domingo, 28 de março de 2010
MEU PAÍS
LE CHANT DU MONDE - G.U. LDX 74308
Face 1
Meu País – A Bola – Basta – Resiste – Duas Melodias – Exilio – Canta – Aqui Ficas
Face 2
Canto do Desertor – Bairro de Lata – Sou Barco – O Que Menos Importa – Guitarras Como Tristeza – O Menino Negro Não Entrou na Roda – Regresso – Canção Final Canção de Sempre
Quando, em Outubro de 1965, Alain Oulman musicou poemas de Camões para a voz de Amália, “Amália Canta Camões”, os intelectuais tiveram reacções diversas.
José Gomes Ferreira não concordou e respondeu assim ao “Diário Popular”: “Não estou disposto a ouvir. Não quero ouvir. Mas acho mal. Existem obras-primas da música portuguesa, como por exemplo, “Os Madrigais”, de Luís de Freitas Branco, inspiradas em poesias de Camões. Claro que também existiu a “Engraxadoria Camões”. Para cada um - seu paladar”.
Se bem que tenha um número bem razoável de poemas musicados – foi por ele que chegou a José Almada – José Gomes Ferreira nunca simpatizou com a ideia. A excepção é o trabalho com Fernando Lopes Graça.
Nos seus diários dos “Dias Comuns”, publicados postumamente, a que nem a crítica, nem a comunidade de leitores, prestou alguma atenção, há episódios curiosíssimos dos dias antes de Abril.
3 de Agosto de 1967
A mulher do Luis Cilia apareceu-me de tarde com a prova do novo disco de poesias cantadas à viola pelo marido. Perguntou-me a opinião sobre o disco anterior e confesso que, durante alguns minutos, me afligiu não poder dizer-lhe a verdade.
Ainda me tentou esta audácia: “e se eu ousasse, com brutalidade sincera, declarar-lhe que aquelas melopeias revelam um analfabetismo musical de fazer as nuvens?”
Mas a luz que lhe saía dos olhos impediu-me a sinceridade. E limitei-me, com os circunlóquios da regra, a acusar-me de incapacidade e incompreensão por não aderir ao genro. A culpa era minha, exclusivamente minha. De mais ninguém.
- Pois espero que este disco o converta – respondeu-me com credulidade desconfiada.
José Gomes Ferreira, mais à frente, revela que “este segundo disco ainda se afigurou mais absurdo do que o primeiro".
Pior ficou quando reparou que Luis Cilia lhe suprimira versos ao poema “Balada de Uma Heroína Que Eu Inventei” e que consta do Vol. 1 de “La Poesie Portugaise de Nos Jours et de Toujours” editado em 1967 pela “Moshé-Naim”.
O primeiro disco do Luís Cilia que o José Gomes Ferreira refere, será “Meu País” onde está incluído o poema “Aqui Ficas”.
Esta antipatia de José Gomes Ferreira - e não só! - pelos cantores que se empenharam na luta contra a ditadura, merecerá, um dia uma abordagem.
Colaboração de Gin-Tonic
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16 comentários:
Este tenho.
Mas, em Outubro de 1970, ter-me-ão emprestado uma outra edição deste disco, para gravar em bobina, com os mesmos temas mas com interpretações mais "terra-a-terra" e de que gostei bastante mais. Mas não recordo qualquer imagem da capa do disco nem quem era o proprietário. O gravador era um Akai M-9 (de um amigo que o trouxera de Cabo Verde) com "cabeça de campos cruzados" (cross fields head), como dizia a publicidade. Mas quando comprei esta edição e ouvi, não deixei de ficar com razoável desilusão.
CMD
Dos intérpretes da canção portuguesa pré-Abril Luís Cília foi sem dúvida o mais "chato" de se ouvir, dado o tom monocórdico com que cantava os temas dos seus discos. Se bem me lembro, era apenas defendido pelos intelectuais mais snobes, enquanto o que a malta nova queria ouvir era o Zeca, o Sérgio ou o Zé Mário.
De acordo contigo, Rato, nunca consegui ser fã de Luís Cília. Nem hoje!
LT
São curiosas, de facto, essas palavras de José Gomes Ferreira - ele próprio compositor, no início da carreira - sobre as adaptações musicais dos seus poemas por Luís Cília. E, estando de acordo com o Jota e com o Luís em relação ao período em causa (anos 60 e inícios de 70), a forma de cantar de Cília evoluiu consideravelmente depois do 25 de Abril e os seus trabalhos da segunda metade dos anos 70 e princípios de 80 são bem mais ricos, também sob o aspecto musical. Sempre bem diferentes, no entanto, e como o Jota refere, da obra de José Mário Branco, de Sérgio Godinho ou de José Afonso.
Em relação ao Luis Cília, não posso deixar de partilhar uma história que jamais esquecerei, sendo essa uma das grandes explicações para o "carinho" especial que tenho por Luis Cilia. Abreviando a história, quando uma vez visitar a minha avó, numa casa feita de pedra, no meio das pedras, numa aldeia na Beira Alta, a minha mãe trouxe de lá um disco do Luis Cília " La poesie portugaise Vo. II". Nada de anormal, não fosse a casa da minha avó, não ter electricidade, nem água canalizada, etc....nem a minha avó ter giradiscos ( a minha santa avó mal sabia assinar o nome dela). Ainda hoje desconheço como é que o disco lá foi parar, pois a minha avó não viveu o suficiente para mo contar, mas desconfio que talvez um tio meu, quando foi a França o tenha trazido, sabe-se lá porquê.
Era muito miudo na altura e demorei muitos anos até ouvir esse disco, numa fase de maior maturidade. E é ai, que chego ao cerne da questão: a melancolia da voz de luis Cília nesse disco, é a única que consegue retratar de forma fiel a própria melancolia do pais em que viviamos. Os arranjos sublimes, o contrabaixo, violoncelo, aliada à forma sentida como Luis Cilia interpreta cada uma daquelas canções, não têm comparação, na minha opinião, com qualquer outro cantor ( Ouvir " O cavador" ; "carta a Angela" " Boda pagã" " Há lágrimas nos teus olhos", naquela contexto tão especifico, acredito que tocaria necessariamente o coração do ouvinte. Coisa que a voz de Sérgio Godinho ( apesar de ser um dos meus preferidos) jamais conseguiria alcançar com temas como " O Barnabé ", ou mesmo " Maré Alta".
Em relação ao disco "Meu pais", nunca consegui perceber o que de errado se passou com o disco " Angola - Chantes de Lute", para levar o Luis Cilia a regravá-lo. Opções...
A observação que José Gomes Ferreira faz em relação ao "analfabetismo" musical do Cilia tem mesmo a ver com essa faceta de compositor do José Gomes Ferreira e a constatação de que as melodias não eram boas. O que há a salientar em gente como o Cilia, é o seu empenhamento na luta contra a ditadura, o dar a conhecer o que de melhor havia na poesia portuguesa, uma qualidade lirerária a que poucas vezes correspondeu a qualidade musical e interpretiva. Por vezes temos tendência a esquecer esta faceta de combate e não deixa de causar estranheza que um homem, sensivel e empenhado como o José Gomes Ferreira, não tivesse - ou não quisesse ver esse lado da intervenção.
Este disco tem uma canção - " A Bola", poema de G. Negalha e música do Cilia - que é um manifesto de denúncia, puro e duro, dos massacres que os soldados portugueses cometeram em África: "Rola sangrenta uma bola no chão de Angola". As bolas eram cabeças de negros.
Esta canção levou muita gente a encarar a guerra colonial de maneira bem diferente que aquela que a ditadura propagandeava.
Neste ponto, antes que caia o patriotismo salaio em cima, do outro lado também se cometeram massacres.
Há guerras que não acabam nunca, dizia há dias, Manuele Alegre, citando René Char.
Belo testemunho, João Pedro, e acho que entendo o que sentes. Outra voz que "encarnava" essa melancolia, para mim, é a de Adriano - e essa é seguramente uma das nossas mais belas vozes.
...antipatia pela probreza de que padece, a todos os niveis, a maioria da musica de intervenção é legitima....
...mas apesar de musicalmente ser bastante pobre, para nao dizer mau, Luis Cilia sempre denunciou com palavras objectivas.
...O que tambem é fácil, estando em França...
...mas a verdade é que tambem os "outros" (Mario Branco, etc) lá estiveram e tudo o que fizeram foi encher-nos ("intelectuais menos snobes") de poesia de alto valor erudito...que ainda hoje nao percebo...
...da musica de intervençao, para mim, fica como o registo da melancolia. do país, de então e do projecto totalmente falhado como os dias de hoje provam...
Vi o Cília ao vivo no velhinho ( e que já não existe) Teatro Sousa Bastos, em Coimbra, no ano de 1982, na fase do LP "Marginal". Era só ele e um contrabaixista (não tenho a certeza já, mas acho que era o Zé Eduardo). Eu mal conhecia o Luís Cília (tinha 22 anos e queria mas era rock português), mas esse foi um dos grandes concertos a que assisti. Marcou-me para sempre. Não me pareceu nada uma voz monocórdica, pelo menos nesta fase.
É certo que não há nada que agrade a todos... e em composição/expressão musical se tal houvesse todos os outros se remeteriam para o silêncio. Cada cabeça sua sentença...
A minha cabeça e em especial os meus ouvidos conhecem toda a obra gravada do Luis Cilia, bem como alguma que ele nunca gravou... e o tempo que "perdi" a ouvi-la foi bem gasto. O Luis, é claro ... tem dois grandes defeitos... o primeiro é que nunca se calou... o segundo é que ainda não se calou de vez. Um dia muitos irão lançar louvores... mas só quando estiver debaixo de sete palmos de terra... veja-se o caso do Zeca e do Adriano que em vida sofreram até dizer CHEGA! e mortos são outra "musica". Bem hajam Luis cilia e outros tantos (lembro-me do Vandré, do Freire, do Fanhais e do Tino) pelo seu trabalho
Tino de Rans :(
Desculpem a piada fácil, mas não sei quem é o Tino a que se refere
Manuel Freire
Padre Fanhais
Googlando, Vandré poderá ser Geraldo Vandré (Brasileiro)
Tino Flores...
peço desculpa pela imprecisão.
Aproveito a oportunidade para referir que José Saramago escreveu duas cartas ao luis nos anos sessenta a elogiar profundamente a musicalidade acrescentada à sua poesia. E porque de poetas falamos David Mourão Ferreira teceu comentários positivos ao disco do luis com obras de Sena para tal consultar o texto original em...http://www.luiscilia.com/index_ficheiros/dmf.pdf também Manuel Alegre e Urbano Tavares Rodrigues teceram considerações positivas acerca da obra do luis, consultar... http://www.luiscilia.com/index_ficheiros/Page2012.htm
peço desculpa pelo tom do meu desabafo, não pelo seu conteúdo,
grato
O site referido pelo Leonardo está muito bom. E o período que refere está precisamente dentro do âmbito temporal que já tinha referido antes (finais de 70 e inícios de 80), em que o trabalho de Luís Cília é de facto bem especial e único.
sobre vandré... é óbvio que é Geraldo Pedroso de Araújo Dias Vandregísilo, conhecido como Geraldo Vandré que cantou em português e que alguns portugueses o cantaram com muito ardor e afinco... ainda hoje o Fanhais o canta...
(a ironia não é o meu forte... nem a subtileza)
Estou com o Cília!
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