"Dream as if you'll live forever. Live as if you die today" - James Byron Dean
Aquela manhã de sexta-feira nascera solarenga e uma ligeira brisa no ar deixava antever um excelente dia para a viagem que há tanto tempo vinha imaginando.
As filmagem de "The Giant" estavam concluídas e terminada estava também a proibição de participar em corridas de automóveis a que, por contrato, estava comprometido. Mas o bichinho não tinha parado de crescer dentro de si.
Aos 24 anos era já um actor célebre e mais célebre se tornaria ao banalizar todos os "monstros do Cinema" que consigo contracenavam no filme do velho George Stevens. Poderia ter a seus pés (quase) todas as belas mulheres que desejasse. Podia, se quisesse, comprar um bólide novo todos os dias, durante os próximos anos. Poderia até, se lhe apetecesse, mandar tudo bugiar, partir para uma ilha deserta e aí se refugiar durante os próximos anos, certo de que regressaria sempre em plena glória.
Mas isso não lhe bastava.
Necessitava do prazer da velocidade. Do roncar dos motores. Do cheiro da borracha no asfalto. De sentir a traseira do carro fugir-lhe em plena curva e colocá-la de novo, sem pestanejar, dentro da pista. Gostava da luta sem tréguas pela próxima curva. Ser o último a travar, mas sem que isso significasse saltar pela ravina fora, como no "Rebel". Passar por todos os outros e receber antes de todos os outros a "bandeira de xadrez".
E de sentir a coroa de louros à volta do pescoço... Não o James Dean, "the youngest bright star of Hollyood", mas, simplesmente, o jovem e tímido Jim Dean of Indiana, como haveria de lhe chamar mais tarde Phil Ochs na canção que lhe dedicou. E há já muito tempo, desde as gloriosas tardes de Palm Springs e de Bakersfield, que não sentia esse sabor inebriante da vitória...
O seu velho 356 Speedster também já estava a ficar ultrapassado e de há muito que na sua cabeça já estava o novissímo 550 Spyder, que havia visto em pista uns meses antes. Por isso o comprou logo que pode e com ele se inscreveu nas corridas de Salinas, que teriam lugar nesse fim de semana.
Deram-lhe o número 130. Mandou pintar na traseira a expressão "Little Bastard", talvez na esperança de ser assim visto por todos os seus adversários...
Durante a manhã, uma longa passagem pela garagem para as últimas afinações. Um café na loja em frente com o pai, que lhe viera dar um abraço de "boa sorte". E então a fatídica decisão é tomada: em vez de levar o carro no atrelado, como tinha pensado, levá-lo-ia ele próprio estrada acima, pela montanha.
Daria para puxar bem o motor antes das corridas, verificar que tudo estava bem e aproveitar da melhor maneira essa magnífica tarde. Para o que desse e viesse, levaria a seu lado o mecânico, Rolf Wutherick, que ficaria atento ao mais leve e estranho ruído do motor, enquanto ele iria aos ésses pela estrada fora, transbordando de felicidade como uma criança a quem tivessem oferecido um brinquedo novo, deixando que o vento lhe varresse os cabelos na planície...
Que a velocidade era excessiva, comprova-o o polícia que o mandou parar e a multa que lhe passou... Mas, que diabo, o objectivo da viagem não era o de "pisar ovos" e ver a paisagem. Para isso teria escolhido a Highway 1 e iria sempre junto ao mar... Uma última paragem à beira da estrada. Um último café... A parte mais díficil da viagem estava feita. A grande montanha tinha ficado para trás. Agora, seriam umas míseras 28 milhas sempre a descer até Paso Robles e aí, então, tomaria a auto-estrada direitinha até Salinas.
Donald Gene Turnipseed e o seu velho Ford não deveriam estar ali, naquele sítio e àquela hora. E, se estivessem, deveriam ter pensado que aquele pontinho cinzento que se vislumbrava lá no alto da colina não iria chegar ao cruzamento da 46 com a 41 à pouca velocidade a que eles iam, mas à velocidade do som...
Mas estavam, e não pensaram....
E, assim, entraram directamente para a História do Cinema. Eram 17H30 do dia 30 de Setembro de 1955, fez agora precisamente 53 anos.
Depois de ter visto, não tenho a mais pequena dúvida de como tudo se passou. Ainda hoje aquele cruzamento (entre a 46 e a 41) é perigosíssimo, já que se faz a alta velocidade...
A estrada donde vinha o JD começa a descer acentuadamente e é o momento ideal para pôr "prego a fundo". Aparentemente, a visibilidade é boa, mas a estrada é traiçoeira. E às 17H30 de um final de Setembro o sol já devia ir baixo e as possibilidades de encadeamento aumentavam, mesmo com os óculos de sol.
O mais estranho, nos americanos, é que lhe levantaram um busto no Griffith Observatory, de Los Angeles, onde decorrem duas cenas do "Rebel Without a Cause" e ali, no lugar onde morreu, uma simples placa, daquelas que podemos pôr debaixo do braço e levar para casa, assinala o acontecimento.
Duas ironias do destino:
- poucas semanas antes, JD gravara, para a televisão, um pequeno "spot" publicitário para a "Segurança Rodoviária", alertando para os riscos do excesso de velocidade nas auto-estradas e terminando com um "tenham cuidado, porque a vossa próxima vítima posso muito bem ser eu", enquanto brincava com o laço da maneira como o faz naquela célebre cena do "Gigante";
- O amigo fotógrafo Sanford Roth, que já o havia fotografado várias vezes antes, iria acompanhá-lo nas corridas desse fim de semana. Foi buscá-lo a casa bem cedo e, por isso, a última manhã da vida de JD ficou profusamente ilustrada para a posteridade.
Colaboração de Luís Mira
Aquela manhã de sexta-feira nascera solarenga e uma ligeira brisa no ar deixava antever um excelente dia para a viagem que há tanto tempo vinha imaginando.
As filmagem de "The Giant" estavam concluídas e terminada estava também a proibição de participar em corridas de automóveis a que, por contrato, estava comprometido. Mas o bichinho não tinha parado de crescer dentro de si.
Aos 24 anos era já um actor célebre e mais célebre se tornaria ao banalizar todos os "monstros do Cinema" que consigo contracenavam no filme do velho George Stevens. Poderia ter a seus pés (quase) todas as belas mulheres que desejasse. Podia, se quisesse, comprar um bólide novo todos os dias, durante os próximos anos. Poderia até, se lhe apetecesse, mandar tudo bugiar, partir para uma ilha deserta e aí se refugiar durante os próximos anos, certo de que regressaria sempre em plena glória.
Mas isso não lhe bastava.
Necessitava do prazer da velocidade. Do roncar dos motores. Do cheiro da borracha no asfalto. De sentir a traseira do carro fugir-lhe em plena curva e colocá-la de novo, sem pestanejar, dentro da pista. Gostava da luta sem tréguas pela próxima curva. Ser o último a travar, mas sem que isso significasse saltar pela ravina fora, como no "Rebel". Passar por todos os outros e receber antes de todos os outros a "bandeira de xadrez".
E de sentir a coroa de louros à volta do pescoço... Não o James Dean, "the youngest bright star of Hollyood", mas, simplesmente, o jovem e tímido Jim Dean of Indiana, como haveria de lhe chamar mais tarde Phil Ochs na canção que lhe dedicou. E há já muito tempo, desde as gloriosas tardes de Palm Springs e de Bakersfield, que não sentia esse sabor inebriante da vitória...
O seu velho 356 Speedster também já estava a ficar ultrapassado e de há muito que na sua cabeça já estava o novissímo 550 Spyder, que havia visto em pista uns meses antes. Por isso o comprou logo que pode e com ele se inscreveu nas corridas de Salinas, que teriam lugar nesse fim de semana.
Deram-lhe o número 130. Mandou pintar na traseira a expressão "Little Bastard", talvez na esperança de ser assim visto por todos os seus adversários...
Durante a manhã, uma longa passagem pela garagem para as últimas afinações. Um café na loja em frente com o pai, que lhe viera dar um abraço de "boa sorte". E então a fatídica decisão é tomada: em vez de levar o carro no atrelado, como tinha pensado, levá-lo-ia ele próprio estrada acima, pela montanha.
Daria para puxar bem o motor antes das corridas, verificar que tudo estava bem e aproveitar da melhor maneira essa magnífica tarde. Para o que desse e viesse, levaria a seu lado o mecânico, Rolf Wutherick, que ficaria atento ao mais leve e estranho ruído do motor, enquanto ele iria aos ésses pela estrada fora, transbordando de felicidade como uma criança a quem tivessem oferecido um brinquedo novo, deixando que o vento lhe varresse os cabelos na planície...
Que a velocidade era excessiva, comprova-o o polícia que o mandou parar e a multa que lhe passou... Mas, que diabo, o objectivo da viagem não era o de "pisar ovos" e ver a paisagem. Para isso teria escolhido a Highway 1 e iria sempre junto ao mar... Uma última paragem à beira da estrada. Um último café... A parte mais díficil da viagem estava feita. A grande montanha tinha ficado para trás. Agora, seriam umas míseras 28 milhas sempre a descer até Paso Robles e aí, então, tomaria a auto-estrada direitinha até Salinas.
Donald Gene Turnipseed e o seu velho Ford não deveriam estar ali, naquele sítio e àquela hora. E, se estivessem, deveriam ter pensado que aquele pontinho cinzento que se vislumbrava lá no alto da colina não iria chegar ao cruzamento da 46 com a 41 à pouca velocidade a que eles iam, mas à velocidade do som...
Mas estavam, e não pensaram....
E, assim, entraram directamente para a História do Cinema. Eram 17H30 do dia 30 de Setembro de 1955, fez agora precisamente 53 anos.
Depois de ter visto, não tenho a mais pequena dúvida de como tudo se passou. Ainda hoje aquele cruzamento (entre a 46 e a 41) é perigosíssimo, já que se faz a alta velocidade...
A estrada donde vinha o JD começa a descer acentuadamente e é o momento ideal para pôr "prego a fundo". Aparentemente, a visibilidade é boa, mas a estrada é traiçoeira. E às 17H30 de um final de Setembro o sol já devia ir baixo e as possibilidades de encadeamento aumentavam, mesmo com os óculos de sol.
O mais estranho, nos americanos, é que lhe levantaram um busto no Griffith Observatory, de Los Angeles, onde decorrem duas cenas do "Rebel Without a Cause" e ali, no lugar onde morreu, uma simples placa, daquelas que podemos pôr debaixo do braço e levar para casa, assinala o acontecimento.
Duas ironias do destino:
- poucas semanas antes, JD gravara, para a televisão, um pequeno "spot" publicitário para a "Segurança Rodoviária", alertando para os riscos do excesso de velocidade nas auto-estradas e terminando com um "tenham cuidado, porque a vossa próxima vítima posso muito bem ser eu", enquanto brincava com o laço da maneira como o faz naquela célebre cena do "Gigante";
- O amigo fotógrafo Sanford Roth, que já o havia fotografado várias vezes antes, iria acompanhá-lo nas corridas desse fim de semana. Foi buscá-lo a casa bem cedo e, por isso, a última manhã da vida de JD ficou profusamente ilustrada para a posteridade.
Colaboração de Luís Mira
4 comentários:
Bem lembrado, belo texto. James Dean foi talvez o meu maior ídolo da adolescência. Apesar de ter morrido 11 anos antes de eu nascer, não sei explicar o porquÊ, nem quando aconteceu. Mas ainda hoje o venero, quando tirei a carta e comprei o primeiro carro, um velho Ford Escort 1300, colei uma foto do James Dean no painel do carro. Era motivo de gozo, mas eu próprio nem sei bem porque o fiz, mas sei que foi com o carro quando o vendi. Não sei se Jimmy Dean teria dado sequência ao seu talento, ou se teria perdido a aura em filmes seguintes, se não tivesse morrido. Mas conseguiu com apenas 3 filmes ocupar um dos lugares mais altos no Areópago do Cinema. E deu origem ao "Viver depressa, e morrer cedo, para se ter um cadáver bonito", que apanhou um Jim Morrisson, Janis Joplin, Jimmy Hendrix, Buddy Holly, Ritchie Valens. Que grande festa deve ir lá para os lados do S. Pedro.
Belíssimo texto. Não sabia a história de James Dean, com este pormenor realista, diria até impressionista.
E fico com uma vontade cada vez maior de percorrer certos espaços de memória musical.
Como esse, embora noutros lugares. Troubador, Nashville, Nova Iorque.
Sei que as coisas não se apresentam assim, em lembranças solidificadas, mas a visitação dos lugares permite entender melhor o ambiente. Sonoro, neste caso.
O belíssimo texto do Luís Mira e os sagazes comentários do Kerouac e do José fazem-me lembrar a melhor elegia que se poderia fazer a propósito da morte de Paul Newman e que eu li algures num jornal português (vá lá...): "o azar dele foi ter morrido velho!".
LT
Das abordagens que se fazem à obra e à vida de James Dean ressalta sempre o trivial: o mito. Reconheço que é dificil fugir-lhe
Mas éste texto é uma história bem contada, vista de uma perspectiva diferente de qualquer tarefeiro de jornais de referência, ou criticos de pacotilha. Contada por alguém que vê e sente o cinema profundamente e com paixão, um maluquinho que visita os Estados Unidos e dá-lhe para ir ver a estrada onde James Dean morreu.
Último cliché: Dean foi bem o rebelde sem causa e talvez por isso é possível aquela representação no filme de Nicholas Ray, de alguém viveu sempre a olhar para o chão. Talvez também por isso só poderia morrer como morreu.
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