quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

JÁ QUE SE FALA DE CUBA...


Cuba era o último país que eu julgava ser impossível assaltarem-me, mas aconteceu, no dia 30 de Agosto de 1996, na famosa calle 23 (La Rampa), por onde Fidel Castro entrou vitorioso há 50 anos.

Cheguei a Havana para uma semana de férias em Cayo Largo no dia 29 de Agosto de 1996, uma quinta-feira, a bordo do Cubana de Aviación CU 9785.

E logo no dia seguinte, pimba! Um camarada montado numa motorizada a cair de podre tratou de me arrancar a mariconça, onde, entre outras coisas, residia o passaporte D-842878.

Primeiro passo: queixa na polícia, conforme documento na imagem. Segundo passo: tratar de obter na Embaixada de Portugal o Título de Viagem que me permitisse o regresso a Lisboa.

É inenarrável o que me aconteceu na aventura com a polícia. Só conto dois pequenos episódios para não enfastiar:

1 - Se bem repararem, o documento não tem carimbo. Não tinham tinta para ele! Ainda me pediram para ir a outra esquadra.

2 - Numa volta por Havana num carro da polícia, em que tinha de ir a segurar a porta para que não se abrisse, ainda passámos por um bar de putas para levantar outro polícia.

O segundo passo já não foi possível no imediato. A Embaixada estava fechada, era noite, e só no dia seguinte, pela manhã, às 09:32 locais, já em Cayo Largo solicitei, por fax, o Título de Viagem, relatando o ocorrido.

Nada me desmoralizou. Passei uma semana fantástica de férias. Era o primeiro ano de actividade do Hotel Pelicano e não devia haver mais de meia dúzia de turistas. Um verdadeiro paraíso!

No dia 04 de Setembro, abalei para Havana, rumo à Embaixada Portuguesa, levantei o Título de Viagem e tentei embarcar para Lisboa.

Digo bem tentei, porque as autoridades cubanas não me deixaram sair, alegando que o Título não tinha o selo branco da representação diplomática portuguesa.

Nada valeu de nada. Fui obrigado a ficar em Havana, sem dinheiro, sem cartões de crédito. Na Embaixada já ninguém estava, mas o embaixador, António Carvalho de Faria, disponibilizou-me a sua viatura e o motorista.

Valeu-me então o representante da Agência Abreu, Carlos Henrique Rosa de Oliveira: a título muito pessoal, arranjou-me hotel, emprestou-me dinheiro e tratou do meu regresso (sendo charter, o anterior bilhete de avião caducara). O bilhete de regresso custou-me 998 dólares!!!!!

E no dia 05 de Setembro, via Madrid, consegui chegar a Lisboa.

No mesmo dia, o embaixador português teve um encontro casual com a vice-ministra cubana dos Negócios Estrangeiros, Isabel Allende, que pediu compreensão (sic) pelo sucedido, atribuindo-o possivelmente à inexperiência do funcionário dos Serviços de Imigração.

Disse-me também que iriam ser dadas instruções à Embaixada de Cuba em Lisboa a fim de terem uma atenção para com o Sr. Jornalista (relatório do Embaixador).

E no dia 06 de Setembro, a Embaixada de Portugal em Havana viria a protestar oficialmente no Ministério cubano dos Negócios Estrangeiros, argumentando nomeadamente que nunca as autoridades de imigração do aeroporto José Marti deixaram de reconhecer como válidos os documentos de viagem emitidos pela missão diplomática.

Por mim, fiz queixa no Ministério dos Negócios Estrangeiros (Jaime Gama era o ministro) no dia 23 de Setembro, queixa que só seguiu para Havana no dia 15 de Outubro.

E só vim a tomar conhecimento da decisão cubana - a tal atenção para com o Sr. Jornalista - no dia 05 de Junho de 1997!!!!

Nesse mesmo dia, enviei uma carta à Embaixada de Cuba em Lisboa em que aceitava o pedido de compreensão de Isabel Allende (era até uma honra para mim!).

O signatário compreende, até porque nutre pelo povo cubano uma profunda simpatia e respeito (...) mas até mesmo a "compreensão" tem limites e os limites são o ressarcimento dos prejuízos causados ao signatário pela "inexperiência do funcionário dos Serviços de Imigração".

Dada a "compreensão" do signatário, o mesmo está disposto a abdicar de todos os prejuízos, com excepção do valor da passagem aérea de regresso a Lisboa que foi obrigado a desembolsar, 998 dólares norte-americanos, segundo consta do bilhete passado pela Cubana de Aviación.

Mas como o signatário compreende a situação e não deseja ter tão intransigente como o funcionário dos Serviços de Imigração, está disposto a que o ressarcimento a que julga ter direito seja feito em "tranches" a combinar.

(da carta enviada à Embaixada de Cuba em Lisboa)

Até hoje!!!!!

8 comentários:

josé disse...

Um modelo de Estade de...Esquerda, ainda hoje, para alguns.

Jack Kerouac disse...

Oh Iéié, essa história é curiosa, e realmente sendo Havana bastante mais segura do que qualquer outra grande Capital do mundo, não é totalmente imune aos assaltos,os meliantes ainda não foram todos para Miami. No entanto, e sendo tu um individuo viajado, imagina uma situação dessas, de ficares sem os documentos de identificação e bilhetes, em N.Y., e imagina-te a tentares viajar de lá para Portugal com uns papéis não carimbados passados pela embaixada de um país como Portugal, faz isto como exercício de imaginação :)

Anónimo disse...

Meu Deus! Que história! É esta a Cuba do Kerouac?

El radical

Rato disse...

Em todos os países existe o bom e o mau. Sem excepção!
Mas depois de ter visto o "SICKO" do Michael Moore de uma coisa tenho a certeza: se tiver algum problema sério de saúde não será para os EUA que eu me irei tratar. Livra!!!

filhote disse...

Jack, o "exercício de imaginação" está descrito por mim no post "Quando Sali de Cuba".

Anónimo disse...

Com esta "cena " do ié-ié, o melhor é nem sequer entrar!!!

Anónimo disse...

Aínda bem que em Portugal nada disto acontece!

Anónimo disse...

Ó Luís é melhor não voltares a Cuba para nâo te roubarem, opta pelo Rio de Janeiro, São Paulo, México, Lagos, LUANDA, etc. Eu estive em
Cuba muitas vezes, conheço toda a Ilha, estive nos limites possíveis de Guantamano (base americana), fui sempre bem tratado e acarinhado pelos cubanos, muitos dos quais foram meus médicos e da minha família em Angola ou meus assessores no INE.
Mas da 1a vez que fui ao Rio de Janeiro fui logo assaltado à saída do aeroporto. Ainda não havia nem Embaixada nem Consulado angolano no Brasil e regressei a LUANDA com um Salvo Conduto de cortesia.