domingo, 13 de julho de 2008

IKAVA


No tempo em que viver era a melhor coisa do mundo, dizíamos que, para treinar o inglês, era urgente e necessário ter uma ou mais correspondentes algures na Europa. Entre a malta, o Armando bateu todos os recordes. Uma sueca mandou-lhe o single que vêem aí.

Tocava muito nos nossos bailes, ninguém sabia o que queria dizer “Ikava”, mas a melodia soava bem, convidava ao aconchego. No centro do rótulo do single pode ler-se: “To Armando” e a data de 10.02.65.

Podem também ler-se diversos “Armando” em redor do buraco do single e um grande "Armando" por cima do nome da canção. Lamentavelmente, não sei o que aconteceu à capa original.

Mas posso-vos dizer que era branca, com um mar de corações a vermelho, setas espetadas e os lábios da loura sueca desenhados a baton - verdadeiramente kitsch. Digo-o agora porque, na altura, não fazia a mínima ideia do que isso era. Mas invejámos o Armando, que até na Suécia, despoletava paixões.

Sim, porque o Armando, logo na primeira carta, para além das palavras de apresentação, mandava, em anexo, uma fotografia tipo-postal-artista-de-Hollywood, em que se mostrava sorridente, corpo ligeiramente inclinado, penteado acaprichado pelo Vicente, o barbeiro do bairro.

Se não deixou a terra da alegria, que fará a correspondente sueca do Armando? Casou? Teve filhos, netos? Vive a sua reforma dourada frente ao mar? Lembrar-se-á dos corações e lábios de baton que espalhou pela Europa?

Onde pára o Armando que nunca mais o vi?

O disco ficou lá por casa, sabe-se lá como, porquê. Assim como outros me desapareceram, sabe-se lá como, porquê…

Gostaria de o devolver ao Armando se é que ele ainda se lembra disto. Pode ser que ele seja um dos muitos milhares de leitores deste blogue. Também gostaria de reaver alguns dos meus discos perdidos, deixados não se sabe, oferecidos sem eu me lembrar, hoje, a quem. Perdidos e achados e em que o balanço me é manifestamente desfavorável.

Volta e meia Mr. Mouse insurge-se contra a etiquetas com o nome do proprietário nas capas dos discos. O Zeca do Rock já explicou que serviam para evitar desaparecimentos em festas, mas mesmo assim nem sempre resultavam.

“É a vida!”, como dizia o tal engenheiro.

Colaboração de Gin-Tonic

1 comentário:

filhote disse...

Bela narrativa, Hugo, como sempre. E neste caso, perdoa-se as inscrições no rótulo. Sem esse apaixonante "to Armando", o disco não teria a mesma magia.