terça-feira, 16 de outubro de 2007

1ª ELIMINATÓRIA GANHA PELOS ÁTOMOS

Agora que a RTP - sem preconceitos e finalmente - disseca a guerra colonial, um dos maiores horrores da História Contemporânea portuguesa e que deu origem ao 25 de Abril, retomo o Concurso Ié-Ie de 1965/66 no Teatro Monumental em Lisboa.

O que tem uma coisa a ver com a outra?

Como já aqui recordei, o Concurso foi organizado pelo jornal "O Século" a favor das Forças Armadas no Ultramar, através do Movimento Nacional Feminino, com a colaboração da Radiotelevisão Portuguesa, Emissora Nacional, Rádio Clube Português e o empresário Vasco Morgado.

A 1ª eliminatória realizou-se no dia 28 de Agosto de 1965, um sábado, com duas sessões, uma às 16 e outra às 18 horas.

O anúncio da eliminatória foi coincidente com a morte, por afogamento, na Riviera francesa, do genial arquitecto suiço Le Corbusier e com a inauguração de um "troço inteiramente novo" da Estrada Nacional nº 1 entre Venda das Raparigas e a Batalha, o que permitiu encurtar em 16 quilómetros o percurso entre Lisboa e Porto.

Voltando ao Concurso: o júri era constituído por "distintos músicos profissionais e um grupo de jovens entusiastas entendidos em ié-ié":

Júri técnico: maestro Costa Pinto, Thilo's Combo, Mário Simões e José Luís Simões. Preside, a partir das meias-finais, o maestro Eduardo Loureiro, da Emissora Nacional.

Júri ié-ié: Emídio Aragão Teixeira (presidente), do Instituto Superior Técnico, Carlos Neves Ferreira, da Faculdade de Ciências, Maria Bernardo Macedo e Vale, António Martins da Cruz, Jaime Lacerda e Diogo Saraiva e Sousa, da Faculdade de Direito, Maria Avelino Pedroso, do Instituto Superior de Agronomia, e Ricardo Espírito Santo e Silva Ricciardi (sétimo ano dos liceus).

Havia ainda um Regulamento de 6 pontos que seria fastidioso transcrever aqui.

O 1º Prémio era de 15 contos, o 2º de 10 e o 3º de 5. Havia ainda uma taça oferecida pelo programa "Passatempo Juvenil", da Rádio Peninsular.

Mais: a Philips oferecia uma telefonia e uma philishave (sabem o que é?), a Casa Gouveia Machado uma viola Eko de 12 cordas (daqui o nome do conjunto) no valor de 4.360$00, um microfone Shure no valor de 2.520$00 e uma tarola Sonor, com suporte, no valor de 1.720$00, o Salão Musical de Lisboa oferecia uma bateria, uma viola, uma guitarra, uma pandeireta e três harmónicas de boca, a Casa Galeão uma mala de viagem, a Casa Pinheiro Ribeiro cinco metros de tecido, a Casa J. Nunes Correia seis gravatas, a Sapataria Lord um par de sapatos, a Loja das Meias (desaparecida há pouco) cinco gravatas e a Casa J. Pires Tavares dez frascos de água de Colónia.

No palco, um grande (e agora famoso) cartaz lembrava a ditadura: "Atenção! Barulho que não permita o júri ouvir os conjuntos, objetos (sic) atirados para o palco, distúrbios na sala são motivos para a expulsão do espectador que assim proceder sem que a organização lhe devolva a importância do bilhete. A juventude pode ser alegre sem ser irreverente".

Participaram nesta 1ª eliminatória os Martinis, de Elvas, os Átomos, de Lisboa, os Dakotas, de Almada, os Magic Strings, de Oeiras, e os Jovens do Ritmo, de Leiria. A eliminatória foi apresentada por Henrique Mendes.

A eliminatória foi ganha pelos Átomos, com 26 pontos, seguidos dos Dakotas (22), Magic Strings (14), Martinis (7,5) e, finalmente, os Jovens do Ritmo (7).

"O Século" do dia seguinte considerou a eliminatória "sensacional" e numa premonitória legenda a uma foto com três jovens femininas a guinchar escreve: "Frenéticas e estridentes (também são bonitas) estas três raparigas ié-ié entregam-se delirantemente ao espectáculo. Quando forem avós e folhearem os álbuns das suas juventudes vão sorrir e vão também suspirar".

Não sei se se percebe a legenda do conjunto de fotos que encima este post, mas eu ajudo: "Quem não foi ao Monumental não sabe o que perdeu. Para já, nesta colecção de "indiscrições", chamamos a atenção dos leitores para o senhor de cabelos brancos que, de pé, se deixou ir atrás do ritmo. Trata-se, portanto, de um homem jovem e a sua alegria, as suas palmas, ao lado das raparigas e rapazes que o rodeiam, só lhe ficam bem. Reparem como está de óptima disposição e como foi bom o tónico que recebeu ontem no Monumental. Este vai voltar. O resto salta à vista: é a exuberância, o sangue na guelra, a fúria de viver. E diga-se de novo: elas e eles divertiram-se muito, mas bem. Não houve um desacato e o próprio polícia que olha o ié-ié perturbado fá-lo com benevolência. Por que motivo não havia o rapaz de divertir-se? Ele não estava fazendo nada, o polícia também...".

Algumas passagens da notícia de "O Século":

"O público entregou-se vibrantemente ao espectáculo e estabeleceu tal gritaria, tantas palmas, assobios e cantorias que em dados momentos era difícil distinguir os dois campos de som: o palco e a sala".

"Os guardas da PSP - e estava lá o comandante da Polícia Municipal, sr. capitão Horta Veiga - observaram com benevolência e simpatia aquelas explosões inofensivas e não tiveram, felizmente, de intervir".

"Quando surgiu Albino, o vocalista (dos Dakotas) parecia um golo de Eusébio".

Os Átomos eram formados por Henrique Knobliek, bateria, 18 anos, estudante liceal, Armando Jorge, viola-solo, 18 anos, estudante liceal, Leonel Efe, viola-ritmo, 18 anos, metalúrgico, José António, vocalista, 19 anos, estudante comercial, e António Evangelista, viola, 17 anos, empregado comercial.

Agora, a descrição é da "Rádio & Televisão":

"Vestem calça escura, camisa clara e camurcine preta, excepto o vocalista que leva camurcine amarela.

"Foi o Armando Jorge que teve a ideia de formar o conjunto que se estreou em Janeiro deste ano (1965) numa festa realizada no Pinhal Novo.

"Apresentaram-se a concurso com "Expresso" e "Jovem", da autoria do conjunto, "Voando no Espaço", música cantada, e "My Bonnie", dos Beatles".

2 comentários:

VdeAlmeida disse...

O que veio a seguir acabou por ser bem mais interessante.
A verdade é que a grande parte dos jovens que iam assistir aos conjuntos do chamado ie-ie, eram alunos das escolas secundárias e dos liceus de Lisboa, e estavam habituados a ouvir grupos dos liceus quue animavam os bailes, que eram de longe melhores que estes que vinham aos concursos, que se limitavam a tocar (mal) e a fingir que cantavam (a maior parte não sabia inglês e acabavam por soltar uns sons que lhes pareciam semelhantes ao que ouviam aos grupos estrangeiros).
De modo que a maltinha ia lá gozar o prato, e especialmente (quue maldade!), a atirar uns tomates podres e uns ovos aos rapazitos, que, na sua maior parte, saía do palco sob o peso da vergonha e com os fatinhos feitos especialmente para o acontecimento, todos estragados!

ié-ié disse...

Interessante o seu comentário, caro Yardbird (Eric? Keith? Chris? Paul? Jim?). Armando-me em Luís Filipe Menezes, desafio-o publicamente a escrever-me um texto para o blog narrando a sua experiência como jovem ié-ié (eheh!) na assistência de um desses concursos.

Aceita?

Luís