sexta-feira, 4 de abril de 2008

JANTAR EM CASA DE AMIGOS

Chegado o tempo de, como dizem os espanhóis, café, puro e conhaque, o tique irreprimível de passar os dedos pelos LPs, meticulosamente arrumados numa estante.

Não tem a pretensão de conhecer toda a música – era o que faltava! – mas aqueles “Accolade” eram-lhe completamente desconhecidos.

Esse disco tem uma história engraçada, disse-lhe o amigo. Adora histórias à volta de discos e nada melhor para confissões pessoais do que um jantar caseiro.

Contou, então, que ouvira uma música no “Em Órbita” mas não sabia o nome nem quem cantava. Ficou-lhe no ouvido qualquer coisa como “Ackloid” e a música falava de Ulisses.

Não perseguiu o disco com uma fortíssima determinação, mas dedicou-lhe algum tempo. Nunca encontrou nada parecido com "Ackloid" em diccionários, enciclopédias, nem na "Amazon".

Ao folhear um desses livros sobre "Rare Records", como sempre fazia, lá foi à procura dos tais "Ackloid". Não encontrou mas reparou, pela primeira vez, num nome que lhe chamou a atenção: "Accolade".

Disse para com os seus botões que, foneticamente, a coisa não estava longe, e que os tais "Ackloid" poderiam muito bem ser estes "Accolade".

O livro não trazia qualquer referência que ajudasse a esclarecer o enigma, nomeadamente lista de músicas. Tomou nota.

Em quase todos os "sites" de música onde entrou, os "Accolade" eram completamente desconhecidos. Restava-lhe o "eBay" e foi aí que o encontrou. Como é habitual no "eBay", estava apenas a capa, sem qualquer outro tipo de indicação de músicas, que era aquilo que mais lhe interessava.

Para além disso, o disco era carote: à volta de US $70 e não tinha qualquer garantia de que seria aquele o "tal" disco... Hesitou. O "Anjo Protector" fez-lhe ver que tinha gasto demasiado dinheiro: o Natal, a Passagem do Ano... mas o seu "Diabrete" saltou-lhe em cima, dizendo que poderia muito bem ser aquele o disco e não seria por US$70 que iria deixar de o comprar... Como sempre, o "Diabrete" ganhou!...

O disco chegou duas semanas mais tarde e teve a alegria de confirmar que lá estava "Ulisses".

Surgiu então o som que nunca tinha saído dos seus ouvidos nos últimos 35 anos. Não que seja uma grande música… que não é… longe disso: são 12m32s um pouco empastelados e arrastados. Mas, finalmente, tinha ali o disco...

Ao analisar as informações constantes da capa, chegou a conclusões interessantes. Os "Accolade" eram quatro: Don Partridge (vocal + diversos instrumentos), Gordon Giltrap (guitarra acústica), Brain Creeswell (flauta) e Malcolm Pool (contrabaixo e violino).

O Don Partridge conhecia bem: era um "one man band" , do estilo do Donovan, daqueles que tocam com vários instrumentos ao pescoço e um grande tambor de pé nas costas. Nos anos sessenta tivera um relativo sucesso com uma canção que se chamava "Blue Eyes".

De resto, dá para perceber que os "Accolade" eram uma das bandas do chamado "Folk Progressivo" que pululavam em Inglaterra em finais de 60/inícios de 70, um pouco ao estilo de "Lindisfarne", de "Amazing Blondel", "Tir Na Nog" e outras.

Sem nunca terem chegado aos calcanhares da Santíssima Trindade: “Fairport Convention”, “Pentangle” e “Steeleye Span”.

Chegara o tempo do penúltimo conhaque, sim, que o último é só na hora da morte, e os “Accolade” cantavam "Nature Boy", uma velha canção popularizada, entre outros, por Nat “King” Cole e de que um dia teve uma versão do Ney Matogrosso que lhe voou de casa, não sabe muito bem como.

Sentia-se aconchegado, quase feliz. Se adora histórias, gosta muito que elas tenham finais felizes, e encontrar-se um disco que se persegue há anos, era um desses finais.

É quando o amigo deixa cair a frase: “isto de não desejar ardentemente mais nenhum disco é uma chatice. É como estar a faltar qualquer coisa essencial na vida…”.

Amanhã contará a história a Mr. “Ié-Ié”.

Talvez aconteça que outros viajantes do “blogue” saibam algo mais sobre os “Accolade” ou que contem histórias de discos que há muito, perseguem.

Com, ou sem, finais felizes.

Colaboração de Gin-Tonic

12 comentários:

filhote disse...

Nunca ouvi falar dos Accolade... mas é destas histórias que eu gosto...

E, sim, há sempre um disco, ou vários, que procuramos ardentemente. Até à morte!!!

bissaide disse...

Também nunca tinha ouvido falar dos Accolade... e ainda por cima passou por lá um músico que aprecio, o Gordon Giltrap, autor de um belo "Visionary", inspirado na obra de William Blake.

"Nature Boy" é uma canção belíssima... tenho mais presente a versão dos Big Star, frágil e tocante como grande parte da obra do grupo.

josé disse...

Também eu gosto destas histórias. Guardar a memória de sons durante dezenas de anos, é uma experiência que procuro.

É qualquer coisa pessoal e intransmissível, mas percebo que "não sou o único".

Ainda bem.

Vou pensar nas músicas que assim descobri passados muitos anos e vou escrever um postal sobre elas.

Vale a pena. Nem que seja para pensar nisso.

Ah! E vou ao almoço. Duas pessoas. Contem com isso, pelo menos para já.

Queirosiano disse...

Curioso... "Ulysses" foi a primeira faixa que gravei há muitos anos, numa especial bobina reel-to-reel, a partir de discos emprestados por um amigo ligado a um conhecido programa de rádio.

Era música pomposa q.b., à boa maneira do início dos anos 70. Na altura ainda a ouvi bastante. Envelheceu mal, e já me tinha esquecido dela há muito tempo.

Ao sabor de uma arrumação ocasional, dei de novo com a bobina recentemente, no fundo de uma caixa. Não a ouvi.

josé disse...

Bobines. Reel to Reel. Ando a namorar a ideia de arranjar um Revox 77 ou um Teac. Andam por aí no ebay , a rogar com eles. Alguns são baratos.

Tenho saudades do som a sério, tudo em old fashioned way.

ié-ié disse...

E eu tenho urgentemente de pôr a funcionar o B&O.

LT

ié-ié disse...

Aqui vai então uma pequena lista de discos que busco em CD desde que o formato existe: os violinos mágicos de Helmut Zacharias, "Peixinho do Mar", por Sólon Sales, os álbuns dos Splinter, Timon, "Madrugada", da Melanie, um dos álbuns dos Elephant's Memory, "The Visitor", do Mick Fleetwood, "El Camiño", de Juan Carlos Cáceres, "Live At First Sight", pela Baker Street Philharmonic.... etc, etc!

LT

ié-ié disse...

AH! E por falar daquelas músicas laroucas que um gajo anda há procura há anos e anos apenas por razões puramente pessoais, foi uma felicidade encontrar na Amazon canadiana uma colectânea de Christophe com a canção "La Vie C'Est Une Histoire D'Amour". Isso mesmo!

LT

blog disse...

Eu pessoalmente ainda gostei mais da história do "Anjo protector" e do "Diabrete" :)

blog disse...

Por falar em violinos mágicos, também já andei há procura de um disco com os violinos de Chopin (desde que ouvi um antigo Secretário de Estado da Cultura a fazer tal referência) :)

Armindo Gomes disse...

Meu caro,
Que felicidade ter chegado a este post. Também eu tinha na minha cabeça o nome do grupo que para mim era qualquer coisa como EchoLaid e bem procurei, procurei, procurei e nada. Quase já dava por perdido e pensava se com o tempo a fonética era a que eu retinha. Afinal era Accolade e já os descobri no Youtube. Obrigado, eram os sons que eu me lembrava.

ié-ié disse...

Ainda bem que este post do meu amigo Gin-Tonic lhe foi útil...

LT