sexta-feira, 24 de outubro de 2008

BANHO DE LUA


PARLOPHONE LGEP 4021

Querida Mamãe – Grande Amor – Banho de Lua - Frankie

Este post também poderia chamar-se: “Vem aí Tempestade!...

A Aida encontrou o disco no boteco do costume, trouxe-o para casa, mostrou-o, e ele ficou a olhar com um sorriso, diga-se feliz: “eh pá! há quanto tempo!...”.

Pela Celly Campello pode-se chegar a Tom Waits, a Peter Paul and Mary, a Bruce Springsteen, a Tom Paxton, a Hank Williams, a Jacques Brel, a Adriano Correia de Oliveira, à “Oratória de Natal” de Bach, ao concerto “Alla Rustica” de Vivaldi , e por aí fora?

Ele pensa que sim, mas é um tipo de pouca confiança. Não será politicamente correcto, mas também no tempo do “Banho de Lua” ninguém sabia o que isso era. Sabia-se que as coisas eram, aparentemente, fáceis, se resolviam nos que estavam do lado do regime e os que estavam contra, os que eram do Benfica e os que eram do Sporting, o Porto era apenas um clube de aldeia que, como dizia o Zé do Boné, logo que entrava na Ponte D. Luís, já estava a perder.

A Celly Campello – outras e outros – fazia o traço de união entre os dois lados, o resto era uma taça de vinho branco, um bolinho sortido da “Fábrica Triunfo” - as raparigas ficavam sempre com os de chocolate e as bolachas de baunilha…

Todos gostaríamos que os nossos amigos pensassem como nós, fossem do mesmo clube, gostassem dos mesmos livros, dos mesmos filmes, das mesmas músicas, mas isso é a história das nossas vidas.

A família acontece-nos, os amigos escolhem-se, dizia o BB no tempo em que era BB. Mas não havia hostilidade, antes uma compreensão que inexplicavelmente – ou talvez não - viemos mais tarde a perder.

A malta da rua, a malta do bairro era um todo e, juntos, íamos ao futebol, ao cinema, à praia, aos bailes. Talvez isto desse mestrado numa qualquer universidade privada – se, tardiamente, muito tardiamente mesmo, o governo não as estivesse a encerrar.

Os filhos interrogam-no como foi possível termos ouvidos para isto. Foi possível, pois então! Os filhos deles hão-de dizer o mesmo das músicas e intérpretes, que eles ouviram, que ouvem.

Sempre assim foi e assim será, se o capitalismo selvagem deixar. Era esta a música que tocava nos nossos gira-discos e, sabe, que não se pode passar uma esponja por tudo isto, que não se pode esquecer, nem ignorar.

Do mesmo modo que não se esquece a criada feiinha da avó materna que, na luz escura da manhã, lhe ensinou os primeiros passos por um corpo e o espanto que lhe ficou depois daí os vidros partidos a jogar à bola, as laranjas roubadas ao merceeiro da esquina, andar à boleia nos eléctricos.

Meninos, a vida é isto e também mau gosto musical, livros do FBI, editados pela Agência Portuguesa de Revistas, filmes de última gaveta, cobardias várias, o gajo que viu na rua roubar o velhote e não mexeu uma palha, e quando o podia fazer, com um qualquer medo que não sabe, não quer explicar, e vem-lhe ainda à memória o intelectual que lia “A Bola” às escondidas, porque entendia pecaminoso gostar de a ler e que disso soubessem, o cunhado que esperava que os putos fossem para a cama e, no silêncio da casa adormecida, deliciar-se com os álbuns de Banda Desenhada.

Poderia ter visto o disco e assobiar para o lado, mas sabe que não ficaria bem se não dissesse que esta música o tocou e - why not? - ainda toca. Apetece-lhe lembrar Álvaro de Campos, e pede desculpa aos puristas por trazer o Álvaro de Campos quando está a falar da Celly: “Nunca conheci quem tivesse levado porrada, todos os meus amigos têm sido campeões em tudo".

Talvez houvesse mais qualquer coisinha a acrescentar, mas não quer maçar os viajantes blogue e também porque em caminho já se pôs a trautear:

“Tomo um banho de lua, fico branca como a neve, seu luar é meu amigo, censurar ninguém se atreve".

Como então se dizia, logo que o disco arrancava: “A menina Dança?”

Em tempo – Conseguem imaginar tudo isto?

Se estiverem para aí virados, Mr. Mouse, em http://ratorecordsblog.blogspot.com/ ,em tempos, publicou 3-Antologias-3 da Celly Campello, também uma do irmão, o Tony Campello. Os links já não estão disponíveis, mas se lhe pedirem por e-mail, na volta do correio, terão os ficheiros em casa. Depois é só ouvirem…

No fim de tudo podem mandar o escriba tomar os comprimidos calmantes que tem esquecido ou pedirem à família que lhe proporcionem um internamento urgente.

Colaboração de Gin-Tonic

4 comentários:

daniel bacelar disse...

Caros Hugo e Aida
Há muito tempo que não me era dada a oportunidade de ser transportado a um mundo maravilhoso (que já não existe) através de uma prosa tão linda e bem escrita como esta.
Hugo ,por momentos tiráste-me da realidade e vi-me com os meus 17 anos,ouvinte atento da Onda do Optimismo, Talismã,programas da manhã do R.C.P e 23ªHora da R.R.
Não me envergonho de confessar que aflorou uma lágrima de saudade por tempos em que havia solidariedade entre as pessoas,(talvêz a noção da presença de um inimigo comum que nos unia)e se sonhava por melhores dias.(pura ilusão!!!)
Os brasileiros,na sua enorme capacidade de fazer as coisas bem feitas,inundavam as nossas rádios com versões muito bem feitas de sucessos americanos,mas em português.
A Celly,o Tony,o Sérgio Murillo,Osmar Navarro ("quem é??"lembram-se?)e muitos outros faziam as nossas delicias.
A Celly já faleceu (cancro da mama)fica a sua recordação,e desafio o Rato para contar aqui um facto interessantissimo que aconteceu com ele quando da publicação das suas compilações deste dois irmãos.
Os anos 60 jamais serão esquecidos,pelo menos foi-nos dada apossibilidade de sonhar!!!´
Pelo menos isso!!!!
Só tenho pena que muita dessa gente dessa geração (até ao momento...todos)não tenha aplicado anos mais tarde todos esses lindos principios que defendia (utópicos talvêz!!!)mas algo de honesto poderia ter sido feito!!!!
Enfim,começo a pensar que é "genético"!!!
Obrigado Celly e todos os teus amigos,proporcionaram-nos momentos muito agradáveis que é sempre um prazer recordar (pelo menos dá-nos forças para mais um dia!!)

Jack Kerouac disse...

Não me canso de dizer isto, este Hugo tem talento. Do nada consegue fazer uma peça literária. É mais um dos grandes talentos que por aqui andam, e que não são aproveitados.

JC disse...

Caro Hugo:
Gostava de saber escrever assim. Já agora, o original "Tintarella Di Luna" é da Mina ou existe outro? É que, francamente, não sei.

Rato disse...

A autoria da canção (original italiana) é atribuída à dupla Filippi/Migliacci e apareceu pela primeira vez em 1960, em dois albuns: um da Mina e outro do Enzo Jannacci e Giorgio Gaber. Não sei qual dos albuns foi editado em 1º lugar nem se saíu algum single nessa altura.
Quanto ao "desafio" do Daniel, julgo que ele se refere ao email recebido da esposa do Tony Campello. Se é disso que se trata transcrevi-o na altura no blog.
Finalmente, um obrigado à Aida Santos pela descoberta desta lindissima capa. Basta olhar para ela para as recordações aparecerem de todos os lados.
Quanto a ti, Hugo, sorry, mas só te volto a agradecer quanto anunciares que finalmente te decidiste a compilar os teus magníficos textos que se encontram dispersos por este blog. Fico portanto na expectativa...