quinta-feira, 7 de maio de 2009

EMILIO JOSÉ


Trabalhava num transitário com agências espalhadas pelo mundo e sedeado em Hamburgo. A agência de Bilbao tinha um enorme volume de negócio. Por um Fevereiro de 1974 mandaram-no para lá para ver como era. Logo no primeiro dia, de visita ao porto de Bilbao, viu um enorme cargueiro com a foice e o martelo desenhados na chaminé. Confirmou o que já ouvira falar, lera: uma coisa é não gostar da política dos soviéticos, outra, bem diferente, é entender que aquilo era um enorme nicho de marcado. Francisco Franco, ou alguém por ele, viu isso e não fechou portas. O nosso velho botas, que governava o país como se fosse a quinta no Vimieiro, não admitia tal coisa. “Nem pensar”, dizia ele a D. Maria na digestão da cabidela.

Foi isso que contou ao director alemão que o sucesso de Bilbao não tinha a ver com o trabalho da agência em si, mas com a realidade do país vizinho: mercados, crescimento económico, and so on...

O director alemão não percebeu, ou ele explicou-se mal…

O preço do hotel não cobria o pequeno-almoço. Tomava-o sentado ao balcão de um pequeno e modesto snack, a meio caminho entre o hotel e a agência. Estava sempre um rádio ligado num daqueles programas da manhã que se ouvem numa qualquer cidade, de um qualquer país: música, notícias, boletim meteorológico, trânsito. Em duas ou três vezes, das cinco que por lá passou, ouviu a mesma canção: “Soledad” de Emílio José, necessariamente uma canção no top.

Não partiu de Bilbao sem comprar o single: 100,00 pesetas.

Tem passado a vida a perguntar-se por que se dedica comprar musica melosa-hortelã-pimenta. Não sabe. Talvez porque ouviu algures que os melhores momentos da vida são os gratuitos, os que não nos trazem nada, os que se vivem sem pensar nas consequências.

Mas que tem isto a ver com a canção? Sabe lá ele!

Ah! também comprou uma boina basca!

Soledad, es tan tierna como la amapola,
que vivio siempre en el trigo sola,
Sin necesidad de nadie, ay mi Soledad

Colaboração de Gin-Tonic

21 comentários:

JC disse...

Um reparo, Gin-Tonic: em Portugal tb se faziam negócios c/ o Leste. Carne romena por troca c/ cortiça, p. ex., a cargo de um ex-presidente do n/ glorioso. E se mais não se faziam era tb porque a URSS impunha restrições por causa da guerra colonial. E tb pq não existia grande potencialidade, dado que Portugal produzia essencialmente para a EFTA, onde estava integrado. Era esse o seu modelo. Mesmo depois de 1974 nunca a URSS foi um grande parceiro comercial aqui da rectângulo.
Abraço

(S)LB disse...

Caro JC

creio que tb com a ex-Jugoslávia havia algum comércio mútuo, se bem que a Jugoslávia não pertencia propriamente à 'Cortina de Ferro'.

O nosso Presidente foi o recentemente falecido Ferreira Queimado. Confirma?

Quem depois aproveitou a onda da exportação de cortiça para o Leste foi o Américo Amorim. Oportunidades...

JC disse...

Caro (S)LB:
1. Claro. A Jugoslávia pertencia aos não alinhados.
2. Sim, eram as empresas do grupo de Ferreira Queimado. Aliás, a família Ferreira Queimado, da região de Alenquer, sempre teve ligações ao chamado "reviralho", ao velho republicanismo com fortes tradições na zona.

gin-tonic disse...

O tempo está de um cinzento estúpido e não lhe apetecia mesmo nada estar a falar de política económica. Como em tudo falta-lhe bagagem. Mas quem gosta de foleirices como "Soledad" arrisca-se a tudo...
Estavam as adegas da região do oeste a deitar vinho por fora, sem vislumbres de escoamento e o cachimbante Magalhães Mota, como minitro, pensa que do comércio, encontrou a possibilidade de rumarem a Lisboa uma série de navios tanques para escoarem o vinho. Os rapazes do costume acusaram o governo da altura de estar a "dar"vinho aos soviéticos...
Mais exportações para a URSS, para alem da cortiça:
- calçado
- Pasta de tomate - não tem números à mão mas foram milhares de toneladas. Sobrevivência das fábricas do Ribatejo e Atentejo. Quem tratava do negócio era a ACIL sem quaisquer simpatias pelo socialismo., o que lhe quaiserem chamar. Just business...
-Embalagens de cartão para a frota pesqueira soviética. Também sem números à mão, mas foram milhares de toneladas. Fornecedor: PORTUCEL - Albarraque.
Tem a vaga ideia de que o maior exportador de cortiça para a URSS era a Mundet do Seixal. Lembra-se de quando era puto a Mundet ter uma equipa de hóquei patins. Trabalhava lá o velho Arsénio que depois de sair do Glorioso, a jogar pelo CUF, ainda foi "Bola de Prata"
Para além da cortiça o Ferreira Queimado tinha uma agência de navegação , a FRENAVE, que foi à falência. Tal como a Amália também consta que o Ferreira Quimado ajudava o Partido..
Havia mais qualquer coisa para dizer mas a caixa de comentários está a deitar fumo e ele vai ali mandar descer um gin...
Para o que deu o Emilio José!...

gin-tonic disse...

Ah! um pequeno pormenor: o texto está datado de antes do 25 de Abril. Ele esteve em Bilbao em Fevereiro de 1974 e aí, pensa, que Portugal não tinha comércio com a União Soviética...

Anónimo disse...

"Ele", quem é?

JC disse...

Confirmo o calçado e a pasta de tomate (a única palavra portuguesa que tem significados diferentes no singular e no plural...). Tb a ACIL. E, tb confirmo, tratei no início da minha vida profissional de comprar sardinha pescada por arrastões soviéticos para fornecer conserveiras portuguesas, por isso é lógico que lhes vendessemos embalagens. Mas foi algo esporádico, nos ardores da revolução pensando que o simples facto de termos agora relações diplomáticas c/ outros países nos iria abrir outros mercados importantes. Pura ilusão.
Tb confirmo a Frenave, mas se FQ ajudava ou não o Partido já não sei: não eram coisas que se perguntassem, mesmo depois do 25 de Abril.
E, Gin-Tonic, quem tb trabalhava na MUNDET era o Albano, o dos 5 violinos.

JC disse...

Já agora:
Um dos filhos de José Ferreira Queimado (João) jogou rugby no "glorioso". Era médio de abertura, foi variadissímas vezes internacional e um temível chutador. Acho - mas n tenho a certeza - ainda será o melhor marcador de sempre dos "Lobos".

gin-tonic disse...

Não fora a circunstância de o dono do Kioske levar o blogue para a sepultura e o futuro teria razões para gargalhar pelo facto de uns maduros, a propósito de uma canção pirosa, acabarem a falar de comércio bilateral Portrugal/URSS. É a piada disto tudo.
Caro JC, a exportação de embalagens cartonadas pela Portucel para a frota pesqueira soviética prolonga-se, pelo menos, até ao fim da Perestroika. A paste de tomate um pouco antes. Já há muito os ardores da revolução se tinham desvanecido. Uma consulta aos manifestos de carga nos serviços do. Porto de Lisboa possibilitará confirmar datas
Dentro do comércio bilateral há ainda a destacar - e não é de somenos - a reparação de pesqueiros soviéticos na Lisnave da Rocha Conde d'Óbidos e nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo. Aqui chegaram mesmo a construirem-se navios para a frota soviética.
Quanto ao Arsénio talvez tenha feiro confusão com o Albano. Diga-se que dos cinco violinos só não vi jogar o Jesus Correia e o Peyroteo.
Para que isto ainda seja mais delirante, à boleia de a família gostar muito de Portugal blá-blá-blá, o Scolari anda a oferecer-se na praça
para futuro treinador do Glorioso. Pior que isto só um futuro governo
à Bloco Central... Hélas!...

gin-tonic disse...

Na próxima sessão de tremoços, e para não maçar os leitores do blogue, poderemos agendar um período antes da ordem do dia para continuar a conversa.
Um grande abraço

cruz disse...

Parece que o Scolari vai ser contratado pelo glorioso e trazer o frangoleiro Ricardo :)

Será um verdadeiro "dois em um" :)

Não nos podemos esquecer que foi o Ricardo quem ofereceu o último título ao glorioso (quando saiu de forma suicida a um lance que culminou com o golo do Luisão)

Viva o SCP

JC disse...

Não disse que te tenhas enganado quanto ao Arsénio, Gin-Tonic. Só disse que o Albano tb lá trabalhou (na MUNDET). Quanto ao resto estou na minha: nunca o comércio c/ a URSS teve grande relevância na economia nacional, o que não quer dizer que não se tivesse efectuado, como tu provas. Nem que tivesse só acontecido nos ardores da evolução. Nos ardores da revolução pensava-se que a abertura ao mundo nos ia dar novos importantes mercados. Mas claro que isso não aconteceu, pois as interdependências estavam estabelecidas. Tanto de um lado como do outro.

JC disse...

Deixa-me acrescentar: para a próxima, se apareceres com a tal boina basca prometo aparecer com o meu "Panama Hat" (original, "hand made in Ecuador"), agora que vem o Verão.

gin-tonic disse...

Onde já vai a boina basca, carissimo JC...
Agora apenas um bonezinho "Donegal Tweed Woven in Ireland" que o meu fllho me trouxe de Dublin. De moso algum pode competir com o teu "Panama Hat", agora que vem o Verão...

filhote disse...

Notas:

1. Na próxima sessão de tremoços, "ele" terá de levar o single para ouvirmos a canção.

2. Nos ardores da revolução, a economia não se ficou apenas pelo referido. E as meninas de leste?

3. E ainda a propósito de leste e "glorioso", o que dizer dos "frutos podres" de Toni? Iuran, Kulkov, Mostovoi...

4. Há dois dias, a rádio, aqui no Brasil, confirmou Scolari como o próximo treinador do Benfica. E Bruno, excelente goleiro do Flamengo, como contratação iminente.

JC disse...

Quanto ao Scolari, como é que v. dizem aí? "Chega essa boca pra lá", não é"? Mas, Filhote, russas mais "à séria" aqui pela parvónia eram as das bancadas durante o Euro 2004. E agora, no Estoril open, a Kirilenko (mas já foi eliminada)!

filhote disse...

Porquê, JC? No Brasil, o Scolari foi sempre campeão. E em clubes como Grémio (com Jardel) e Cruzeiro.

Pelo meio, ainda arrecadou uma Intercontinental. Ou seja, foi campeão do mundo de clubes e selecções.

Ofereceu ainda à Selecção Portuguesa os seus melhores resultados de sempre.

Tudo isto é indiscutível, goste-se ou não do estilo do Felipão.

No Benfica, a contratação poderia ter um efeito semelhante ao da era Trappatoni.

Para os brasileiros, é, de longe, o melhor treinador do país.

JC disse...

Filhote: indiscutivelmente o Scolari foi um excelente treinador da selecção, numa dada conjuntura, o que não é o mesmo do que treinar um clube. Uma análise dos seus pontos fortes e fracos não me parece o recomendem para um clube europeu, como se provou no Chelsea. O futebol que se joga por aí, onde há sempre 10m e 10' a mais, nada tem a ver c/ o que se joga na Europa. Não me lembro, pelo menos em tempos históricos, nenhum treinador brasileiro c/ sucesso no 1º mundo do futebol, a treinar uma equipa de clube.
Trapattoni foi campeão em condições não repetíveis e, como se verifica agora, de forma não sustentada. O que o SLB precisa é de um projecto que lhe permita, de forma sustentada, dominar o futebol português num prazo de 3 a 5 anos. Enquanto não assumir isso está condenado ao insucesso.
Abraço

Anónimo disse...

E vai mais um empate...

filhote disse...

Sim, JC, concordo com a obrigatoriedade de uma política desportiva a médio/longo prazo para o nosso Benfica. E Scolari nunca assegurará isso. Repare: não defendo a contratação do Sargentão.

Apenas quis lembrar o carácter vencedor de Scolari, sugerindo como a sua chegada poderia, pontualmente, "animar as hostes" e unir o "grupo de trabalho" (adoro estas terminologias bacocas)...

Sei, de fontes fidedignas, que o grande problema de Scolari no Chelsea foi não falar inglês. Parece que a comunicação com os jogadores e restante estrutura técnica era muito difícil.

Anónimo disse...

Ao procurar por soledad vim dar a esta velha entrada. O disco é de 1974 e numa capa alternativa refere que venceu o festival da canção REm (Red de Emisoras del Movimiento) de Benidorm. Não que interesse muito: Errata no post - Marcado vs Mercado, Dedica, Decidira.