O que é que o “Padrinho II”, do Coppola, o “Out of the Past”, do Jacques Tourneur, e o “Um Lugar ao Sol”, do George Stevens”, têm em comum…? Sim, eu sei que são todos filmes americanos, mas para além disso…? Não matem a cabeça que eu digo-vos: todos têm pelo menos uma cena filmada em Lake Tahoe.
O facto de, a propósito destas “crónicas”, ter andado muitas vezes a vasculhar no sótão das minhas memórias de infância tem-me levado a lembranças curiosas…
Muito antes de saber o que era a América e de me ter tornado cinéfilo, quando os meus heróis ainda não eram os do celulóide mas sim os das “histórias aos quadradinhos” do “Falcão” ou do “Mundo de Aventuras” (o meu saudoso luso-britânico Major Jaime Eduardo de Cook e Alvega…), já eu andava embeiçado pelos lagos americanos.
Naqueles tempos os filmes que passavam na televisão eram os dos anos 30 e 40, e era frequente aparecerem cenas nos grandes lagos. Essas cenas também surgiam, com muita frequência, nas séries americanas da RTP desses tempos. Isso fez com que eu me tivesse perdido de amores pelos lagos, pelos barcos a gasolina de madeira que os atravessavam e por mais uma coisa, que eu não sei se vocês se lembram: aquelas carrinhas que tinham as portas revestidas de madeira e que apareciam com muita frequência nessas cenas junto aos lagos. Se, porventura, conhecerem a capa do LP “Fly Throught the Country”, dos New Grass Revival, saberão a que me refiro.
Donde me vem essa sedução pelos lagos? Não o sei ao certo, mas posso deitar-me a adivinhar. Talvez que, para um miúdo que tinha uma enorme atracção mas, simultaneamente, muito medo do mar, essas grandes extensões de água rodeadas de árvores gigantescas e de altas montanhas, com um lindo céu azul por cima (imaginava-se sempre assim na era do “preto e branco”…) me dessem uma sensação de conforto e segurança que não encontrava noutros sítios. Era assim uma espécie de mar que “vem comer à mão”, como no poema do O ’Neil. Ou talvez também que, sendo quase todos esses filmes e séries banhados por uma grande sensação de paz, harmonia, e serenidade, isso fosse altamente sedutor para um puto habituado a ver três irmãos (muito…) mais velhos do que ele permanentemente engalfinhados uns com os outros, e que não raro se juntavam os três para se engalfinharem contra ele…
Quanto aos “gasolinas” de madeira, quando abriu a antiga Feira Popular, em Entrecampos, uma das diversões que havia, logo à entrada da porta principal, era um pequeno “lago” rectangular onde se podia andar às voltas com um barco desse tipo, de madeira e tudo... Sempre puxei para me levarem lá, mas sempre “levei sopa”. Que não tinha graça nenhuma para as crianças, diziam-me… Que era a diversão mais cara da Feira, apercebi-me eu quando lá fui pela primeira vez à minha custa, no dia em que passei no exame de admissão ao liceu e o meu pai me levou à Feira comer um frango inteiro e me meu 20$00 para diversões, o que, para mim, era uma fortuna naquele tempo. Fui logo a correr direitinho ao “gasolina”, sentei-me e garanto-vos que, por uma pequena fracção de segundos, todo aquele espaço circundante da roda dos aviões, da venda de algodão doce e dos furinhos do chocolate Regina foram substituídos por altas montanhas, grandes pinheiros e cabanas de madeira…
Não é, assim, de estranhar que muitos dos filmes de que gosto se passem ou tenham cenas em lagos. Para além dos já referidos, “Leave her to Heaven”, do John Stahl, “The Magnificent Obsession”, do Sirk, “Daisy Miller” do Bogdanovich e tantos outros, entre os quais diversos “westerns”. Ainda hoje, quando vejo num filme um bonito lago, o filme e eu respiramos melhor...
Por tudo isto que vos disse, eu não poderia deixar de visitar os grandes lagos americanos e, finalmente, consegui vir a Lake Tahoe, que é atravessado pela fronteira entre a Califórnia e o Nevada. Não é o maior lago dos Estados Unidos mas, no dizer de muito boa gente, o mais bonito. Como quase todos os lagos americanos que ficam em altitude, funciona como estância balnear no Verão e de ski no Inverno. E mesmo em Julho é possível vislumbrar neve nalguns picos da montanha.
Quase todos os grandes “gangster” e altos senhores das finanças e dos negócios (a distinção, por vezes, não é fácil…), berm como as vedetas de Hollyood, tinham por aqui as suas “cottages”, e a Família de Don Corleone não podia fugir à regra… Algumas dessas casas mantiveram-se de pé e são, hoje, monumentos estaduais, como é o caso da Thunderbird Lodge, da Vigiingsholm e da Ehrman Mansion. E há, também, grandes casinos, como o Caesar’s Tahoe e o Harrah’s.
A estrada que bordeja o lago, ao longo de quase 100 Kms, tem zonas belíssimas, e até há quem tenha escrito que a sua parte norte constitui “the most beautiful drive in América”. Mas deve ser gente que nunca fez a Estrada Nº 1 entre Monterey e San Luís Obispo, ou que nunca atravessou o Parque de Yosemite…
Por mim, cheguei tarde mas regalei-me. Instalámo-nos num “bungalow” na floresta, tivemos direito a um excelente jantar à beirinha do lago, percorremos a estrada à volta do lago de ponta a ponta e ainda tivemos tempo para um piquenique e para um bom mergulho nas suas águas. Só não andámos de barco porque já não há “gasolinas” de madeira e deixámos essa aventura (e que aventura!...) para outros lagos - os Mammoth Lakes - tal como vos contarei numa próxima oportunidade…
Colaboração de Luís Mira
O facto de, a propósito destas “crónicas”, ter andado muitas vezes a vasculhar no sótão das minhas memórias de infância tem-me levado a lembranças curiosas…
Muito antes de saber o que era a América e de me ter tornado cinéfilo, quando os meus heróis ainda não eram os do celulóide mas sim os das “histórias aos quadradinhos” do “Falcão” ou do “Mundo de Aventuras” (o meu saudoso luso-britânico Major Jaime Eduardo de Cook e Alvega…), já eu andava embeiçado pelos lagos americanos.
Naqueles tempos os filmes que passavam na televisão eram os dos anos 30 e 40, e era frequente aparecerem cenas nos grandes lagos. Essas cenas também surgiam, com muita frequência, nas séries americanas da RTP desses tempos. Isso fez com que eu me tivesse perdido de amores pelos lagos, pelos barcos a gasolina de madeira que os atravessavam e por mais uma coisa, que eu não sei se vocês se lembram: aquelas carrinhas que tinham as portas revestidas de madeira e que apareciam com muita frequência nessas cenas junto aos lagos. Se, porventura, conhecerem a capa do LP “Fly Throught the Country”, dos New Grass Revival, saberão a que me refiro.
Donde me vem essa sedução pelos lagos? Não o sei ao certo, mas posso deitar-me a adivinhar. Talvez que, para um miúdo que tinha uma enorme atracção mas, simultaneamente, muito medo do mar, essas grandes extensões de água rodeadas de árvores gigantescas e de altas montanhas, com um lindo céu azul por cima (imaginava-se sempre assim na era do “preto e branco”…) me dessem uma sensação de conforto e segurança que não encontrava noutros sítios. Era assim uma espécie de mar que “vem comer à mão”, como no poema do O ’Neil. Ou talvez também que, sendo quase todos esses filmes e séries banhados por uma grande sensação de paz, harmonia, e serenidade, isso fosse altamente sedutor para um puto habituado a ver três irmãos (muito…) mais velhos do que ele permanentemente engalfinhados uns com os outros, e que não raro se juntavam os três para se engalfinharem contra ele…
Quanto aos “gasolinas” de madeira, quando abriu a antiga Feira Popular, em Entrecampos, uma das diversões que havia, logo à entrada da porta principal, era um pequeno “lago” rectangular onde se podia andar às voltas com um barco desse tipo, de madeira e tudo... Sempre puxei para me levarem lá, mas sempre “levei sopa”. Que não tinha graça nenhuma para as crianças, diziam-me… Que era a diversão mais cara da Feira, apercebi-me eu quando lá fui pela primeira vez à minha custa, no dia em que passei no exame de admissão ao liceu e o meu pai me levou à Feira comer um frango inteiro e me meu 20$00 para diversões, o que, para mim, era uma fortuna naquele tempo. Fui logo a correr direitinho ao “gasolina”, sentei-me e garanto-vos que, por uma pequena fracção de segundos, todo aquele espaço circundante da roda dos aviões, da venda de algodão doce e dos furinhos do chocolate Regina foram substituídos por altas montanhas, grandes pinheiros e cabanas de madeira…
Não é, assim, de estranhar que muitos dos filmes de que gosto se passem ou tenham cenas em lagos. Para além dos já referidos, “Leave her to Heaven”, do John Stahl, “The Magnificent Obsession”, do Sirk, “Daisy Miller” do Bogdanovich e tantos outros, entre os quais diversos “westerns”. Ainda hoje, quando vejo num filme um bonito lago, o filme e eu respiramos melhor...
Por tudo isto que vos disse, eu não poderia deixar de visitar os grandes lagos americanos e, finalmente, consegui vir a Lake Tahoe, que é atravessado pela fronteira entre a Califórnia e o Nevada. Não é o maior lago dos Estados Unidos mas, no dizer de muito boa gente, o mais bonito. Como quase todos os lagos americanos que ficam em altitude, funciona como estância balnear no Verão e de ski no Inverno. E mesmo em Julho é possível vislumbrar neve nalguns picos da montanha.
Quase todos os grandes “gangster” e altos senhores das finanças e dos negócios (a distinção, por vezes, não é fácil…), berm como as vedetas de Hollyood, tinham por aqui as suas “cottages”, e a Família de Don Corleone não podia fugir à regra… Algumas dessas casas mantiveram-se de pé e são, hoje, monumentos estaduais, como é o caso da Thunderbird Lodge, da Vigiingsholm e da Ehrman Mansion. E há, também, grandes casinos, como o Caesar’s Tahoe e o Harrah’s.
A estrada que bordeja o lago, ao longo de quase 100 Kms, tem zonas belíssimas, e até há quem tenha escrito que a sua parte norte constitui “the most beautiful drive in América”. Mas deve ser gente que nunca fez a Estrada Nº 1 entre Monterey e San Luís Obispo, ou que nunca atravessou o Parque de Yosemite…
Por mim, cheguei tarde mas regalei-me. Instalámo-nos num “bungalow” na floresta, tivemos direito a um excelente jantar à beirinha do lago, percorremos a estrada à volta do lago de ponta a ponta e ainda tivemos tempo para um piquenique e para um bom mergulho nas suas águas. Só não andámos de barco porque já não há “gasolinas” de madeira e deixámos essa aventura (e que aventura!...) para outros lagos - os Mammoth Lakes - tal como vos contarei numa próxima oportunidade…
Colaboração de Luís Mira
5 comentários:
Mais um fresco em miniatura. Uma récita digna de leitura prazeirenta como quem visita um lugar de memória desconhecida mas com referências já revisitadas.
Estas crónicas de Luís Mira lembram-me sempre os artigos extensos de Philippe Garnier na Rock & Folk dos setenta, com as descrições das paisagens americanas, incluindo as urbanas e ligadas aos mitos da música popular e do cinema.
Lembram-me ainda as crónicas de viagens de um/a autor/a que na Rolling Stone dessa época escrevia sobre Istambul, Veneza, LOndres e lugares assim: só me recordo do apelido que era Morris.
Esta América assim descrita, apetece visitar.
E este lado lembra-me um disco que nunca ouvi: The car over the lake album, dos Ozark Mountain Daredevils.
"lado" que é lago, claro.
Obrigado pelo comentário, José!
E temos mais uma coisa em comum: não é que a capa desse disco dos "Ozark Mountain Daredevils", com o carro a despenhar-se no lago, está farta de me passar pelos olhos, e eu nunca ouvi o raio do disço, embora já tenha lido boas referências...!
Mais uma lacuna a rectificar, rápidamente...!
Um abraço!
....e, não se tratando de "conversas de tias", não posso deixar de agradecer ao Gin-Tonic o enorme trabalho de adaptação de textos que tem tido, e ao "Big Chief" o espaço suplementar que tem disponibilizado...
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