domingo, 13 de janeiro de 2008

O CANTO E AS ARMAS


ORFEU - STAT 003 - 1970

FACE 1

E De Súbito Um Sino (poema dito por Ruy Mendes) - Raiz (Manuel Alegre/Adriano Correia de Oliveira) - E A Carne Se Fez Verbo (Manuel Alegre/Adriano Correia de Oliveira) - E O Bosque Se Fez Barco (Manuel Alegre/Adriano Correia de Oliveira) - Peregrinação (Adriano Correia de Oliveira) - A Batalha de Alcácer-Quibir (Manuel Alegre/Adriano Correia de Oliveira) - Regresso (Manuel Oliveira/Adriano Correia de Oliveira)

FACE 2

Canção da Fronteira (António Cabral/Adriano Correia de Oliveira) - Por Aquele Caminho (José Afonso/Adriano Correia de Oliveira) - Canto Da Nossa Tristeza (Manuel Alegre/Luís Colaço) - Trova Do Vento Que Passa Nº 2 (Manuel Alegre/Adriano Correia de Oliveira) - As Mãos (Manuel Alegre/Adriano Correia de Oliveira) - Post-Scriptum (Manuel Alegre/Adriano Correia de Oliveira)

Capa de J. Bugalho, acompanhamento à viola de Rui Pato.

Foram dois militares que gravaram este LP num estúdio de Campolide, em Lisboa: o aspirante a oficial miliciano de Cavalaria, Rui Pato, e o alferes miliciano da Polícia Militar, Adriano Correia de Oliveira.

O LP foi gravado em duas noites de patrulha de Adriano. Com a cumplicidade dos restantes militares, o jeep andava na ronda, enquanto o alferes pousava a pistola em cima do piano: o canto e as armas.

Testemunho de Luís Colaço, autor da música de "Canto Da Nossa Tristeza":

O poema "Canto da Nossa Tristeza" faz parte do livro do Manuel Alegre "O Canto e As Armas", sendo o único poema deste disco que não foi musicado pelo Adriano.

Musiquei-o em Lisboa, quando alguns dos meus camaradas nacionalistas angolanos que estudavam em Coimbra, foram presos pela PIDE, após a Crise Académica de 1969, incluindo o meu irmão Joca Colaço (já falecido), estudante do 2º ano de Medicina (colega do Rui Pato) e que também era um bom músico pop e tocava no conjunto Os Pops.

Nessa altura tive plena consciência de que teria de rapidamente sair clandestinamente de Portugal.

Tinha obtido o livro do Manuel Alegre e o poema que mais me sensibilizou, pela tristeza combatente que transpirava e que era semelhante à que eu sentia ao ter de abandonar tudo e todos - família, namorada, amigos, o último ano do curso de engenharia civil no I.S.T, os Álamos, o Rádio Clube Português, a editora Movieplay etc. - em prol das minhas opções ideológicas e nacionalistas, foi o "Canto Da Nossa Tristeza".

Musiquei-o com esse sentimento, daí a sua harmonia nostálgica tão bem interiorizada pelo Rui Pato no seu arranjo musical para o disco, com uma bela introdução e um solo de viola sensacional.

Obrigado meu grande amigo Rui!

Soube pelo técnico de som Moreno Pinto, da Polysom, que me contactou na Movieplay, onde eu era o Chefe do Departamento de Promoção, que o Adriano iria gravar com o Rui Pato um disco baseado nos poemas do livro de Manuel Alegre.

Desloquei-me no dia anunciado para a gravação (em finais de Fevereiro de 1970, se não estou em erro) aos estúdios da Polysom, em Campolide, disse ao Adriano (que chegou ao Estúdio fardado e armado de pistola à cintura) que tinha uma composição para o "Canto da Nossa Tristeza", poema que ele não havia musicado e propus-lhe que a cantasse no disco.

O Rui emprestou-me a viola dele, cantei-lhe a música "em bruto", ele gostou bastante e depois de ouvir a opinião do Rui Pato pediu-lhe para fazer ali mesmo os arranjos musicais que eu achei óptimos, e depois das outras faixas do disco terem sido gravadas a minha música foi finalmente gravada com o acompanhamento do Rui Pato!

Só grandes músicos conseguiam fazer tal proeza, com tanta qualidade e em tão pouco tempo!

Do que me recordo, todo o disco foi gravado em menos de 24 horas! Uma obra…

Começou de manhã e só acabou alta madrugada quando todas as faixas tinham sido gravadas! E eram 13! Os arranjos musicais do Rui Pato iam sendo feitos música a música, logo seguida da respectiva gravação. Assisti a todas as gravações e no final ouvimos tudo seguido, bem cansados! Só voltei a ouvi-las 2 anos depois! Já nem me lembrava delas.

Esta gravação foi em Março de 1970 e por isso situo a gravação de "O Canto E As Armas" no final de Fevereiro de 1970. Mas, como já disse, já lá vão muitos anos…Uma coisa é certa: o disco não foi gravado em 1969 como por lapso aparece no disco.

Só ouvi pela primeira vez o disco já editado, em 1972, em Argel, nos estúdios da Radiotelevisão Argelina, onde era gravado o programa do Manuel Alegre “A Voz da Liberdade”.

Era um Long Play (LP) com a capa da “manifestação estudantil de 1969” e um pequeno texto “muito cuidadoso” do Adriano, sem falar nunca do Manuel Alegre, para não alertar a PIDE (DGS) e o disco ser confiscado.

Acompanhei pessoalmente o Adriano nessa música, pela primeira e única vez, em Luanda, em 1976, logo após a Independência de Angola, quando ele cá veio com o Zeca Afonso, por proposta minha, a convite do Governo angolano, acompanhado do Fausto.

Saí clandestinamente de Portugal em Abril de 1970, logo após ter chegado de Londres, onde acompanhei com o Bóris (Carlos Correia), o Zeca Afonso na gravação do disco "Traz Outro Amigo Também", depois de várias peripécias com a PIDE, inclusivé ter sido preso dentro do avião, minutos antes do embarque para Londres. Consegui apesar de tudo embarcar uma semana depois do Zeca e do Bóris partirem!

Já agora, um último detalhe: já fora de Portugal soube que o disco "O Canto E As Armas" ia ser corajosamente editado e pedi, a partir de França, em Agosto de 1970, ao meu amigo Magalhães Pereira, Chefe do Departamento ZIP-Música das Organizações ZIP-ZIP Publicidade, Lda, que salvaguardasse por contrato os meus direitos de autor da música.

Infelizmente nunca recebi o Contrato de Edição que me foi enviado para França, provavelmente por o correio enviado ter sido confiscado pela PIDE (DGS).

5 comentários:

JC disse...

Um repto: quais os 10 melhores albuns de sempre da música popular portuguesa? Sugiro alguns (ordem aleatória), mais ou menos de cor, e espero a v. contribuição:
"Cantigas de Maio" José Afonso
"Mudam-se os Tempos Mudam-se as Vontades" José Mário Branco
"Sobreviventes" Sérgio Godinho
"E Vira Bom" GAC
"Amália no Café Luso" Amália
Rodrigues
"The Fabulous Marceneiro" Alfredo Marceneiro
"O Canto e as Armas" Adriano Correia de Oliveira.
"Anjo da Guarda" António Variações

ié-ié disse...

Já por aqui fizémos esse exercício, no dia 26 de Outubro de 2007, num post intitulado precisamente "Os 10+ Portugueses".

Não sei fazer o link daqui para lá.

Em todo o caso, como há novos leitores, podemos voltar à carga!

LT

filhote disse...

Nomear os 10 melhores, seja do que for, é tarefa impossível. A opinião é sempre tão subjectiva, tão pessoal... prefiro chamar-lhes os 10 favoritos.
Isto é, podem não ser de facto os melhores, mas para mim são!

Por ordem aleatória:

- "Mudam-se os Tempos Mudam-se as Vontades", José Mário Branco.

- "O Lado Errado da Noite", Jorge Palma.

- "Ar de Rock", Rui Veloso.

- "Cais das Colinas", Trovante.

- "Pano Crú", Sérgio Godinho.

- "Guitarra Portuguesa", Carlos Paredes.

- "Jardim da Celeste", Banda do Casaco.

- "Psicopátria", G.N.R.

- "Rui Veloso", Rui Veloso.

- "Por Este Rio Acima", Fausto.

JC disse...

Pois,Filhote, esqueci-me do Paredes. Injustiça. caro Ié-Ié já dei com o post. Mtºs concordo mas discordo da Banda do Casaco e do Tinoco. como me espanto com a ausência de Variações e do fado. Considero José Afonso e Alfredo Marceneiro as principais personalidadesda música portuguesa do século XX. Tomo a liberdade de deixar o link para o que escrevi s/ música portuguesa a 25 de abril de 2007: http://eusouogatomaltes.blogspot.com/2007/04/25-de-abril-e-msica-popular.html
Abraço

filhote disse...

A propósito, Rui Mendes, o actor?

Se sim, foi meu professor de interpretação no 2º ano do curso de formação de actores da Escola Superior de Teatro e Cinema (Conservatório).

Um belíssimo actor, e excelente pessoa.