quarta-feira, 2 de julho de 2008

MUITO LÁ ATRÁS


O futebol que me fez vibrar na infância já não existe.

Os jogos eram aos domingos e começavam todos às 3 da tarde. Agora começam à sexta-feira e prolongam-se até segunda-feira. No intervalo dos jogos deslocávamo-nos para o lado em que o Benfica iria atacar.

Para enfrentar o frio das pedras das bancadas alugavam-se almofadas e não raro, no final dos jogos, eram lançadas para o campo, tendo por alvo preferencial a polícia. Em redor do estádio estacionavam carros com mulheres dentro a fazer malha ou tricot. Não me lembro de as ver a ler um livro ou um jornal.

Havia clubes e não SADs sujeitas a flutuações da bolsa. As camisolas tinham uma só cor e apenas eram mudadas quando o adversário apresentava equipamento igual ou similar. Agora mudam consoante as ordens das adidas e das nikes.

Tempo em que o meu avô me dizia que o Benfica não era um clube mas uma maneira de estar na vida. Quando o Benfica ganhava – e, isso, acontecia muitas mais vezes do que hoje, o meu avô levava-me a comer uma bifana e beber meio copinho de vinho branco a uma “Cova Funda” ali à Praça do Chile que, espanto dos espantos, ainda existe. Mas só quando o Benfica ganhava e mesmo o empate não dava direito a nada.

O eléctrico demorava hora e meia a fazer o trajecto entre a Praça do Chile e Carnide. Em dia de Benfica-Sporting tínhamos que sair de casa ao meio-dia. À noite, após o jantar, sentávamo-nos a ouvir, na Emissora Nacional, o rescaldo da jornada.

Sabíamos, então, os restantes resultados, não havia transístores nem noticiários de meia em meia hora. No Rossio, ao cair da tarde de domingo, na parede à porta da loja do jornal “O Século”, era colado um papel, escrito à mão em letras grandes, com os resultados da 1ª Divisão.

O futebol hoje é um negócio de milhões de euros, um amontoado de trapalhadas, escândalos, insultos, violência entre as claques.

No topo do texto está o bilhete da Festa de Despedida de José Águas, pai de Lena d’Água que já foi visita do “Ié-Ié”.

José Águas foi meu ídolo da pré-adolescência. Claro que também houve o Eusébio mas isso é uma outra história.

José Águas foi avançado-centro, como então se dizia, um verdadeiro nº9, perfeita leitura de jogo, como mais tarde diria Gabriel Alves, um jogador fino, elegante e de uma correcção inexcedível. Tinha um estupendo jogo de cabeça.

Uma tarde na Tapadinha, na sequência de um “corner”, mandou uma tolada, ainda fora da grande área, que Ernesto, guarda-redes do Atlético, só deu por isso quando a bola balançou a rede e caiu no relvado.

José Águas foi mesmo a minha alegria de menino.

Despediu-se em 5 de Setembro de 1963 num jogo em que o Benfica venceu o F.C. do Porto por 3 a 2. O porteiro ao cortar o bilhete ficou com a parte em que agora se poderia ver o preço do bilhete, mas arrisco que teria custado 10$00.

Foi José Águas quem ergueu as duas taças de Campeão Europeu que o Benfica conquistou e que, segundo profecia de Bela Guttmann, não mais voltará a ganhar.

Realmente assim tem acontecido, mas penso continuar por aí para ver como vai ser. É que decididamente não acredito em bruxas!

Colaboração de Gin-Tonic

4 comentários:

josé disse...

Texto porreiro. Bonito de se ler.

Escrever na primeira pessoa e com base em experiências pessoais, resutla sempre bem.

O texto tem pistas de desenvolvimento que davam um livro.

NS disse...

"Foi José Águas quem ergueu as duas taças de Campeão Europeu"

Não é certamente novidade para ninguém, mas sempre que oiço falar em José Aguás relembro a hitória que o Ricardo Araújo Pereira dos Gato Fedorento costuma contar com alguma graça. A primeira vez que teve de pegar na filha não sabia como o fazer, até que achou que a melhor forma de o fazer seria pegar na filha como o Zé Águas pegou na Taça dos Campeões Europeus :-)

blog disse...

Falta etiqueta Lena d'água

blog disse...

O Gin Tonic também merecia etiqueta