domingo, 30 de novembro de 2014

REGRESSO AO LOCAL DO CRIME 47


Redondamente se enganam quantos pensam que fumar cachimbo seja uma forma de exibicionismo.

Pelo contrário: como símbolo de intimidade e de fome de solidão é que deve ser entendida esta pequena braseira portátil, este simulacro de lareira em miniatura que imprudentemente se traz no bolso.


Atulha-se fortemente o fornilho com os mesmos cuidados como se dispõem gravetos ou pinhas secas nas goelas de uma salamandra.

Pega-se-lhe a chama de um fósforo – e logo cintila a cumplicidade de uma rubra e minúscula presença, logo em derredor se levanta uma azulada ilusão de invisibilidade.

Fumo cachimbo há quarenta e três anos. Os cachimbos renovam-se, a paixão permanece. Constância na inconstância: lição de fogo.

E não basta gostarmos de fumar cachimbo: é preciso que os cachimbos gostem de nós. Só um cachimbo que nos ama proporciona também os privilégios de um amor feliz. Tanto mais feliz quanto mais secreto.

Que tristeza não ser do feminino, em português, a palavra cachimbo!

David Mourão-Ferreira, no «JL» s/d

Colaboração de Gin-Tonic

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