sábado, 11 de outubro de 2008

JOSÉ AFONSO VEIO PARA FICAR


Há dias neste blogue, o Rato, num comentário, referia a partida de José Afonso, em 1967, de Moçambique para Lisboa.

Este recorte do “Diário de Lisboa” assinala a chegada a Lisboa de José Afonso. O ano é 1967 mas, lamentavelmente, não há indicação do dia e mês. O recorte estava colado numa folha, que tinha essas indicações, mas, com o tempo, ter-se-á descolado e perdeu-se algures.

A notícia, obviamente, terá sido esquartejada pela Comissão de Censura e começa assim: “O Dr. José Afonso, um dos mais válidos nomes da música e poesia portugueses, regressou agora de Moçambique".

“- Desembarquei sem um tostão no bolso, mas com seis meses de ordenado em atraso".

O censor deverá ter dormitado porque a afirmação é contundente e nada abonatório para o regime.

Questionado sobre o que fizera em Moçambique, José Afonso, sarcasticamente, diz:“- Ia a umas festas. As pessoas comiam croquetes e depois batiam palmas para trazerem o “urso”. Era então e assim que eu cantava…”

O repórter intervém e diz-nos: “José Afonso vem mais maduro, mais azedo, talvez endurecido por mais uma experiência. Um humor amargo-triste desprende-se da sua boca quando fala, mas quando ela se abra para cantar é a mesma voz de antes, talvez mais torturada, com mais intenção, mas tão límpida como sempre veículo de poesia válida que todos sentem, que todos entendem".

O programa P.B.X., do Rádio Clube Português, soube da chegada de José Afonso e anunciou-a.

A notícia do “Diário de Lisboa” refere que José Afonso gravou no Estúdio do RCP quatro canções que seriam transmitidas à noite no P.B.X. e que levaram quatro horas a ser gravadas.

“Estive muito tempo sem cantar. Estou sem caixa nenhuma”.

O repórter volta a intervir: “Mas quando arranca, é José Afonso, melhor do que nunca - ”…botas cardadas levantam pó…” (1)

No estúdio estavam presentes Carlos Paredes, o dr. Jorge Tuna, Durval Moreirinhas e outros amigos. O repórter sossega-nos então de que José Afonso “vem para ficar, vem para cantar.

“O ensino dá-me para o tabaco e para pagar a renda. Por isso vou cantar".

Final da reportagem: “José Afonso veio para ficar. Agora, vai para o Algarve. Depois voltará em direcção ao Centro, mas não importa onde porque aqui vai ficar, cantando, ensinando, trabalhando em novas músicas, em novos poemas, porque agora terá mais diálogo do que em Moçambique, porque a velha realidade lhe dará novos pontos de partida, porque mais ele a sentirá.

José Afonso veio para ficar.

“Velas e remos a arder”, ele não é homem para deixar.”Diga-se, por fim, que num país oprimido, atrasado e inculto, notícias como esta do “Diário de Lisboa” tinham a sua importância porque diziam-nos, para além de outros sinais, que era mesmo possível pôr areia na engrenagem e fazê-la parar.

Da imprensa diária de então, apenas o “Diário de Lisboa” e o “República” se permitiam avançar com estas notícias. Quem viveu esses tempos saberá do que se está a falar. Sete anos depois desta notícia do “Diário de Lisboa”, aconteceria o 25 de Abril.

(1) Versos de “O Cavaleiro e o Anjo”, que constará do primeiro álbum gravado para a Orfeu. O contrato celebrado com Arnaldo Trindade estabelecia que José Afonso receberia 15 contos por mês e comprometia-se a publicar um álbum por ano.

Colaboração de Gin-Tonic

1 comentário:

Rato disse...

Pena a fotografia da notícia ser tão pequena que não se consegue ler.
Volto a insistir, Hugo: é a mesmissima coisa fazer o scanner de uma imagem 200 por 200 pixels ou a 900 por 900 pixeis - basta dizer o que se quer no scanner.
É evidente que quanto maior mais espaço ocupa, mas esse não parece constituir qualquer problema aqui para o blog.