Well it winds from Chicago to LA
More than two-thousand miles all the way
Get your kicks on Route Sixty-Six
É provável que, em toda a história da Música Popular, haja muito mais temas sobre ruas, largos, praças e jardins do que haverá sobre estradas. Mas isso não impede que sejam muitas as músicas sobre estradas, e o próprio Bob Dylan até dedicou a uma delas o título de um álbum: “Highway 61 Revisited”. E há também aquelas músicas que, não se referindo expressamente a nenhuma em particular, trazem dentro de si um enorme apelo pela estrada, como sucede em muitas dos Byrds ou de Bruce Springsteen, a começar por essa pérola de álbum que se arrisca a ficar injustamente esquecida na sua discografia que é o “Nebraska”.
Mas de todas as “road songs”, a mais célebre é bem capaz de ser “Get Your Kicks On Route 66”, que Bobby Troup escreveu em 1946 e que eu conheci, pela primeira vez, na interpretação de Nat King Cole com o seu trio.
A história da Route 66 é conhecida: foi a primeira estrada a atravessar completamente os Estados Unidos, desde Chicago até Santa Mónica, em Los Angeles, ao longo de oito estados diferentes. Steinbeck chamou-lhe “Mother Road”, a “Associação de Amigos” chama-lhe “Main Street of America” e há mesmo quem afirme que é a mais famosa estrada do mundo...
A Route 66 é assim chamada desde 1926, muito embora só tenha ficado completamente alcatroada dez anos depois. Teve o seu auge nos anos 40 e 50, e entrou em declínio a partir do final dos anos 60, quando as modernas auto-estradas começaram a substituir grande parte dos seus troços, ao ponto de, hoje, existirem já muito poucos em condições de uma normal utilização. Diz quem sabe que o pedaço da Route 66 que se encontra em melhor estado de conservação são os cerca de trezentos quilómetros que medeiam entre Williams, no Arizona, e Topock, na Califórnia. E foi esse mesmo que eu decidi fazer, de ponta a ponta…
Aquilo que mais salta à vista quando se atravessa a Route 66 é uma enorme nostalgia em relação ao passado, quando se viajava a caminho da Califórnia à procura do Sol e de uma vida melhor, quando não havia problemas de gasolina e os carros eram grandes e belos, diferentes uns dos outros e não quase iguais, como sucede nos dias de hoje… Seja nas lojas, nos cafés, nos automóveis estacionados, nas bombas de gasolina, nos móteis, na cor e no “design” dos “neons”, esse revivalismo está sempre presente, à mistura com algum exotismo, muito “kitsch” e grande extravagância…
Um belo Chevrolet cor-de-rosa estacionado à porta do bar “Twisters Soda Fountain”, em Williams, pode ser normal, mas convenhamos que já não o será o Studebaker que encontramos a servir de telhado à “Desoto’s Beauty & Barbershop”, em Ash Fork…! Mas tudo isso nos começa a preparar para a cena que vamos encontrar uns quilómetros adiante, em Seligman…
Seligman é a verdadeira feira da Route 66. É lá que fica a barbearia de Angel Delgadillo, que foi o fundador da “Associação de Protecção da Route 66”. Podem ver a sua bonita e revivalista fachada, à qual não faltam reproduções de James Dean e de Marilyn Monroe, bem como a sua cadeira de barbeiro rodeada de cartões e de mensagens de toda a parte do mundo. Delgadillo está reformado e não estava lá, mas estava o filho que sabia onde ficava Portugal e me deu os parabéns por ter sabido escolher o melhor livro sobre a Route 66, de todos quantos estavam à venda na prateleira. Talvez diga isso a todos, mas lembro-me agora que fiquei de lhe enviar um cartão pessoal e uma nota antiga de vinte escudos, e ainda não o fiz…
Esta loja “Return to the 50’s” tem um belo calhambeque no interior. E aqui foi a minha vez de dar os parabéns à simpática proprietária pela excelente colecção de filmes clássicos que tem à venda. Sorriu de satisfação e confessou-me uma coisa que me tocou: muito embora fique satisfeita com o negócio, sente sempre com um apertozinho no coração quando vê partir um filme daqueles que já não tem em stock, como foi o caso do Anthony Man que lhe comprei.
E um local como o “Route 66 Motel” deverá ter muito que contar, já que era poiso habitual das vedetas do celulóide e da canção. Deixo-vos ficar algumas fotografias para terem uma ideia…
Depois de Seligman vem a parte mais bonita da estrada, propriamente dita. Uma estrada interminável num planície sem fim, onde ouvimos apitar um comboio de vez em quando e vemos passar as Harley-Davidson e os descapotáveis, já que não somo nós os únicos parolos por estas bandas. A inveja que eu tive daqueles cabelos ao vento, eu que tinha de me contentar com uma simples janelinha aberta…
Essa bela estrada leva-nos até uma das mais célebres estações de serviço da Route 66: a de Hackberry, onde deparamos de imediato com o que resta de um velho Ford T, ao lado de um belo Chevrolet Corvette dos anos 50, que poderemos alugar para dar uma voltinha, se estivermos para aí virados.. Mas nem tempo temos para pensar nisso, porque de imediato a nossa atenção é atiçada pelos os “neons”, os belos exemplares de bombas de gasolina e de máquinas de Coca-Cola de há sessenta anos atrás, pela garagem nas traseiras apinhada de velharias…
Continuando em frente, passamos ao largo por Kingman, a maior e mais desinteressante cidade desta região. Começamos a ver as Montanhas Negras no horizonte e passamos pela bela estação de serviço de Cool Springs no preciso momento em que iniciamos a subida. Aqui a estrada já é a velha, que não foi reconstruída, e serpenteia ao longo das montanhas, numa paisagem que, indiciando a proximidade dos desertos da Califórnia, se torna mais árida e polvilhada de cactos à medida em que avançamos.
Umas boas milhas à frente, no cimo das montanhas, surge-nos a velha “cidade fantasma” de Oatman, hoje habitada apenas por burros, turistas e alguns comerciantes que tentam ganhar a sua vida. Mas há setenta anos atrás esta antiga região mineira tinha outra relevância, e se quiserem um pouco de “fofoca” poderão ficar a saber que aquele “Oatman Hotel”, que se vê na fotografia em que está a Cristina a atravessar a estrada, em vez do burro, foi o lugar onde Clark Gable e a Carole Lombard passaram a sua lua-de-mel, num casamento que na altura fez furor…
De Oatman à entrada do Estado da Califórnia, e daí até Topock, é um saltinho, numa paisagem que se mantém deserta e magnífica até ao fim.
Mas é quando começamos a subir e a descer estas montanhas que nos recordamos que a Route 66 não foi só o prazer e o lazer que a ela associamos. Esta estrada assistiu à dor, à angústia e ao sofrimento daqueles pobres fazendeiros do Midwest que fugiam da seca e dos efeitos do “Dust Blow” e procuravam a todo o custo chegar à Califórnia em busca de um “job with honest pay”, como cantava Woody Guthrie, montados em carripanas apinhadas de tralha e a caírem aos bocados. É inacreditável como conseguiam atravessar estas montanhas e não admira que muitas tenham dado a alma ao criador… Não só os carros mas os próprios ocupantes, porque ao longo da estrada encontramos vários túmulos assinalados com uma cruz, que me abstive de profanar e de fotografar, embora imagine que alguns possam ser desses tempos. Mas tudo isto é conversa muito séria que ficará para a próxima “crónica”, já que me recuso a misturá-la com estas brincadeiras da Route 66…
Colaboração de Luís Mira
More than two-thousand miles all the way
Get your kicks on Route Sixty-Six
É provável que, em toda a história da Música Popular, haja muito mais temas sobre ruas, largos, praças e jardins do que haverá sobre estradas. Mas isso não impede que sejam muitas as músicas sobre estradas, e o próprio Bob Dylan até dedicou a uma delas o título de um álbum: “Highway 61 Revisited”. E há também aquelas músicas que, não se referindo expressamente a nenhuma em particular, trazem dentro de si um enorme apelo pela estrada, como sucede em muitas dos Byrds ou de Bruce Springsteen, a começar por essa pérola de álbum que se arrisca a ficar injustamente esquecida na sua discografia que é o “Nebraska”.
Mas de todas as “road songs”, a mais célebre é bem capaz de ser “Get Your Kicks On Route 66”, que Bobby Troup escreveu em 1946 e que eu conheci, pela primeira vez, na interpretação de Nat King Cole com o seu trio.
A história da Route 66 é conhecida: foi a primeira estrada a atravessar completamente os Estados Unidos, desde Chicago até Santa Mónica, em Los Angeles, ao longo de oito estados diferentes. Steinbeck chamou-lhe “Mother Road”, a “Associação de Amigos” chama-lhe “Main Street of America” e há mesmo quem afirme que é a mais famosa estrada do mundo...
A Route 66 é assim chamada desde 1926, muito embora só tenha ficado completamente alcatroada dez anos depois. Teve o seu auge nos anos 40 e 50, e entrou em declínio a partir do final dos anos 60, quando as modernas auto-estradas começaram a substituir grande parte dos seus troços, ao ponto de, hoje, existirem já muito poucos em condições de uma normal utilização. Diz quem sabe que o pedaço da Route 66 que se encontra em melhor estado de conservação são os cerca de trezentos quilómetros que medeiam entre Williams, no Arizona, e Topock, na Califórnia. E foi esse mesmo que eu decidi fazer, de ponta a ponta…
Aquilo que mais salta à vista quando se atravessa a Route 66 é uma enorme nostalgia em relação ao passado, quando se viajava a caminho da Califórnia à procura do Sol e de uma vida melhor, quando não havia problemas de gasolina e os carros eram grandes e belos, diferentes uns dos outros e não quase iguais, como sucede nos dias de hoje… Seja nas lojas, nos cafés, nos automóveis estacionados, nas bombas de gasolina, nos móteis, na cor e no “design” dos “neons”, esse revivalismo está sempre presente, à mistura com algum exotismo, muito “kitsch” e grande extravagância…
Um belo Chevrolet cor-de-rosa estacionado à porta do bar “Twisters Soda Fountain”, em Williams, pode ser normal, mas convenhamos que já não o será o Studebaker que encontramos a servir de telhado à “Desoto’s Beauty & Barbershop”, em Ash Fork…! Mas tudo isso nos começa a preparar para a cena que vamos encontrar uns quilómetros adiante, em Seligman…
Seligman é a verdadeira feira da Route 66. É lá que fica a barbearia de Angel Delgadillo, que foi o fundador da “Associação de Protecção da Route 66”. Podem ver a sua bonita e revivalista fachada, à qual não faltam reproduções de James Dean e de Marilyn Monroe, bem como a sua cadeira de barbeiro rodeada de cartões e de mensagens de toda a parte do mundo. Delgadillo está reformado e não estava lá, mas estava o filho que sabia onde ficava Portugal e me deu os parabéns por ter sabido escolher o melhor livro sobre a Route 66, de todos quantos estavam à venda na prateleira. Talvez diga isso a todos, mas lembro-me agora que fiquei de lhe enviar um cartão pessoal e uma nota antiga de vinte escudos, e ainda não o fiz…
Esta loja “Return to the 50’s” tem um belo calhambeque no interior. E aqui foi a minha vez de dar os parabéns à simpática proprietária pela excelente colecção de filmes clássicos que tem à venda. Sorriu de satisfação e confessou-me uma coisa que me tocou: muito embora fique satisfeita com o negócio, sente sempre com um apertozinho no coração quando vê partir um filme daqueles que já não tem em stock, como foi o caso do Anthony Man que lhe comprei.
E um local como o “Route 66 Motel” deverá ter muito que contar, já que era poiso habitual das vedetas do celulóide e da canção. Deixo-vos ficar algumas fotografias para terem uma ideia…
Depois de Seligman vem a parte mais bonita da estrada, propriamente dita. Uma estrada interminável num planície sem fim, onde ouvimos apitar um comboio de vez em quando e vemos passar as Harley-Davidson e os descapotáveis, já que não somo nós os únicos parolos por estas bandas. A inveja que eu tive daqueles cabelos ao vento, eu que tinha de me contentar com uma simples janelinha aberta…
Essa bela estrada leva-nos até uma das mais célebres estações de serviço da Route 66: a de Hackberry, onde deparamos de imediato com o que resta de um velho Ford T, ao lado de um belo Chevrolet Corvette dos anos 50, que poderemos alugar para dar uma voltinha, se estivermos para aí virados.. Mas nem tempo temos para pensar nisso, porque de imediato a nossa atenção é atiçada pelos os “neons”, os belos exemplares de bombas de gasolina e de máquinas de Coca-Cola de há sessenta anos atrás, pela garagem nas traseiras apinhada de velharias…
Continuando em frente, passamos ao largo por Kingman, a maior e mais desinteressante cidade desta região. Começamos a ver as Montanhas Negras no horizonte e passamos pela bela estação de serviço de Cool Springs no preciso momento em que iniciamos a subida. Aqui a estrada já é a velha, que não foi reconstruída, e serpenteia ao longo das montanhas, numa paisagem que, indiciando a proximidade dos desertos da Califórnia, se torna mais árida e polvilhada de cactos à medida em que avançamos.
Umas boas milhas à frente, no cimo das montanhas, surge-nos a velha “cidade fantasma” de Oatman, hoje habitada apenas por burros, turistas e alguns comerciantes que tentam ganhar a sua vida. Mas há setenta anos atrás esta antiga região mineira tinha outra relevância, e se quiserem um pouco de “fofoca” poderão ficar a saber que aquele “Oatman Hotel”, que se vê na fotografia em que está a Cristina a atravessar a estrada, em vez do burro, foi o lugar onde Clark Gable e a Carole Lombard passaram a sua lua-de-mel, num casamento que na altura fez furor…
De Oatman à entrada do Estado da Califórnia, e daí até Topock, é um saltinho, numa paisagem que se mantém deserta e magnífica até ao fim.
Mas é quando começamos a subir e a descer estas montanhas que nos recordamos que a Route 66 não foi só o prazer e o lazer que a ela associamos. Esta estrada assistiu à dor, à angústia e ao sofrimento daqueles pobres fazendeiros do Midwest que fugiam da seca e dos efeitos do “Dust Blow” e procuravam a todo o custo chegar à Califórnia em busca de um “job with honest pay”, como cantava Woody Guthrie, montados em carripanas apinhadas de tralha e a caírem aos bocados. É inacreditável como conseguiam atravessar estas montanhas e não admira que muitas tenham dado a alma ao criador… Não só os carros mas os próprios ocupantes, porque ao longo da estrada encontramos vários túmulos assinalados com uma cruz, que me abstive de profanar e de fotografar, embora imagine que alguns possam ser desses tempos. Mas tudo isto é conversa muito séria que ficará para a próxima “crónica”, já que me recuso a misturá-la com estas brincadeiras da Route 66…
Colaboração de Luís Mira
4 comentários:
Como sempre..., EXCELENTE!
Um abraço, Rato!
Para quando, no Rato Records, uma "Definitive Collection of Road Songs"...?
Boa ideia, vou pensar nisso!
Bela crónica, Luís Mira!
E, como fã da obra de Springsteen, eu garanto: "Nebraska" não será esquecido!
Aproveitando o embalo, aqui vai o meu TOP 5 de LPs do Springsteen:
01. "Darkness on the Edge of Town" (1978)
02. "Born to Run" (1975)
03. "Nebraska" (1982)
04. "The Wild, The Innocent & The E Street Shuffle" (1973)
05. "The River" (1980)
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