Can I ask each one of you to light a match,
so I can see where you are…
Que me desculpe a imensa comunidade de fieis que habita este “blog”, mas não posso partilhar convosco a convicção de que a remasterização da obra completa dos Beatles é o acontecimento discográfico do ano…
A minha “Religião” é outra e, para mim, o verdadeiro acontecimento é a edição desta pérola, “Leonard Cohen Live at The Island of Wight -1970”, que contém o CD da actuação de LC no dito festival, mas também o filme que dessa mesma actuação fez Murray Lester, o mesmo realizador de “Festival”, sobre o Festival de Música Folk de Newport, de “The Other Side of the Mirror”, sobre as actuações de Bob Dylan no mesmo festival e de “Message to Love”, que não conheço, sobre o Festival de Wight.
Os fans de LC sabiam há muito da existência destas gravações e destas filmagens, e os mais velhos, como eu, interrogavam-se até se alguma vez haveriam de as ver em vida. Um pouco como estava a acontecer com os “ficheiros secretos” do Neil Young, recentemente também divulgados…
A chegada desta obra ao mercado deveria ter sido acompanhada de foguetes, toques de sino, fanfarras, eu sei lá… Mas não, pelo menos por cá. O mercado e os jornalistas que o alimentam andam demasiado entretidos com Michael Jackson e com os milhões que gravitam à volta da sua imagem…
Eu não me vou alongar sobre o que se passou nessa mítica noite de 31 de Agosto de 1970, que o livro que acompanha a obra documenta bem. Dir-vos-ei, apenas, que chegaram à Ilha de Wight para os 5 dias de concertos 600.000 pessoas, quando as melhores expectativas dos organizadores não excediam as 200.000. As condições logísticas para acolher tanta gente eram, naturalmente, precárias, e isso lançou uma onda de confusão que se iria alastrar durante todo o evento.
Antes de LC ter subido ao palco já Kris Kristofferson tinha sido obrigado a abandoná-lo por força das garrafas de cerveja que lhe caiam em cima, aparentemente por o som estar a sair em más condições. E durante a actuação de Jimi Hendrix uma parte do palco foi incendiada…
A anarquia tinha-se instalado naquele último dia do festival e tudo era possível. No meio de toda essa confusão não se sabia muito bem os horários de cada “performance”, e consta que LC foi acordado às 2 da manhã quando dormia na sua “roulote”. Kristofferson diz que até o chegou a ver em pijama, mas foi já com o seu casaco de safari que Cohen se apresentou em palco, acompanhado por um conjunto de músicos que se auto-nomearam “The Army”, dos quais faziam parte nomes conhecidos como Bob Johson e Charlie Daniels. E o inevitável coro de meninas também já por lá andava, nessa altura…
Cohen apresentou-se despenteado e com a barba de três dias com que o haveríamos de ver, no ano seguinte, na capa de “Songs of Love and Hate”.
Adivinha-se o pior mas Cohen, com uma calma impressionante, conseguiu controlar a multidão e quase hipnotizá-la… Começou por contar uma história antiga dos tempos em que ia ao circo com o seu velho pai e, a propósito, pediu a cada um dos presentes que acendesse um fósforo, de modo a que ele os pudesse ver e todos também se pudessem ver melhor, uns aos outros… E arrancou, muito lentamente, com o “Bird on the Wire”.
Mas o que faz deste disco uma obra indispensável não é tanto o CD, embora este reúna verdadeiras preciosidades pouco ouvidas “ao vivo” no futuro, já que se baseia nos primeiros e mais intimistas dos seus álbuns. Aqui não há lugar a “First We Take Manhatan”, “I’m Your Man” ou “Tower of Song”’s, que tanto sucesso público fizeram no futuro e de que eu tão pouco gosto …
Em contrapartida, são reveladas pela primeira vez três músicas que hão-de fazer parte de “Songs of Love and Hate” (“Famous Blue Raincoat”, “Diamonds in the Mine” e “Sing Another Song, Boys”), com a particularidade desta última ser, precisamente, a versão “ao vivo” que há-de aparecer nesse terceiro disco. E a versão de “Tonigh Will be Fine” é a que haveremos de encontrar em “Live Songs”, álbum de 1973.
Em boa verdade, o que mais me impressiona são as imagens de Cohen: a pureza do seu olhar perdido no vazio, a forma como saboreia e coloca cada palavra das suas canções e dos poemas que declama, o sorriso triste e efémero que lhe perpassa pelo rosto… Não me envergonho de vos dizer que, aqui e além, me vieram lágrimas aos olhos. Não de nostalgia por esses tempos passados… Mas de pura emoção, como um dia me lembro de ter chorado durante uma missa no interior de uma capelinha de St. Wolfgand, nos lagos austríacos, eu que sou profundamente ateu...
“God bless Leonard Cohen and his music”, diz-nos Judy Collins numa entrevista do filme de Lerner. Não podia ter escolhido melhores palavras…
Colaboração de Luís Mira
so I can see where you are…
Que me desculpe a imensa comunidade de fieis que habita este “blog”, mas não posso partilhar convosco a convicção de que a remasterização da obra completa dos Beatles é o acontecimento discográfico do ano…
A minha “Religião” é outra e, para mim, o verdadeiro acontecimento é a edição desta pérola, “Leonard Cohen Live at The Island of Wight -1970”, que contém o CD da actuação de LC no dito festival, mas também o filme que dessa mesma actuação fez Murray Lester, o mesmo realizador de “Festival”, sobre o Festival de Música Folk de Newport, de “The Other Side of the Mirror”, sobre as actuações de Bob Dylan no mesmo festival e de “Message to Love”, que não conheço, sobre o Festival de Wight.
Os fans de LC sabiam há muito da existência destas gravações e destas filmagens, e os mais velhos, como eu, interrogavam-se até se alguma vez haveriam de as ver em vida. Um pouco como estava a acontecer com os “ficheiros secretos” do Neil Young, recentemente também divulgados…
A chegada desta obra ao mercado deveria ter sido acompanhada de foguetes, toques de sino, fanfarras, eu sei lá… Mas não, pelo menos por cá. O mercado e os jornalistas que o alimentam andam demasiado entretidos com Michael Jackson e com os milhões que gravitam à volta da sua imagem…
Eu não me vou alongar sobre o que se passou nessa mítica noite de 31 de Agosto de 1970, que o livro que acompanha a obra documenta bem. Dir-vos-ei, apenas, que chegaram à Ilha de Wight para os 5 dias de concertos 600.000 pessoas, quando as melhores expectativas dos organizadores não excediam as 200.000. As condições logísticas para acolher tanta gente eram, naturalmente, precárias, e isso lançou uma onda de confusão que se iria alastrar durante todo o evento.
Antes de LC ter subido ao palco já Kris Kristofferson tinha sido obrigado a abandoná-lo por força das garrafas de cerveja que lhe caiam em cima, aparentemente por o som estar a sair em más condições. E durante a actuação de Jimi Hendrix uma parte do palco foi incendiada…
A anarquia tinha-se instalado naquele último dia do festival e tudo era possível. No meio de toda essa confusão não se sabia muito bem os horários de cada “performance”, e consta que LC foi acordado às 2 da manhã quando dormia na sua “roulote”. Kristofferson diz que até o chegou a ver em pijama, mas foi já com o seu casaco de safari que Cohen se apresentou em palco, acompanhado por um conjunto de músicos que se auto-nomearam “The Army”, dos quais faziam parte nomes conhecidos como Bob Johson e Charlie Daniels. E o inevitável coro de meninas também já por lá andava, nessa altura…
Cohen apresentou-se despenteado e com a barba de três dias com que o haveríamos de ver, no ano seguinte, na capa de “Songs of Love and Hate”.
Adivinha-se o pior mas Cohen, com uma calma impressionante, conseguiu controlar a multidão e quase hipnotizá-la… Começou por contar uma história antiga dos tempos em que ia ao circo com o seu velho pai e, a propósito, pediu a cada um dos presentes que acendesse um fósforo, de modo a que ele os pudesse ver e todos também se pudessem ver melhor, uns aos outros… E arrancou, muito lentamente, com o “Bird on the Wire”.
Mas o que faz deste disco uma obra indispensável não é tanto o CD, embora este reúna verdadeiras preciosidades pouco ouvidas “ao vivo” no futuro, já que se baseia nos primeiros e mais intimistas dos seus álbuns. Aqui não há lugar a “First We Take Manhatan”, “I’m Your Man” ou “Tower of Song”’s, que tanto sucesso público fizeram no futuro e de que eu tão pouco gosto …
Em contrapartida, são reveladas pela primeira vez três músicas que hão-de fazer parte de “Songs of Love and Hate” (“Famous Blue Raincoat”, “Diamonds in the Mine” e “Sing Another Song, Boys”), com a particularidade desta última ser, precisamente, a versão “ao vivo” que há-de aparecer nesse terceiro disco. E a versão de “Tonigh Will be Fine” é a que haveremos de encontrar em “Live Songs”, álbum de 1973.
Em boa verdade, o que mais me impressiona são as imagens de Cohen: a pureza do seu olhar perdido no vazio, a forma como saboreia e coloca cada palavra das suas canções e dos poemas que declama, o sorriso triste e efémero que lhe perpassa pelo rosto… Não me envergonho de vos dizer que, aqui e além, me vieram lágrimas aos olhos. Não de nostalgia por esses tempos passados… Mas de pura emoção, como um dia me lembro de ter chorado durante uma missa no interior de uma capelinha de St. Wolfgand, nos lagos austríacos, eu que sou profundamente ateu...
“God bless Leonard Cohen and his music”, diz-nos Judy Collins numa entrevista do filme de Lerner. Não podia ter escolhido melhores palavras…
Colaboração de Luís Mira
8 comentários:
Os jornalistas não desperdiçam tempo com estas secas...
D.
Mas os "jornalistas" têm sequer tempo para desperdiçar? Julgo que esse privilégio não está ao alcance de qualquer um. Mas adiante...
Este belo texto do Luís Mira é de criar água na boca (ou nos ouvidos), sobretudo aos velhos admiradores do Cohen (esta dos "velhos" é condição essencial para se ser um verdadeiro fan do autor de "Bird on the Wire" - tal como o Luís refere, nessa altura da alvorada dos anos 70 o LC ainda se encontrava naquela fase minimalista em que cada palavra ou acorde tinha sempre o toque dos deuses). Como provavelmente esta pérola estará à venda por cá (se estiver) a um preço exorbitante, vou já procurá-la na Amazon.
Obrigado, Luís!
Encomenda já feita: 18,45 euros, incluindo portes. Pelo que li o DVD apresenta 19 temas e o CD 18, e que tudo será inédito.
Talvez ainda chegue a tempo do fim de semana. A propósito, para que horas está marcado o almoço no sábado? E desta vez há bacalhau com todos?
Eu tenho a bondade de não julgar assim a totalidade de uma classe profissional, mas também não tenho dúvidas de que, hoje como ontem, muitos deles estão dispostos a fazer todos os fretes na esperança que lhes caia no sapatinho para viagenzita a Londres para um lançamento ou, se não puder ser, um "kit" de garrafitas do melhor...
Não tem nada que agradecer Rato, e vai ver que não vai lamentar o investimento! Uma correcção: estou a escrever no escritório e não tenho o disco à mão, mas parece-me que o DVD tem menos músicas que o CD. Talvez sejam 9, e não 19, como vocé refere... E inéditas, pelo menos duas músicas não o são, tal como referi.
Também continuo à espera dos pormenores da organização de Sábado. O que já percebi é que, na falta de francesinhas, o editor já começou por comer o "THE" do título original deste "post": Come from the shadows, que todos os amantes de Cohen sabem a que se refere...
Por uma vez, Mira, tens toda a razão: "a remasterização da obra completa dos Beatles (não) é o acontecimento discográfico do ano". É da década!
LT
Brincalhão...! Mas deixa lá, porque as minorias também precisam dos seus heróis...
Só não sei é o que é que os herdeiros do Michael Jackson vão agora inventar, para continuar a dar corda a fanáticos como tu...
Herdeiros de Michael Jackson? Não percebi...
Mais uma vez estás cheio de razão, Mira, não, não sou fanático de Leonard Cohen!
LT
Sim... Então a maior parte dos direitos das músicas dos Beatles não lhes pertence, agora, a eles....? Ou não percebi nada da história...?
Quando ao resto, eu eduquei as minhas filhas a ensinar-lhes que deviam desconfiar de quem não gostasse de Leonard Cohen...! Mas contigo abro uma excepção...
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