terça-feira, 10 de junho de 2008

BLIND FAITH


Um dia recebi uma chamada de Bob Seidemann, que conhecera em São Francisco. Para além de fotógrafo, Bob era um homem vagamente excêntrico e muito engraçado.

Tínhamos passado grandes momentos juntos nos tempos do Pheasantry. Parecia uma personagem saída de um desenho de Robert Crumb, que também era amigo dele.

Era muito alto e tinha um cabelo comprido e encrespado, todo eriçado para trás, um nariz e um rosto muito grandes e umas pernas longas e delgadas.

Bob disse-me que tinha uma ideia para uma nova capa para nós. Não quis dizer o que era, mas ia concluí-la e mostrá-la quando estivesse pronta.

Quando finalmente a apresentou, lembro-me de pensar que era deliciosa.

Era uma fotografia de uma rapariga nova e pubescente de cabelos ruivos encaracolados, fotografada da cintura para cima, nua, segurando um avião prateado e bastante modernista que tinha sido desenhado pelo meu amigo joalheiro Micko Milligan.

Atrás dela via-se uma paisagem com uma colina verde, fazendo lembrar os Bershire Downs, e um céu azul com nuvens brancas a passar.

Eu adorei-a imediatamente porque achei que captava muito bem a definição do nome do nosso grupo - a justaposição da inocência, sob a forma de uma rapariga, e da experiência, da ciência e do futuro representados pelo avião.

Disse a Bob que não devíamos estragar a imagem com o nome da banda na capa e ele teve a ideia de o escrever no papel do invólucro. Quando retirávamos a capa, ficava uma fotografia imaculada.

Mas a capa causou um grande tumulto. As pessoas diziam que a representação da jovem era pornográfica e nos Estados Unidos os distribuidores ameaçaram boicotar o disco.

Como estávamos prestes a embarcar numa grande digressão pela América, não tivémos outro remédio senão substituí-la por uma fotografia nossa na sala de Hurtwood.

Colaboração de Eric Clapton (eheheh)

in "Autobiografia", Casa das Letras, 2008, pág. 129

7 comentários:

Rato disse...

Também estou a ler a auto-biografia do EC. E a gostar, muito.
Quanto a esta capa só muito recentemente adquiri o vinil (americano) via ebay. Mas claro que ainda tenho o original censurado (julgo que por isso mesmo muito mais valioso), comprado na altura do lançamento do disco em Johannesburg. Além das várias edições saídas em CD - é que este album é uma das grandes referências do final dos sixties.

ié-ié disse...

Se estás a ler (como eu) e alguma coisa te chamar a atenção para publicação, manda!

LT

filhote disse...

Já li e gostei, embora seja literariamente pouco instigante. E do meio para o final, a narrativa vai perdendo interesse. Passa a ser um relato repetitivo de álcool e drogas, com pouca reflexão sobre a música propriamente dita.

Pudera! Segundo a Record Collector, Eric Clapton não escreveu uma linha! O texto foi construído a partir de horas e horas de entrevista passadas ao papel por um "ghost writer", alegadamente jornalista do "The Independent"...

Apesar desta desilusão, achei muito interessante a primeira parte do livro. Aquela que versa a infância e adolescência de Clapton.

ié-ié disse...

Ó camarada! E desde quando é que um livro deste tipo interesa do ponto de vista literário?

O que me interessa são histórias, factos, escritos por Eric ou alguém mandato por outrém!

Qurem ler literatura? Vão ler outrém, né?

LT

filhote disse...

Isso é verdade, Ié-Ié, não nego, mas, quanto à forma, há maneiras e maneiras de contar uma história.

Por exemplo, o Dave Marsh e o Peter Guralnick são mestres nessa arte, e o "Chronicles vol.1" do Dylan é notável.

Como gosto bastante do Clapton artista, acho que ele merecia melhor...

filhote disse...

Aliás, alguns escribas das "nossas" Uncut e Mojo conseguem transformar meros artigos em peças muito bem escritas e inspiradoras. De tal forma que acabo sempre por ler com prazer textos sobre artistas que nem me interessam.

Neste capítulo, o meu jornalista musical favorito é Peter Dogget.

ié-ié disse...

Também gosto desse, do Fred Dellar, mas tenho pouco apreço por um que escreve sobre Beatles, Spencer Leigh. Já tive uma chatice (resolvida) com ele.

LT