Querem saber o que me aconteceu? Pois estava em casa sossegado a trabalhar ao computador e a fumar um charuto quando tocaram à campainha. Era a vizinha. Gira, por sinal. Quando abri a porta ela começou logo a censurar-me por estar a fumar.
Garante a vizinha (gira, por sinal) de que o meu charuto empesta a casa dela, que fica do outro lado do corredor, separada por duas portas grossas (uma da conduta do lixo) e pelo elevador.
Que não pode ser, diz a vizinha (gira, por sinal), que eu não posso fumar num prédio deste requinte (moro no Parque dos Príncipes, que, segundo me contam, é uma "zona bem" de Lisboa.
A vizinha gira ameaça correr-me do prédio numa reunião de condóminos se eu não parar de fumar...
Ainda balbuciei que não fumo cigarros, que só fumo um charuto quando o "rei faz anos", tentei dizer que estava em minha casa, essas coisas, mas ela não me deu chance. Ou paro de fumar ou tenho-a à perna (o que não será totalmente desagradável, até porque ela fica ainda mais gira quando se zanga).
Agora estou apavorado. E se ela descobre que sou judeu? Judeu e fumador ocasional de charutos. Devo passar a usar uma estrela amarela para poder frequentar "um prédio deste requinte"? Serei digno de Telheiras? Onde vou eu a esta hora encontrar uma estrela amarela?
Peço aos meus amigos que liguem de vez em quando para o telemóvel. Que me procurem em casa a ver se estou bem. Corro perigo de vida. Ouço ruídos suspeitos no átrio do prédio. Eles vêm aí para me pegar. A mim, o cavernícola que fuma charutos no seu próprio lar, de porta fechada e longe do olhar de toda a gente. SOCORRO!
Rui Baptista, jornalista, no blogue “Amor Ócio”
Colaboração de Gin-Tonic
Garante a vizinha (gira, por sinal) de que o meu charuto empesta a casa dela, que fica do outro lado do corredor, separada por duas portas grossas (uma da conduta do lixo) e pelo elevador.
Que não pode ser, diz a vizinha (gira, por sinal), que eu não posso fumar num prédio deste requinte (moro no Parque dos Príncipes, que, segundo me contam, é uma "zona bem" de Lisboa.
A vizinha gira ameaça correr-me do prédio numa reunião de condóminos se eu não parar de fumar...
Ainda balbuciei que não fumo cigarros, que só fumo um charuto quando o "rei faz anos", tentei dizer que estava em minha casa, essas coisas, mas ela não me deu chance. Ou paro de fumar ou tenho-a à perna (o que não será totalmente desagradável, até porque ela fica ainda mais gira quando se zanga).
Agora estou apavorado. E se ela descobre que sou judeu? Judeu e fumador ocasional de charutos. Devo passar a usar uma estrela amarela para poder frequentar "um prédio deste requinte"? Serei digno de Telheiras? Onde vou eu a esta hora encontrar uma estrela amarela?
Peço aos meus amigos que liguem de vez em quando para o telemóvel. Que me procurem em casa a ver se estou bem. Corro perigo de vida. Ouço ruídos suspeitos no átrio do prédio. Eles vêm aí para me pegar. A mim, o cavernícola que fuma charutos no seu próprio lar, de porta fechada e longe do olhar de toda a gente. SOCORRO!
Rui Baptista, jornalista, no blogue “Amor Ócio”
Colaboração de Gin-Tonic
3 comentários:
Adorei a história.
Parabéns, está expressiva,é uma sátira, em suma está óptima.
Gosto de tratar o sério com humor à mistura.
Para falar a sério, fumei durante 40 anos, não fumo desde Novembro de 2008.
História gira (ao que consta, como a vizinha) e muito bem contada. Mas é preciso cuidado com esse círculo vicioso:
vizinha gira, charuto fumado;
vizinha zangada, beleza reforçada;
mais charutos fumados, mais gira a vizinha;
Acaba mal. Para aí do género vizinha vaidosa e carteira desfalcada! Um mal nunca vem só.
E eu não fumo desde o "Let it be" mas, se bem me lembro ao fim de tanto tempo, o "Sagres" era pólvora...
Pode ser que tenha aontecido um final feliz...como nos velhos filmes de Hollywood...
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