SONOPLAY - SN-20.191 - 1969
Stop That Game (Carlos Correia) - It's A New Day (Isabel Motta/Rui Ressurreição)
Arranjos de Rui Ressurreição.
Da esquerda para a direita: Luís Colaço, Rui Ressurreição, José Pereira, Carlos Correia (Bóris), José Veloso e António José Albuquerque.
Terra de estudantes, Coimbra tinha - e tem - todas as condições para germinar boa música e bons músicos. E sempre assim foi. Coimbra é a "nossa Liverpool". Foi lá que "tudo começou" em 1956 com José Cid, António Portela, António Igrejas Santos e Rui Nazareth, os famosos e pioneiros Babies.
E ainda temos o Fado de Coimbra (António Batoque, António Menano, Edmundo Bettencourt, Augusto Camacho, Luiz Goes, Fernando Machado Soares, etc) e a Canção de Coimbra (Adriano Correia de Oliveira, José Afonso), géneros únicos, inigualáveis e imbatíveis.
O que importa agora é o ié-ié. Além dos Babies, tivémos, pelo menos, o Conjunto do Orfeão de Coimbra, onde estiveram Daniel Proença de Carvalho, José Niza e Rui Ressurreição, os dois últimos já falecidos, entre outros, os Pops, os Protões, os Folkers, os Boys (que ganharam a 11ª eliminatória do Concurso Ié-Ié no Teatro Monumental em Lisboa a 06 de Novembro de 1965), o Conjunto Universitário Hi-Fi (que sucedeu aos Boys) e os Álamos, que eram, aliás, descendentes do Conjunto do Orfeão.
José Luís Veloso, o Canjinhas, pertenceu aos Álamos. Era o viola-baixo e o tesoureiro. O conjunto nasceu em 1963. Tocou em todo o País, o que incluiu Madeira e Açores. Também foram a Angola e a Moçambique.
Nunca planeámos grandes voos, as sebentas sempre se sobrepuseram às violas. Nunca nos deixámos subjugar por profissionalismos, nunca tomámos a sério conselhos de gente ligada ao music-hall que nos incitou a abandonar os cursos. Rejeitámos contratos bastante compensadores materialmente, na Suiça e nas Canárias. Eram contratos que nos prenderiam muitos meses. Gravámos discos porque se impõe. Sempre é algo de palpável que fica no fim de uma carreira.
Não. Não somos ié-iés furiosos. Gostamos do pop e tocamo-lo. Ray Charles é o nosso monstro sagrado. Os Beach Boys e os Beatles são também os grandes para nós.
Além de José Veloso, hoje com 63 anos, faziam parte do grupo Francisco Faria (vocalista), Luís Colaço (viola-solo), Duarte Brás (viola-ritmo) e José F. Pereira (baterista) e outros.
Há exactamente 40 anos - em 1967 -, Zé Veloso, 23 anos, natural de Ançã, frequentava o 4º ano de Engenharia de Máquinas, Chico Faria, 23, o 3º ano de Engenharia Civil, Duarte Brás, 23, o 4º ano de Direito, Luís Colaço, o Gorduras, 23, natural de Nova Lisboa (Angola), o 4º ano de Engenharia Civil, e Zé Pereira, o Rodas-Baixas, natural de Castelo Branco, 22, o 2º ano de Medicina.
A morada do grupo era então na Rua Guerra Junqueiro, 24 - 2º.
Em 1969, a banda já tinha Carlos Correia, o Bóris, 22 anos, natural de Angola, 3º ano de Engenharia Electrotécnica, viola-solo e vocalista, que tinha substituído o Chico Faria, e mais um elemento - o quinto - António José Albuquerque, o Silvestre, 21 anos, natural de Coimbra, organista, compositor e arranjador.
Carlos Correia pertenceu também aos Boys e ao Conjunto Universitário Hi-Fi e foi guitarrista de José Afonso com quem gravou, por exemplo, "Grândola Vila Morena".
Os Álamos gravaram três discos, "O Comboio" (Rapsódia EPF 5305), "Stop That Game (Sonoplay SN 20191) e "Peter And Paul" (Sonoplay), estes dois últimos ambos singles e ambos editados em 1969.
Dou então voz ao músico ié-ié, ao Canjinhas (José Luís Veloso), que nos fala de outra grande figura de Coimbra, Carlos Paredes:
Foi a poucos metros do Teatro Gil Vicente que vi pela primeira vez tocar Carlos Paredes. Foi por alturas de 1965, numa tarde de convívio na Associação Académica de Coimbra, num espaço coberto que dava para o jardim interior.
O espectáculo tinha aberto com os Álamos. Tocámos os Chatos Selvagens, os Beatles e o mais que era repertório de um conjunto yé-yé dos anos 60, casacos de couro por cima das golas altas pretas, guitarras eléctricas em riste, gingando em uníssono à boa maneira dos Shadows, enquanto o Chico Faria cantava "The Young Ones" e as colegas punham os olhos em alvo ao som do "I Can't Stop Loving You. Foi o sucesso do costume. Os Álamos eram mesmo um caso de popularidade.
A seguir veio o Paredes! Sem casacos negros, sem passes, sem câmaras de eco. Tocou como só ele... não há palavras! Na minha qualidade de estrela de rock and roll senti-me pequenino, ridículo, desimportante. A sensação de orfandade artística foi tão grande que ainda hoje me dói o recordá-la. As guitarras eléctricas tinham sido abafadas pela guitarra do Paredes!
Carlos Paredes tinha uma forma de tocar muito própria, inimitável, que infelizmente deixa pouca escola. Nem é guitarra de Coimbra nem de Lisboa. É guitarra do Paredes. Mas a guitarra com que o Carlos Paredes tocava era uma guitarra de Coimbra feita para seu pai Artur e rejeitada por este. Diz o seu construtor que a guitarra foi rejeitada por ter tido originalmente um pequeno defeito de construção, logo reparado, que em nada lhe afectava a sonoridade ou a resistência. Mas Artur enjeitou-a... e Carlos aproveitou para fazer dela a companheira de uma vida! E que companheira...
Pessoalmente, gosto mais da música do Carlos. Os seus acordes "com assinatura", as suas dissonâncias, a sua melancolia não piegas, a sua docilidade selvagem têm o condão de me acalmar e excitar ao mesmo tempo. Mas a guitarra de Coimbra deve muito mais ao Artur, já que foi ele o grande responsável pela configuração que o instrumento tem hoje. Foi ele que na década de 20 reinventou a guitarra de Coimbra e a emancipou da de Lisboa.
Artur Paredes queria uma guitarra capaz de produzir sonoridades que só ele antevia naquela época. Para tanto, levou o mestre João Pedro Grácio a alterar-lhe substancialmente a anatomia, ao nível do braço e da caixa de ressonância. Alterou-lhe a afinação, tornando-a mais grave. Por isso a guitarra de Coimbra afina mais baixo que a de Lisboa. Mas fez mais. Revolucionou a forma de a tocar, a técnica. E o resultado foi tal que, de instrumento essencialmente vocacionado para linhas melódicas, trinados e rodriguilhos, a guitarra de Coimbra se transformou num instrumento nobre, capaz de desenvolver acordes completos e dissonâncias muito próprias.
Diz Afonso de Sousa, guitarrista contemporâneo de Artur Paredes, que a guitarra deixou de ser tocada longitudinalmente (percorrendo-se individualmente cada corda ao longo do braço), para ser tocada transversalmente (combinando várias cordas de uma só vez, em acorde ou arpejo). E veja-se, como exemplo do seu génio, a Balada de Coimbra, uma canção que não é do Artur mas que ele transpôs para a guitarra de forma tão magistral que ninguém depois dele ousou tocá-la de forma diferente.
Mas o curioso desta história é que, à semelhança do seu filho Carlos, Artur Paredes era futrica, ainda que a Academia o considerasse como um membro seu e ele actuasse regularmente nas digressões da Tuna e do Orfeon, mesmo depois de ter ido viver para Lisboa.
No fado como no futebol, um bom futrica nunca está a mais numa equipa de estudantes.
Texto de José Luís Veloso, viola-baixo dos Álamos
(texto de 2001)
Stop That Game (Carlos Correia) - It's A New Day (Isabel Motta/Rui Ressurreição)
Arranjos de Rui Ressurreição.
Da esquerda para a direita: Luís Colaço, Rui Ressurreição, José Pereira, Carlos Correia (Bóris), José Veloso e António José Albuquerque.
Terra de estudantes, Coimbra tinha - e tem - todas as condições para germinar boa música e bons músicos. E sempre assim foi. Coimbra é a "nossa Liverpool". Foi lá que "tudo começou" em 1956 com José Cid, António Portela, António Igrejas Santos e Rui Nazareth, os famosos e pioneiros Babies.
E ainda temos o Fado de Coimbra (António Batoque, António Menano, Edmundo Bettencourt, Augusto Camacho, Luiz Goes, Fernando Machado Soares, etc) e a Canção de Coimbra (Adriano Correia de Oliveira, José Afonso), géneros únicos, inigualáveis e imbatíveis.
O que importa agora é o ié-ié. Além dos Babies, tivémos, pelo menos, o Conjunto do Orfeão de Coimbra, onde estiveram Daniel Proença de Carvalho, José Niza e Rui Ressurreição, os dois últimos já falecidos, entre outros, os Pops, os Protões, os Folkers, os Boys (que ganharam a 11ª eliminatória do Concurso Ié-Ié no Teatro Monumental em Lisboa a 06 de Novembro de 1965), o Conjunto Universitário Hi-Fi (que sucedeu aos Boys) e os Álamos, que eram, aliás, descendentes do Conjunto do Orfeão.
José Luís Veloso, o Canjinhas, pertenceu aos Álamos. Era o viola-baixo e o tesoureiro. O conjunto nasceu em 1963. Tocou em todo o País, o que incluiu Madeira e Açores. Também foram a Angola e a Moçambique.
Nunca planeámos grandes voos, as sebentas sempre se sobrepuseram às violas. Nunca nos deixámos subjugar por profissionalismos, nunca tomámos a sério conselhos de gente ligada ao music-hall que nos incitou a abandonar os cursos. Rejeitámos contratos bastante compensadores materialmente, na Suiça e nas Canárias. Eram contratos que nos prenderiam muitos meses. Gravámos discos porque se impõe. Sempre é algo de palpável que fica no fim de uma carreira.
Não. Não somos ié-iés furiosos. Gostamos do pop e tocamo-lo. Ray Charles é o nosso monstro sagrado. Os Beach Boys e os Beatles são também os grandes para nós.
Além de José Veloso, hoje com 63 anos, faziam parte do grupo Francisco Faria (vocalista), Luís Colaço (viola-solo), Duarte Brás (viola-ritmo) e José F. Pereira (baterista) e outros.
Há exactamente 40 anos - em 1967 -, Zé Veloso, 23 anos, natural de Ançã, frequentava o 4º ano de Engenharia de Máquinas, Chico Faria, 23, o 3º ano de Engenharia Civil, Duarte Brás, 23, o 4º ano de Direito, Luís Colaço, o Gorduras, 23, natural de Nova Lisboa (Angola), o 4º ano de Engenharia Civil, e Zé Pereira, o Rodas-Baixas, natural de Castelo Branco, 22, o 2º ano de Medicina.
A morada do grupo era então na Rua Guerra Junqueiro, 24 - 2º.
Em 1969, a banda já tinha Carlos Correia, o Bóris, 22 anos, natural de Angola, 3º ano de Engenharia Electrotécnica, viola-solo e vocalista, que tinha substituído o Chico Faria, e mais um elemento - o quinto - António José Albuquerque, o Silvestre, 21 anos, natural de Coimbra, organista, compositor e arranjador.
Carlos Correia pertenceu também aos Boys e ao Conjunto Universitário Hi-Fi e foi guitarrista de José Afonso com quem gravou, por exemplo, "Grândola Vila Morena".
Os Álamos gravaram três discos, "O Comboio" (Rapsódia EPF 5305), "Stop That Game (Sonoplay SN 20191) e "Peter And Paul" (Sonoplay), estes dois últimos ambos singles e ambos editados em 1969.
Dou então voz ao músico ié-ié, ao Canjinhas (José Luís Veloso), que nos fala de outra grande figura de Coimbra, Carlos Paredes:
Foi a poucos metros do Teatro Gil Vicente que vi pela primeira vez tocar Carlos Paredes. Foi por alturas de 1965, numa tarde de convívio na Associação Académica de Coimbra, num espaço coberto que dava para o jardim interior.
O espectáculo tinha aberto com os Álamos. Tocámos os Chatos Selvagens, os Beatles e o mais que era repertório de um conjunto yé-yé dos anos 60, casacos de couro por cima das golas altas pretas, guitarras eléctricas em riste, gingando em uníssono à boa maneira dos Shadows, enquanto o Chico Faria cantava "The Young Ones" e as colegas punham os olhos em alvo ao som do "I Can't Stop Loving You. Foi o sucesso do costume. Os Álamos eram mesmo um caso de popularidade.
A seguir veio o Paredes! Sem casacos negros, sem passes, sem câmaras de eco. Tocou como só ele... não há palavras! Na minha qualidade de estrela de rock and roll senti-me pequenino, ridículo, desimportante. A sensação de orfandade artística foi tão grande que ainda hoje me dói o recordá-la. As guitarras eléctricas tinham sido abafadas pela guitarra do Paredes!
Carlos Paredes tinha uma forma de tocar muito própria, inimitável, que infelizmente deixa pouca escola. Nem é guitarra de Coimbra nem de Lisboa. É guitarra do Paredes. Mas a guitarra com que o Carlos Paredes tocava era uma guitarra de Coimbra feita para seu pai Artur e rejeitada por este. Diz o seu construtor que a guitarra foi rejeitada por ter tido originalmente um pequeno defeito de construção, logo reparado, que em nada lhe afectava a sonoridade ou a resistência. Mas Artur enjeitou-a... e Carlos aproveitou para fazer dela a companheira de uma vida! E que companheira...
Pessoalmente, gosto mais da música do Carlos. Os seus acordes "com assinatura", as suas dissonâncias, a sua melancolia não piegas, a sua docilidade selvagem têm o condão de me acalmar e excitar ao mesmo tempo. Mas a guitarra de Coimbra deve muito mais ao Artur, já que foi ele o grande responsável pela configuração que o instrumento tem hoje. Foi ele que na década de 20 reinventou a guitarra de Coimbra e a emancipou da de Lisboa.
Artur Paredes queria uma guitarra capaz de produzir sonoridades que só ele antevia naquela época. Para tanto, levou o mestre João Pedro Grácio a alterar-lhe substancialmente a anatomia, ao nível do braço e da caixa de ressonância. Alterou-lhe a afinação, tornando-a mais grave. Por isso a guitarra de Coimbra afina mais baixo que a de Lisboa. Mas fez mais. Revolucionou a forma de a tocar, a técnica. E o resultado foi tal que, de instrumento essencialmente vocacionado para linhas melódicas, trinados e rodriguilhos, a guitarra de Coimbra se transformou num instrumento nobre, capaz de desenvolver acordes completos e dissonâncias muito próprias.
Diz Afonso de Sousa, guitarrista contemporâneo de Artur Paredes, que a guitarra deixou de ser tocada longitudinalmente (percorrendo-se individualmente cada corda ao longo do braço), para ser tocada transversalmente (combinando várias cordas de uma só vez, em acorde ou arpejo). E veja-se, como exemplo do seu génio, a Balada de Coimbra, uma canção que não é do Artur mas que ele transpôs para a guitarra de forma tão magistral que ninguém depois dele ousou tocá-la de forma diferente.
Mas o curioso desta história é que, à semelhança do seu filho Carlos, Artur Paredes era futrica, ainda que a Academia o considerasse como um membro seu e ele actuasse regularmente nas digressões da Tuna e do Orfeon, mesmo depois de ter ido viver para Lisboa.
No fado como no futebol, um bom futrica nunca está a mais numa equipa de estudantes.
Texto de José Luís Veloso, viola-baixo dos Álamos
(texto de 2001)
2 comentários:
Eh Pà!Este blog é simplesmente ESPECTACULAR!Mas vocês esqueceram-se de falar dum gajo do Baiiro Marechal Carmona, que era roadie dos PROTOES, vizinho do Carlos Dias (Nando), o famoso BOBBYZE!!
Desde 1976 é freelancer no estrangeiro no capitulo do jornalismo Rock e que entrevistou todos os grandes nomes do showbusines, desde DYLAN, ZAPPA, PINK FLOYD até aos nomes mais modernos como BEN HARPER, COLDPLAY, CURE e tantos outros.
Quem o conhece?
ACHO QUE NINGUÉM!!!
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