Para mim, gravar uma cassete é como escrever uma carta, diz Bob Flemming, o protagonista de "Alta Fidelidade", primeiro romance de Nick Hornby e um
must para os que passaram as últimas décadas do século XX a comprar discos de vinil e a gravar cassetes em casa.
Lembram-se dessa espécie que tratava a música como uma religião e a aparelhagem como um altar? Gente para quem uma TDK não era o mesmo que uma BASF. Que sabia as diferenças entre cassetes de «tipo I» e «tipo IV». Que só escolhia a «posição normal» se não tivesse dinheiro para mais no bolso. Que nunca juntaria na mesma fita o Phil Collins com os Durutti Column, a Samantha Fox com a Marianne Faithfull, os Wham! com os Red House Painters.
Gente que levou muito a sério o conselho de Nick Hornby (…
e não vale a pena fingir que qualquer relação pode ter futuro se as vossas colecções de discos são violentamente discordantes), pelo menos até ao momento em que o celibato se tornou demasiado penoso. Que música escolheríamos para dizer isto? Hum… Que tal "Holding Back the Years", dos Simply Red?
Gravar uma cassete em casa é como escrever uma carta, sim. Podia dizer-se tudo. Ambas representam um acto criativo, artesanal, individualista. Gravavam-se cassetes para ouvir na auto-estrada, cassetes para as férias, cassetes para dias cinzentos, cassetes para noites especiais (Brian Ferry + Grace Jones + Prince = sucesso garantido).
Se escolher os temas era um gozo, atentar na ligação entre eles, ponderando cada minuto de fita disponível, exigia rigor e atenção. Uma cassete gravada de forma displicente, com
raccords mal feitos e faixas cortadas, é como uma carta mal pontuada. A questão é saber se já ninguém escreve cartas porque deixou de gravar cassetes ou ao contrário.
Hoje mandamos e-mails e descarregamos música. Que diferença.
Colaboração de
Carla Maia de Almeida