Há longo tempo, Mr. Ié-Ié lançou, no blogue, um desafio para que falassem de concertos a que tivessem assistido. O convite teve pouca ou nenhuma aceitação (eu falo! - nota do editor).
Por mim, que não sou de concertos, desafiei amigos, gente que não perde um concerto, que guarda religiosamente os bilhetes ao longo da vida, que vai dizendo “eu estive lá”, mas que não consegue escrever uma meia dúzia de linhas sobre o que viram, o que ouviram.
As vezes que lhes lembro o exemplo do Sr. Júlio Magalhães, pivot da TVI, que, como qualquer pivot de telejornal que se preze, tem livros publicados, (“isto agora não há cão nem gato que não escreva um livro”) e que, no lançamento do seu último livro “Os Retornados. Um amor Nunca se Esquece”, enfatizou à Agência Lusa: "escrever é um acto natural, toda a gente pode escrever livros, quem escreve uma mensagem num telemóvel também pode escrever um livro”.
Como o Leonard Cohen se aprestava para cantar em Lisboa, perguntei ao Abílio José, sabendo-o um incondicional, que me mandara o bilhete do último concerto do Cohen, em Lisboa, perguntei-lhe se ia ao Passeio Marítimo de Oeiras. Lançou-me um rotundo não! Que Cohen não é para aquele tipo de espaços, do mesmo modo que se recusaria a ver o Bruce Springsteen no Teatro Maria Matos.
Com uns fininhos pelo meio, dispôs-se a falar de Leonard Cohen.
Tudo começou depois de ter lido, em princípios de 1976, um livro de Manuel Cadafaz Matos, avançou depois para os discos e foi um amor à primeira audição. Gostou de saber que na Festa de “L’Humanité”, no Verão de 1974, saudou a multidão com um “Olá camaradas e espiões” e agora soube, através do Sr. Pedro Mexia, que Cohen sempre utilizou as mais variadas estratégias de sedução: uma vez até se inscreveu no Partido Comunista do Canadá, apenas porque estava interessado numa camarada.
Daí ninguém conseguir apurar se Cohen precisava de amar as mulheres para escrever canções, se as escrevia em vez de amá-las. À Nico, à Suzanne, à Marianne, à Nancy, à Jane – quantas mais? – terá sempre perguntado se eram “professoras do coração”.
Para o Abílio José, um homem que escreve canções lindíssimas, que as canta com um sentimento profundo, uma voz lenta, arrastada por 50 mil cigarros, que gosta de vinho e de mulheres, é alguém que dá gosto acompanhar para sempre, “como um pássaro num fio pousado, como um bêbado num coro nocturno eu tentei a meu modo ser livre".
O Abílio pergunta-me: “Sabes como o Cohen se tornou poeta?” O meu silêncio fê-lo avançar: “porque um dia leu um livro de Federico Garcia Lorca e percebeu o que era a poesia e foi tal a influência que decidiu chamar Lorca Sarah Cohen à primeira filha. Lindo, meu caro, mesmo lindo".
Pergunto ao Abílio quais as canções de Cohen a levar para a tal ilha deserta. “Todas, mesmo todas, mas “Famous Blue Raincoat” é genial, plena obra-prima, uma canção de outro planeta.
"Rapaz, a coisa é de tal ordem que um dia comprei o LP “The Songs of Leonard Cohen” da Jennifer Warnes, que é uma moça que fazia coros nos discos do Cohen e também nos espectáculos ao vivo e, com a ajuda do Garrudo, dois gira-discos e um misturador, fiz uma cassette de 60 minutos com os dois a cantar o “Famous Blue Raincoat” e a cassette termina com cada uma a cantar, em sobreposição, com o Cohen a arrancar segundos antes da Jenniffer. Aliás chegaste a ouvir, mas a marada da Marisa deu cabo da fita no leitor do carro. Só a tiro!”
Agora, que o Abílio José já foi embora, que ninguém nos ouve, posso dizer que se alguém me pedisse para escrever algo sobre o Cohen, também não saberia o quê e como. Só sei ouvi-lo.
Take this waltz and dance to the end of love.
Depoimento recolhido por Gin-Tonic
Por mim, que não sou de concertos, desafiei amigos, gente que não perde um concerto, que guarda religiosamente os bilhetes ao longo da vida, que vai dizendo “eu estive lá”, mas que não consegue escrever uma meia dúzia de linhas sobre o que viram, o que ouviram.
As vezes que lhes lembro o exemplo do Sr. Júlio Magalhães, pivot da TVI, que, como qualquer pivot de telejornal que se preze, tem livros publicados, (“isto agora não há cão nem gato que não escreva um livro”) e que, no lançamento do seu último livro “Os Retornados. Um amor Nunca se Esquece”, enfatizou à Agência Lusa: "escrever é um acto natural, toda a gente pode escrever livros, quem escreve uma mensagem num telemóvel também pode escrever um livro”.
Como o Leonard Cohen se aprestava para cantar em Lisboa, perguntei ao Abílio José, sabendo-o um incondicional, que me mandara o bilhete do último concerto do Cohen, em Lisboa, perguntei-lhe se ia ao Passeio Marítimo de Oeiras. Lançou-me um rotundo não! Que Cohen não é para aquele tipo de espaços, do mesmo modo que se recusaria a ver o Bruce Springsteen no Teatro Maria Matos.
Com uns fininhos pelo meio, dispôs-se a falar de Leonard Cohen.
Tudo começou depois de ter lido, em princípios de 1976, um livro de Manuel Cadafaz Matos, avançou depois para os discos e foi um amor à primeira audição. Gostou de saber que na Festa de “L’Humanité”, no Verão de 1974, saudou a multidão com um “Olá camaradas e espiões” e agora soube, através do Sr. Pedro Mexia, que Cohen sempre utilizou as mais variadas estratégias de sedução: uma vez até se inscreveu no Partido Comunista do Canadá, apenas porque estava interessado numa camarada.
Daí ninguém conseguir apurar se Cohen precisava de amar as mulheres para escrever canções, se as escrevia em vez de amá-las. À Nico, à Suzanne, à Marianne, à Nancy, à Jane – quantas mais? – terá sempre perguntado se eram “professoras do coração”.
Para o Abílio José, um homem que escreve canções lindíssimas, que as canta com um sentimento profundo, uma voz lenta, arrastada por 50 mil cigarros, que gosta de vinho e de mulheres, é alguém que dá gosto acompanhar para sempre, “como um pássaro num fio pousado, como um bêbado num coro nocturno eu tentei a meu modo ser livre".
O Abílio pergunta-me: “Sabes como o Cohen se tornou poeta?” O meu silêncio fê-lo avançar: “porque um dia leu um livro de Federico Garcia Lorca e percebeu o que era a poesia e foi tal a influência que decidiu chamar Lorca Sarah Cohen à primeira filha. Lindo, meu caro, mesmo lindo".
Pergunto ao Abílio quais as canções de Cohen a levar para a tal ilha deserta. “Todas, mesmo todas, mas “Famous Blue Raincoat” é genial, plena obra-prima, uma canção de outro planeta.
"Rapaz, a coisa é de tal ordem que um dia comprei o LP “The Songs of Leonard Cohen” da Jennifer Warnes, que é uma moça que fazia coros nos discos do Cohen e também nos espectáculos ao vivo e, com a ajuda do Garrudo, dois gira-discos e um misturador, fiz uma cassette de 60 minutos com os dois a cantar o “Famous Blue Raincoat” e a cassette termina com cada uma a cantar, em sobreposição, com o Cohen a arrancar segundos antes da Jenniffer. Aliás chegaste a ouvir, mas a marada da Marisa deu cabo da fita no leitor do carro. Só a tiro!”
Agora, que o Abílio José já foi embora, que ninguém nos ouve, posso dizer que se alguém me pedisse para escrever algo sobre o Cohen, também não saberia o quê e como. Só sei ouvi-lo.
Take this waltz and dance to the end of love.
Depoimento recolhido por Gin-Tonic
3 comentários:
Belo texto, Hugo, como sempre...
Duas notas apenas:
1. Eu gostaria muito de ver o Springsteen no Maria Matos. O teatro iria abaixo. No mínimo.
2. "Nenhuma aceitação", não... eu também escrevi aqui umas linhas sobre a noite do Dylan no Rio de Janeiro.
Já agora, como terá sido a noite do Cohen? Presumo que inesquecível... e romântica!
É um pouco por causa deste tipo de depoimentos que a música é a paixão da minha vida. E aqui não existem infidelidades.
Também vi Bruce em versão meio intimista na Brixton Academy, em Londres, e recomendo vivamente!
Tragam-no à Aula magna!
LT
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