sábado, 12 de setembro de 2009

THE DAYS OF 49 (01)


And I was left alone in my misery, like some poor wandering ghost
And I pass by from town to town, they call me a rambling sign
There goes Tom Moore, a bummer shore in the days of 49
In the days of old, in the days of gold
How often times I repine for the days of old
When we dug up the gold, in the days of 49

(Bob Dylan)

Era uma vez um senhor chamado Johan August Sutter, de nacionalidade suiça, que emigrou muito jovem para a América à procura de aventura e de fortuna. Como tantos outros, teve problemas no seu país de origem e a única alternativa que encontrou foi deixar para trás família e amigos e partir…

Zarpou do porto de Havre em 1834 e, após muitas peripécias cujo detalhe vos vou poupar, desembarcou na Califórnia, em Monterey, cinco anos depois.

Por essa altura a Califórnia ainda pertencia ao México, embora uma boa parte da região Norte estivesse ocupada pelos russos.

Sutter era um homem desenrascado e com poucos escrúpulos, que atribuiu a si próprio o título de coronel por, supostamente, ter feito parte da guarda suiça de Charles X, em França. Tinha a ambição de constituir a sua própria colónia, a que chamaria New Helvetia. Soube Insinuar-se bem junto dos ocupantes, em particular junto do Governador mexicano e conseguiu que lhe fosse autorizada a instalação em terras que ficavam na confluência dos rios Los Americanos e Sacramento, onde hoje se ergue a cidade do mesmo nome, tendo celebrado, para tal, um tratado de paz com os índios que por lá andavam.

A ligação entre o “Coronel” Sutter e os mexicanos estreitou-se, ao ponto dele próprio ter decidido adquirir, em 1840, a nacionalidade mexicana. Pouco tempo depois Don Juan Augusto Sutter era intimo do Governador Alvarado, que lhe tinha outorgado a propriedade definitiva das suas terras e autorizado a construção de um forte e a constituição de um pequeno exército de protecção. Sutter era, por essa altura, um dos homens mais ricos e influentes da Califórnia mexicana.

Mas a guerra entre americanos e mexicanos e a passagem da Califórnia para o domínio americano, após o Tratado de Cahuenga (Janeiro de 1847), vieram alterar este estado de coisas. Como sempre sucede com artistas deste calibre, Sutter teve de fazer imensas piruetas para sobreviver e ser aceite pelos novos ocupantes, o que conseguiu, embora de uma forma bastante mais limitativa do seu anterior poder pessoal. Os Estados Unidos aceitaram que Fort Sutter se mantivesse de pé, mas sob vigilância de um destacamento militar do Tio San, e o seu exército privado foi desactivado...

Mas Sutter era um homem esperto e viu, nesta nova situação, uma imensa “janela de oportunidades”, como hoje se diz, fonte de grandas lucros… A New Helvetia poderia passar a acolher, no seu interior ou nas suas imediações, uma enorme quantidade de emigrantes do Leste que agora poderiam entrar na Califórnia livremente. E para assegurar as infra-estruturas necessárias encarregou o seu melhor carpinteiro, John Marshal, de procurar um local adequado e aí construir um moinho de farinha e uma serração mecânica para corte de madeiras.

Marshal partiu levando consigo um punhado de homens e encontrou o local ideal a cerca de 50 milhas a leste, nas margens do agora designado American River, num lugar chamado Coloma.

Quanto fazia os primeiros testes para a instalação do moinho, no dia 24 de Janeiro de 1848, Marshal deparou, entre as águas, com pequenas partículas de metal que lhe pareceram ser ouro. Foi a correr contar a novidade ao seu patrão, que lhe confirmou as suspeitas e o obrigou, a si e aos seus homens, a jurar silêncio total acerca da sua descoberta.

A jura, claro está, não serviu de grande coisa… A 15 de Março de 1848 o jornal “Californian”, de Monterey, anunciava a descoberta de uma mina de ouro nessa região e uns meses depois, em 19 de Agosto de 1848, era o jornal “New York Herald” quem fazia eco de tais notícias, afirmando que o El Dorado dos espanhóis tinha sido, finalmente, descoberto! E a comunicação que o Presidente Polk enviou ao Congresso, em 5 de Dezembro de 1848, mais não vez do que oficializar essa descoberta, dando assim início, formalmente, à “Gold Rush”.

Sutter tinha razão nas suas cautelas e o que se seguiu, a partir de 1849, foi a confusão completa e muitas Susannahs foram deixadas a chorar…

Oh Susannah, oh don’t you cry for me
‘cause I go to California
With my banjo on my knee…

Quando Marshal fez a sua descoberta haveria cerca de 2.000 americanos na região. Um ano e meio depois eram 15.000 e em 1853 esse número tinha saltado para os 300.000!

Vieram de toda a maneira possível imaginária, menos de comboio, que ainda não exista ligação “coast to coast” (só em 1869). Muitos até de barco, pelo Norte ou pelo istmo do Panamá até à baia de São Francisco, onde deixaram os navios a apodrecer e se meteram pelas terras adentro. É por isso que essas águas se passaram a chamar “Golden Gate” e foi, também, tendo em conta todas as atrocidades que por lá se cometeram que toda essa região passou a ser conhecida por “Barbary Coast”, como poderemos ver no filme do mesmo nome do Howard Haks.

A descoberta do ouro foi essencial para o desenvolvimento dos Estados Unidos e para o povoamento da Costa Oeste. Muitas das grandes cidades nasceram a partir daqui, e o que é curioso é que uma boa parte do sistema capitalista americano também. O dinheiro do ouro e da prata comprou terras, cidades, elegeu políticos corruptos…. Financiou o caminho de ferro, e algumas das fortunas feitas no caminho de ferro foram, mais tarde, aplicadas na siderurgia e na indústria metalúrgica, e por aí fora…

É claro que eu não poderia deixar de visitar estas terras. E fui mesmo à Coloma original, onde existe um algo degradado “Marshal Gold Discovery State Park”. Mas só a Cristina e eu andávamos por lá. A estrada de acesso é má, tem de se palmilhar algum terreno a pé e estava um calor abrasador. Lembro-me bem do sacrifício que tive de fazer para tirar fotografias à estátua do Marshall, sob um Sol escaldante…. Mas valeu a pena!

Algumas curiosidades que podem ver nas fotografias, para além da estátua: a alegada cabana de Marshal, o tal moinho de farinha, vários utensílios utilizados na prospecção do ouro, e a minha preferida, uma igrejinha construída em 1856.

Nestas imediações há muitos outros lugares do ouro. Uma estrada, curiosamente chamada Highway 49, atravessa muitos deles tais como Placerville, Sutter Creek, Sonora, Jackson, Jamestown…

Mas confesso-vos que o que mais me impressionou, ao atravessar estas terras, foi imaginar os dramas humanos a que elas assistiram. Com a ganância do ouro, esta gente matava-se uns aos outros, estropiava, roubava, atraiçoava os maiores amigos, incendiava, … Construíam-se cidades que eram abandonadas logo que se esgotava o filão, como foi o caso da própria Coloma, que entrou em declínio com as notícias da descoberta de ouro noutros locais. Quem tinha umas pepitas de ouro era rei do Mundo: arranjava um bom quarto de hotel, tomava um belíssimo banho, pagava rodadas a seguir a rodadas no bar local, fazia amor com as mais belas mulheres e acabava, quase sempre, na miséria, como o herói da música do Bob Dylan… No Cinema, no meio de uma imensidão de “westerns” onde se contam estas histórias, lembro-me de “O Tesouro de Sierra Madre”, do John Huston, embora esse se passe em terras mexicanas …

Quanto ao nosso “Coronel” Sutter, a vida correu-lhe mal. Vendeu New Hevetia logo em 1849, dedicou-se à prospecção e a muitas outras tentativas de negócio fracassadas, e acabou por se suicidar num quarto de hotel em 1880, completamente só como convém e estas histórias….

Colaboração de Luís Mira

PS: Também não sou historiador da “Gold Rush”… As informações de natureza histórica que vos deixo provêm, essencialmente, de dois livros: “Gold Country, The Story Behind the Scenery”, de Stanley W. Paher; “Histoire du Far-West”, de Jean-Louis Rieupeyrout.

2 comentários:

josé disse...

Mas ainda assim...c´est une belle histoire", como diria o Sutter em francês.

Isto é que são viagens!

filhote disse...

Crónicas de viagens que nos fazem "viajar".

Obrigado, Luís Mira!