terça-feira, 18 de agosto de 2009

UM ARTISTA DE VARIEDADES


BARCLAY - 6 007 - 1973

Lado 1

La Solitude – Les Albatros – Ton Style – Faites L’Amour – A Mon Enterrement

Lado 2

Les "Pop" – Tu Ne Dis Jamais Rien – Dabs Les "Night" – Le Conditionel de Varieté

Não passo de um artista de Variedades e não posso dizer nada que não seja «de variedades», para não ser acusado de falar de coisas que não me dizem respeito.

Como eu dizer-lhes que um Primeiro-Ministro britânico ou mesmo papua
Ou de outro sítio qualquer podia ser qualificado de incompetente.

Como eu dizer-lhes que um ministro do Interior
Duma república longínqua ou mais próxima podia ser um canalha.

Como eu dizer-lhes que as cadências nas fábricas Renault são extenuantes.

Como eu dizer-lhes que as cadências são extenuantes para os operários
Nunca para os presidentes.

Como eu dizer-lhes que a humilhação devia apesar de tudo
Ser travada, quando se trata das mulheres das indústrias químicas
Com os dedos roídos pelos ácidos e com os pulmões à rasca.

Como eu dizer-lhes que em Tourcoing e de modo geral nos têxteis,
Neste momento, é fácil mandar para a rua.

Como eu dizer-lhes que pode dar-se o caso de haver um prisioneiro politico
Cujo julgamento foi um mero pró-forma.

Como eu dizer-lhes que era capaz de seguir na rua
Aquele procurador que olha com agua na boca
Para o ventre duma menor, duma criança.

Como eu dizer-lhes que o tal procurador poderia ser o mesmo
Que poderia ter requerido contra aquele prisioneiro politico
Cujo julgamento foi mero pró-forma.

Como eu dizer-lhes que um intelectual pode descer à rua e vender o jornal.

Como eu dizer-lhes que este jornal é um jornal que poderia ter sido proibido.

Como eu dizer-lhes que o país que embirra com a liberdade de imprensa
É um país à beira do abismo.

Como eu dizer-lhes que o governo interessado por este género de imprensa
De oposição, poderia sem duvida estar convencido de que não há causa sem povo.

Como eu dizer-lhes que o tal jornal que poderia ter sido proibido
Pelo tal país à beira do abismo talvez se pudesse chamar: La Cause du Peuple.

Como eu dizer-lhes que, no caso improvável de ser proibido
O jornal La Cause du Peuple, seria necessário compra-lo e lê-lo.

Como eu dizer-lhes que se tornaria necessário falar dele aos amigos.

Como eu dizer-lhes que os amigos dos vossos amigos
Podem fazer milhões de amigos.

Como eu dizer-lhes para irem todos juntos fazer a revolução.

Como eu dizer-lhes que a revolução talvez seja uma variedade da política.

E não lhes digo nada que não seja «de variedades», eu que não passo de um artista de Variedades.

“Le Conditionnel de Varieté" foi traduzido por Manuel João Gomes em “Léo Ferre”, Ulmeiro, Março de 1984.

Colaboração de Gin-Tonic

3 comentários:

josé disse...

Em 1975 o programa Página Um da RR, com Luíz Filipe ( Paixão) Martins, passava muitas vezes grupos franceses, editados pela Chant du Monde.
Um deles tinha uma canção chamada Cadence, por causa da tal cadência.

A linguagem de então era de esquerda comunista, como é este panfleto de Leo Ferré.

O que não significa que não tenha razão no que diz...

O problema das cadências foi resolvido em trinta anos?

É perguntar ao António Chora e o que pensa disso.

gin-tonic disse...

Caro José, o Léo Ferré era essencilamente um anarquista e colá-lo aos comunistas é coisa que nunca foi do seu agrado. Passou a vida a dizer: "não gosto de bandeiras". Poucos o ouviram e daí as etiquetas de esquerda comunista, and so on.

josé disse...

É verdade que o Ferré era anarca. Mas também é verdade que o discurso sobre a cadence nas fábricas e os patrões exploradores de mais valias, dignos por isso da expropriação e da vitória dos trabalhadores na luta de classes é o discurso comunista.


O Jean-Paul Sartre andava nos mesmos caminhos mas no fim da vida retratou-se numa entrevista ao Nouvel Observateur e que o O Jornal publicou por cá em vários números ( que tenho por aí).