quarta-feira, 19 de agosto de 2009

SWEETHEART OF THE RODEO


Nunca fui a um "rodeo" nos Estados Unidos, embora tenha visto diversos anunciados. Aquela multidão uivante não me atrai, tal como não me atraem os gritos do locutor de serviço ao microfone ou o saber quantos segundos o pobre cowboy se vai aguentar em cima daqueles animais, antes de dar a queda fatal.

Nos "rodeos", um pouco como no circo, penso sempre no fim de festa, quando os artistas tiram a camisa e o pó da cara e se veem por todo o corpo as cicatrizes e as marcas das pancadas acumuladas ao longo dos anos. Penso em Robert Mitchum, no início do filme do Nick Ray, a atravessar a "arena" a coxear com o saco dos trapinhos às costas, enquanto o vento faz rodopear em torno dele um remoinho de areia e papeis de jornal deixados ao abandono. Imagino-o a subir o monte que vai dar à sua velha casa de família e a esgueirar-se por debaixo dela à procura do sítio onde se escondem as recordações da sua infância. Mas, para alguém como ele, já não era tempo de voltar a casa...

Nos "rodeos" lembro-me dos personagens à deriva do "Junior Bonner", do Peckinpah, da inesquecível cena da morte de um desses palhaços que se escondem dentro dos bidons num filme cujo nome não consigo agora recordar.

Não sei porquê mas nos "rodeos" só me consigo lembrar dos "loosers", daqueles para os quais o sonho americano não se cumpriu: os dançarinos que se suportam mutuamente em pé durante dias, por um punhado de dólares, no excelente livro do Horace McCoy do qual o Pollack soube tirar uma adaptação honrosa; o Sterling Hayden a morrer na relva com os cavalos a lamberem-lhe a face, no final do filme do John Huston; Rico Ratso, ao lado do cowboy da meia-noite, camisa amarela estampada novinha em folha, a tossir e a suar perdidamente, e a morrer de cabeça encostada à janela do autocarro depois de ter visto as primeiras palmeiras da Florida...
E foi de todo este lado mais sombrio da América que me lembrei quando encontei este pequeno espaço, perdido no meio de nenhures, a caminho de Bryce Canyon.

Colaboração de Luís Mira

6 comentários:

Camilo disse...

Consta que o Manuel Pinho queria por uma tabuleta assim, à entrada do "palramento"...

(S)LB disse...

Mais uma excelente prosa sobre a american way of life!

Nunca assisti a um rodeo norte-americano, no entanto, a experiência que tive com este tipo de “eventos”, foi assistir a um “sucedâneo de rodeo”: um brasileiríssimo "rodeio", nos arredores da cidade de Campinas, SP, onde esta indústria de entretenimento é florescente, tendo a sua Meca, na feira de Barretos, SP, onde acorrem centenas de milhares de pessoas. Nesta versão brasileira, muito em voga nos seus Estados do centro-sul (São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul e no sul de Minas Gerais), os "peões" (cowboys) são estrelas populares, igualáveis a jogadores de futebol. A sua perícia é tentarem manter-se, por alguns segundos, em cima de... bois de enoooormes dimensões.

A difernça, com os EUA é que, enquanto os cowboys ouvem e cantam música country, aqui o reino é a melosa música sertaneja e as famigeradas duplas sertanejas, que tanto sucesso fazem no interior do Brasil, tipo: Leandro & Leonardo, Bruno & Marrone, Daniel & Leonardo, Edson & Hudson, Chitãozinho & Xoróró, Zézé di Camargo & Luciano, etc. Arrrrrgggghhhhh!

Luis Mira disse...

Sabia que rodeos destes existem na Argentina, mas não no Brasil. A minha "cultura geral" agradece a informação!

(S)LB disse...

Pois caro Luis Mira

li agora na internet, que a Festa do Peão Boiadeiro de Barretos (é assim que oficialmente se chama) teve o seu início em 1956 e a sua edição deste ano, coicidentemente, (ou como diz alguém que conheço: ele há bruxas!), começou ... ontem, dia 20!

filhote disse...

Como "novo brasileiro", confirmo (quase) todas as informações dadas pelo amigo (S)LB.

Nas zonas citadas do Brasil, a atmosfera é totalmente pseudo-norte-americana. Aliás, foi numa fazenda do interior paulista que Mick Jagger e Keith Richards compuseram "Honky Tonk Women", justamente inspirados pela atmosfera circundante.

E neste último ponto - a atmosfera circundante - tenho de emendar uma imprecisão do (S)LB. Ao contrário do que ele escreveu, existem inúmeras bandas Country, de sucesso, cuja única diferença reside na língua cantada - o português, naturalmente. Conheço vários músicos integrantes dessas bandas Country.

Aliás, também muitos dos "sertanejos" citados inspiram-se nos sons, ritmos, e demais fórmulas musicais da Country.

(S)LB disse...

Sim, filhote, em bom rigor existe no meio do rodeio uma atmosfera norte-americana, a que também não é alheio o facto do próprio tipo de vida paulista, por muito brasileiro que seja, salvaguardando as específicas características intrínsecas, tem também muitas semelhanças com o de uma qualquer cidade norte-americana.

No meio do rodeio circulam, de facto, alguns grupos de música country (e também de rockabilly, com a sua característica fauna com os penteados com brilhantina e pin-ups com tatoos), e mesmo na cidade de S.Paulo existem circuitos específicos, mas, amigo filhote, tu aí no Rio talvez não te apercebas, mas o fenómeno da onda da cultura caipira e sertaneja é incomparável em relação às demais, arregimentando um nº cada vez maior de fãs.

Creio não exagerar quando afirmo que me assusto de só de pensar que esta sub-cultura esteja no topo das preferências dos consumidores de música no Brasil. Infelizmente, digo eu!

PS Por todas as razões, uma música como "Honk Tonk Women", só poderia ser composta em S. Paulo! hehehheh