direito a três canções e o final arrebator surgiu já perto das 04H00 com o palco cheio de grupos corais alentejanos para a inevitável "Grândola", fechando com chave de ouro a maratona de mais de 5 horas de emoções fortes que se tinham iniciado também com o palco cheio, mas de militares das bandas da Marinha, do Exército e da Força Aérea para a arrepiante "Marcha do MFA" ("A Life On The Ocean Wave", de Henry Russell, séc. XIX).

Não posso falar de tudo, mas deixem-me terminar com esta ambígua imagem: um dos assistentes do espéctaculo era nem mais que um desgravatado Carlos Tavares, presidente da Bolsa de Valores, um dos símbolos-nobre do sistema capitalista.

Ah! É verdade, prefiro - de longe - a canção de intervenção pré-25 de Abril, muito mais criativa, muito mais imaginativa.

5 comentários:

Zeca do Rock disse...

Não há dúvida que este relato não podia ter sido mais veloz. Mesmo em cima da hora! Parabéns.

Já agora, gostaria de contar, a quem não saiba. que o Luís Cília, muito antes de ter virado cantor de protesto-intervenção, participou dos programas de caloiros da Rádio Renascença dos anos 50, cantando música pop-rock EM INGLÊS. Foi ali que o conheci. Se leres este comentário, um abraço, Luís Cília!

JC disse...

Contra a corrente e com as minhas desculpas:
http://eusouogatomaltes.blogspot.com/2008/04/um-25-de-abril-passadista.html

filhote disse...

Exactamente, caro Zeca do Rock.

O Luís Cília falou-me há uns tempos dessa faceta do antigamente. Segundo ele, um dos comparsas da época era o Edmundo Silva dos Sheiks... e parece que cantavam coisas como "Blue Moon"...

Blogger disse...

Carlos Tavares (que por acaso é de Estarreja) deu um concerto imprevisto no ano passado em que supreendeu muita gente a cantar temas de Jorge Palma

ié-ié disse...

Sim, sim, tenho ideia disso. Foi no Nimas, não foi? Ou no Maria Matos?

E viva Estarreja!

LT