É um extenso artigo de Hélio Sousa Dias publicado no "Disco Música & Moda" de 15 de Junho de 1971.
Vou só respigar as partes que considero mais significativas:
"31 de Maio de 1971 significou o fim de um programa de rádio que, no entanto, não era mais um programa de Rádio: era o "Em Órbita". Todos os dias das 19 às 21, há já alguns anos, ou então das 24 à 1 h., há pouco tempo ainda, uma quantidade enorme de audiores certos, outros menos certos, uns a apoiarem o programa, outros nem que só fosse para dizer mal; para muita gente "Em Órbita" era o programa a ouvir.
"Tudo tinha começado em 1965, com os valores do FM do RCP. Ao princípio até tinha locutor-locutora, no esquema tradicional da rádio portuguesa (lembram-se do Pedro Castelo no "Em Órbita"?).
"Caracterizava-se então por ser o primeiro a apresentar em Portugal as últimas produções de Inglaterra e dos Estados Unidos. Aliás esse pormenor foi até ao fim característico do programa.
"Mas, ao tempo em que se começava em Portugal a ensaiar novos estilos de locução, importados dos disc-jocqueys das rádio-piratas inglesas (RU foi a primeira neste estilo com o seu "POP 397"), "Em Órbita" começou também a caracterizar-se pelo seu estilo sóbrio, pela sua intransigência para com a qualidade de tudo o que apresentava, pelas suas rubricas diárias, pelos seus comentários.
"Apresentava-se só música anglo-americana, houve só uma concessão à música portuguesa, a célebre "Lenda de El-rei D. Sebastião", mas dentro dela procurava distinguir-se o trigo do joio, justificando essa distinção. Robert "Dylan" Zimmerman foi uma das divulgações e dos orgulhos do programa. Paul Simon e Art Garfunkel idem aspas aspas. Ainda Tim Buckley. Ainda Donovan. Ainda muitos outros.
"Contudo o programa foi alterando os seus figurinos por várias vezes, numa tentiva de melhoria, de fazer diferente; as imitações eram muitas, mais ou menos disfarçadas (houve prémios que vieram retribuir essas afirmações de qualidade: prémio da imprensa, prémio "ondas" e sobretudo a aderência de muitos ouvintes, e detractores.
"Veio a "Nova Aventura", amostra interessantíssima que não vingou. Dos responsáveis do princípio, João Alexandre ficou tristemente pelo caminho. Para muita gente isso foi o princípio da derrocada e até talvez tenha sido.
"O programa há algum tempo que perdera algumas das suas características habituais. A selecção musical mantinha as suas normas de intransigência qualitativa, mas passou a ser mais um dos muitos "disco-anúncio" que enchem a nossa rádio e lés a lés. E o fim chegou, talvez inesperado, mas coerente.
"Quando se tem a noção daquilo que se está a fazer e se chega á conclusão de que continuar é cair, pois então há que acabar. E "Em Órbita" acabou no dia 31 de Maio de 1971.
"Com "Em Órbita", quer se lhe atribua um lugar à parte na rádio portuguesa, quer não, parece ter-se fechado um cliclo nessa mesma rádio. Um ciclo em que se tentaram muitas coisas novas, em que afirmaram muitas já ultrapassadas e que deviam estar mortas e entrerradas, um ciclo enfim em que agora parece ter-se entrado na estagnação. Senão vejamos:
"Com a "23ª Hora", que começou a provar que a rádio depois das 11 horas também rentável, com o "Meia-Noite", com o muito ignorado "Ritmo 64", algo de novo se começou a processar na rádio portuguesa, sobretudo em matéria de programação musical.
"O alvo era a música "pop", "beat", como lhe queiram chamar, anglo-americana; a intenção era divulgar todas as novidades possíveis; a música portuguesa totalmente desacreditada junto de uma camada de público mais evoluído foi postergada e deixou de figurar em muitas programações.
"Durante estes anos tomando como início os primeiros passos da "23ª Hora", muitas e variadas tentativas foram feitas numa louvável intenção de fazer mais e melhor.
"Tudo se tentou mudar, desde o estilo de locução (com a importação já falada do estilo dos disc-jocqueys ingleses, em cima dos discos, dizendo mais qualquer coisa do que "vamos ouvir fulano" que canta "Ó i, ó ai", por parte da RU, Nuno Martins e Adelino Gomes, até à forma mais apalhaçada desse estilo de locução, com o "Euróóópa" do Victor Espadinha, ao estilo todo sobriedade de "Em Órbita" ou do "Impacto", "lírico" do Vector, indiferente de muitos outros); também o tipo de programação musical, com entradas agora para a música francesa, espanhola de qualidade e para a nova música portuguesa (lembram-se do "Espaço 17"); tentou romper-se com o "disco-anúncio", com a programação só musical, houve um assalto à reportagem, ao exótico (primeiro que todos o "PBX" de Carlos Cruz e Fialho Gouveia, depois o "1-8-0", o "Tempo Zip"), (falou-se apenas das estações comerciais, porque foram eles que que tentaram fazer melhor e diferente. Tanto a EN como a RU, que deveriam ter representado um papel importante neste surto, visto não estarem sujeitos a qualquer espécie de subordinação comercial, não o representaram, antes pelo contrário deixando-se ficar num comodismo fácil e indo ao sabor das correntes).
(que grande parágrafo!!!)
Contudo, parece agora ter-se entrado numa rotina e num deixa-andar que estão a resultar numa estagnação total do panorama radiofónico sem nada de realmente bom ou de diferente para ouvir.
"O "Tempo Zip" começou bem, mas ficou pelas intenções. Agora é automobilismo, snobismo e meia de música mal escolhida, alguns apontamentos com real interesse não chegam.
"O "PBX" já há muito que se "enterrou". O culto do sensacionalismo e do piroso parecem ser os únicos alvos em vista. Os programas de Armando Marques Ferreira já não se usam. "Paleio de chacha", quase todo publicidade, entremeado de música sem o menor critério.
"O "Vector" tentou ser diferente mas escolheu mal a forma, as frases empregadas saíram quase sempre ocas e sem sentido: agora já mudou de forma, mas ficou-se pelo disco-anúncio.
"O "Impacto" teve um interesse enorme, com apontamentos bem feitos; deixou-se disso, hoje é apenas um programa em que só a selecção musical se salva.
"Depois deles temos a infinidade dos que enchem a nossa rádio e que, para variar, além de anúnicios, metem discos: o "Tic-Tac", a "Onda do Optimismo", o "Enquanto For Bom Dia", o "Carrossel em FM", "O Nosso Programa", só para citar alguns dos mais conhecidos.
"Para o fim ficaram os programas que ainda parece terem álgum interesse: a "Página Um" que, embora com muitos defeitos que se lhe possam assacar, procura fazer algo de válido, aliando reportagem a apontamentos e a uma selecção musical de qualidade discutível mas cuidada, e a "Banda Sonora", no FM do RCP, programa sem pretensões de maior que apenas procura e consegue passar boa música.
"E assim vai o panorama radiofónico em Portugal. nele, de novo, só o "Vértice" que não teve tempo ainda de mostrar o que vale, mas que também não dá esperanças por aí além. Pode ser que tudo se modifique para melhor. Já estamos muito melhor do que há alguns anos e pode ser que se esteja apenas num impasse. Pode ser...
"Muito mais haveria a dizer, e mais factos e programas haveria a apontar. mas a intenção foi apenas a de chamar a atenção para um facto e não de o dissecar exaustivamente. De qualquer modo, a Rádio é um assunto de que se voltará a falar".
Afinal, entusiasmei-me e transcrevi o artigo na íntegra.
Vou só respigar as partes que considero mais significativas:
"31 de Maio de 1971 significou o fim de um programa de rádio que, no entanto, não era mais um programa de Rádio: era o "Em Órbita". Todos os dias das 19 às 21, há já alguns anos, ou então das 24 à 1 h., há pouco tempo ainda, uma quantidade enorme de audiores certos, outros menos certos, uns a apoiarem o programa, outros nem que só fosse para dizer mal; para muita gente "Em Órbita" era o programa a ouvir.
"Tudo tinha começado em 1965, com os valores do FM do RCP. Ao princípio até tinha locutor-locutora, no esquema tradicional da rádio portuguesa (lembram-se do Pedro Castelo no "Em Órbita"?).
"Caracterizava-se então por ser o primeiro a apresentar em Portugal as últimas produções de Inglaterra e dos Estados Unidos. Aliás esse pormenor foi até ao fim característico do programa.
"Mas, ao tempo em que se começava em Portugal a ensaiar novos estilos de locução, importados dos disc-jocqueys das rádio-piratas inglesas (RU foi a primeira neste estilo com o seu "POP 397"), "Em Órbita" começou também a caracterizar-se pelo seu estilo sóbrio, pela sua intransigência para com a qualidade de tudo o que apresentava, pelas suas rubricas diárias, pelos seus comentários.
"Apresentava-se só música anglo-americana, houve só uma concessão à música portuguesa, a célebre "Lenda de El-rei D. Sebastião", mas dentro dela procurava distinguir-se o trigo do joio, justificando essa distinção. Robert "Dylan" Zimmerman foi uma das divulgações e dos orgulhos do programa. Paul Simon e Art Garfunkel idem aspas aspas. Ainda Tim Buckley. Ainda Donovan. Ainda muitos outros.
"Contudo o programa foi alterando os seus figurinos por várias vezes, numa tentiva de melhoria, de fazer diferente; as imitações eram muitas, mais ou menos disfarçadas (houve prémios que vieram retribuir essas afirmações de qualidade: prémio da imprensa, prémio "ondas" e sobretudo a aderência de muitos ouvintes, e detractores.
"Veio a "Nova Aventura", amostra interessantíssima que não vingou. Dos responsáveis do princípio, João Alexandre ficou tristemente pelo caminho. Para muita gente isso foi o princípio da derrocada e até talvez tenha sido.
"O programa há algum tempo que perdera algumas das suas características habituais. A selecção musical mantinha as suas normas de intransigência qualitativa, mas passou a ser mais um dos muitos "disco-anúncio" que enchem a nossa rádio e lés a lés. E o fim chegou, talvez inesperado, mas coerente.
"Quando se tem a noção daquilo que se está a fazer e se chega á conclusão de que continuar é cair, pois então há que acabar. E "Em Órbita" acabou no dia 31 de Maio de 1971.
"Com "Em Órbita", quer se lhe atribua um lugar à parte na rádio portuguesa, quer não, parece ter-se fechado um cliclo nessa mesma rádio. Um ciclo em que se tentaram muitas coisas novas, em que afirmaram muitas já ultrapassadas e que deviam estar mortas e entrerradas, um ciclo enfim em que agora parece ter-se entrado na estagnação. Senão vejamos:
"Com a "23ª Hora", que começou a provar que a rádio depois das 11 horas também rentável, com o "Meia-Noite", com o muito ignorado "Ritmo 64", algo de novo se começou a processar na rádio portuguesa, sobretudo em matéria de programação musical.
"O alvo era a música "pop", "beat", como lhe queiram chamar, anglo-americana; a intenção era divulgar todas as novidades possíveis; a música portuguesa totalmente desacreditada junto de uma camada de público mais evoluído foi postergada e deixou de figurar em muitas programações.
"Durante estes anos tomando como início os primeiros passos da "23ª Hora", muitas e variadas tentativas foram feitas numa louvável intenção de fazer mais e melhor.
"Tudo se tentou mudar, desde o estilo de locução (com a importação já falada do estilo dos disc-jocqueys ingleses, em cima dos discos, dizendo mais qualquer coisa do que "vamos ouvir fulano" que canta "Ó i, ó ai", por parte da RU, Nuno Martins e Adelino Gomes, até à forma mais apalhaçada desse estilo de locução, com o "Euróóópa" do Victor Espadinha, ao estilo todo sobriedade de "Em Órbita" ou do "Impacto", "lírico" do Vector, indiferente de muitos outros); também o tipo de programação musical, com entradas agora para a música francesa, espanhola de qualidade e para a nova música portuguesa (lembram-se do "Espaço 17"); tentou romper-se com o "disco-anúncio", com a programação só musical, houve um assalto à reportagem, ao exótico (primeiro que todos o "PBX" de Carlos Cruz e Fialho Gouveia, depois o "1-8-0", o "Tempo Zip"), (falou-se apenas das estações comerciais, porque foram eles que que tentaram fazer melhor e diferente. Tanto a EN como a RU, que deveriam ter representado um papel importante neste surto, visto não estarem sujeitos a qualquer espécie de subordinação comercial, não o representaram, antes pelo contrário deixando-se ficar num comodismo fácil e indo ao sabor das correntes).
(que grande parágrafo!!!)
Contudo, parece agora ter-se entrado numa rotina e num deixa-andar que estão a resultar numa estagnação total do panorama radiofónico sem nada de realmente bom ou de diferente para ouvir.
"O "Tempo Zip" começou bem, mas ficou pelas intenções. Agora é automobilismo, snobismo e meia de música mal escolhida, alguns apontamentos com real interesse não chegam.
"O "PBX" já há muito que se "enterrou". O culto do sensacionalismo e do piroso parecem ser os únicos alvos em vista. Os programas de Armando Marques Ferreira já não se usam. "Paleio de chacha", quase todo publicidade, entremeado de música sem o menor critério.
"O "Vector" tentou ser diferente mas escolheu mal a forma, as frases empregadas saíram quase sempre ocas e sem sentido: agora já mudou de forma, mas ficou-se pelo disco-anúncio.
"O "Impacto" teve um interesse enorme, com apontamentos bem feitos; deixou-se disso, hoje é apenas um programa em que só a selecção musical se salva.
"Depois deles temos a infinidade dos que enchem a nossa rádio e que, para variar, além de anúnicios, metem discos: o "Tic-Tac", a "Onda do Optimismo", o "Enquanto For Bom Dia", o "Carrossel em FM", "O Nosso Programa", só para citar alguns dos mais conhecidos.
"Para o fim ficaram os programas que ainda parece terem álgum interesse: a "Página Um" que, embora com muitos defeitos que se lhe possam assacar, procura fazer algo de válido, aliando reportagem a apontamentos e a uma selecção musical de qualidade discutível mas cuidada, e a "Banda Sonora", no FM do RCP, programa sem pretensões de maior que apenas procura e consegue passar boa música.
"E assim vai o panorama radiofónico em Portugal. nele, de novo, só o "Vértice" que não teve tempo ainda de mostrar o que vale, mas que também não dá esperanças por aí além. Pode ser que tudo se modifique para melhor. Já estamos muito melhor do que há alguns anos e pode ser que se esteja apenas num impasse. Pode ser...
"Muito mais haveria a dizer, e mais factos e programas haveria a apontar. mas a intenção foi apenas a de chamar a atenção para um facto e não de o dissecar exaustivamente. De qualquer modo, a Rádio é um assunto de que se voltará a falar".
Afinal, entusiasmei-me e transcrevi o artigo na íntegra.
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