segunda-feira, 19 de outubro de 2009

NICHOLAS QUÊ..?! IMPORTA-SE DE REPETIR, MISTER... (01)


Para além de um bom museu de arqueologia (“Museum of Northern Arizona”, que não tive oportunidade de visitar) e de um ou outro edifício histórico dos finais do Séc. XIX , a cidadezinha de Flagstaff, no Arizona, não tem nada de especial que a recomende. Mas é uma das soluções de dormida para quem se proponha visitar o “South Rim” de Grand Canyon, como era o nosso caso. Não fica longe, a estrada é agradável e o alojamento é, certamente, mais abundante e barato do que nas imediações do Canyon. Foi por isso que previ lá ficar três noites, o que me permitiria, também, dar uma saltada a Sedona, que fica a umas trinta milhas de distância, a sudoeste. Tinha lido que Sedona era terra de “westerns”, embora não me lembrasse, em especial, de nenhum por lá rodado que me levasse a lá ir de propósito. Mas tinha visto num livro a fotografia de uma igrejinha moderna encrostada num rochedo que me tinha despertado a curiosidade.

Quando chegámos a Flagstaff, num sábado à tarde, a cidade estava em alvoroço e não nos foi possível encontrar, nas primeiras tentativas, um hotel à altura das requintadas ambições da Cristina… Decidimos, por isso, avançar de imediato para Sedona, para ver se aí teríamos melhor sorte. E tivemos, como verão…

A estrada para Sedona é muito bonita, ziguezagueando através de um longo desfiladeiro. A poucas milhas da entrada da cidade encontrámos alojamento, num belíssimo espaço de cabanas de madeira no sopé de um parque natural. Para completar o idílico quadro, ouviria até o som dos passarinhos e da água de um riacho nas proximidades, não se desse o caso de ser profundamente surdo…!

Quando ainda estávamos na recepção, reparei numa brochura que se encontrava em cima do balcão e que era - vejam bem a minha sina! - a história dos filmes rodados em Sedona e arredores. Pedi licença para a levar para a nossa cabana e deitei-me na cama a lê-la, enquanto fazíamos algum tempo para o jantar. E saltou a primeira surpresa: Sedona era, nada mais nada menos, que o local onde Nicholas Ray tinha filmado o “Johnny Guitar”! Como era possível tamanha ignorância da minha parte, eu que já tinha lido tanta coisa sobre Ray e sobre esse filme…? E é claro que já por diversas vezes a identificação desse local me tinha passado perante os olhos, tal como tive oportunidade de confirmar na minha estante, logo que regressei a Lisboa… Só tenho uma explicação: enquanto lugares como “Monument Valley”, “Death Valley”, Yosemite, e tantos outros eram, para mim, absolutamente míticos, Sedona era um nome que nunca me disse grande coisa, pelo que o esqueci com facilidade… E, em boa verdade, também nunca estive apaixonado pela paisagem do Johnny Guitar como estive pelas outras….

Não obstante, escusado será dizer-vos que estabeleci de imediato como primeira prioridade para o dia seguinte encontrar o lugar das quedas de água, por detrás das quais os “bandidos” do filme se esgueiravam para o seu esconderijo nas montanhas. E fiquei excitado, como sempre fico nestas circunstâncias…

Chegados à cidadezinha para jantar, estacionámos o carro e ….. segunda surpresa! Mesmo em frente dos meus olhos deparo com o edifício do “Museu do Cinema de Sedona”, ainda por cima de acesso gratuito! Estava mesmo no meu dia de sorte, e nem sequer um irritante furo no pneu (o segundo em quinze dias…) iria arrefecer o meu entusiasmo. Agora é que seria mesmo “canja” encontrar tudo quanto eu quisesse relacionado com o filme!

No dia seguinte, resolvido o problema do furo com uma troca de carros, avançamos então em direcção ao “Museu do Cinema de Sedona”. Um espaço pequeno de dois andares, com paredes recheadas de fotografias e cartazes de filmes. Lá encontrei o “Johnny Guitar”, embora em nenhum lado fotografias das ditas cenas das quedas de água. Dirigi-me ao rapazinho que estava ao balcão (trabalho voluntário, apercebi-me depois…) e coloquei-lhe a questão, com algum enquadramento…. Não percebeu o nome do Nicholas Ray, nem praticamente nada do que lhe disse. Optei por uma estratégia diferente: puxei-o para junto das fotografias e perguntei-lhe se conhecia o filme. Que sim, respondeu-me, embora sem grande convicção… Perguntei-lhe então se se lembrava das cenas com uma “waterfall”. Abanou a cabeça e confessou-me que não tinha ideia nenhuma... Já algo irritado, perguntei-lhe se me poderia indicar o local exacto onde o filme tinha sido “shooted”. Ah!, ali atrás, respondeu-me ele com a satisfação do dever cumprido, fazendo um gesto com o braço que daria para abranger todas as montanhas que rodeavam a cidade…

Saí para a rua desiludido, mas sem baixar os braços. Ainda tentei utilizar os serviços de uma agência turística que anunciava visitas pelas montanhas num simpático Jeep cor-de-rosa, mas mudei logo de ideias assim que vi os preços: o equivalente a 100 euros por pessoa… Ainda por cima sem a mínima garantia de encontrar o que pretendia.

Lancei-me então, sozinho, à aventura: Indiana Mira and the lost waterfall…! Encontrei belas paisagens, pequenos lagos, riachos, mas nada de quedas de água. Tivesse eu mais tempo e calcorrearia as margens do rio, para um lado e para o outro… Mas não tinha e ainda me faltava encontrar a tal igrejinha no meio das rochas….

Vejo indicado num mapa “Cathedral Rock” e não tenho dúvidas que é o local que eu procuro. Mas só depois de andarmos perdidos durante mais de duas horas no meio das montanhas me apercebi que “Cathedral Rock” era, apenas, o nome da montanha e que a igreja nada tinha a ver com isso… Em perfeito contraponto ao romantismo do filme de Nicholas Ray, a Cristina só não me matou porque lhe iria fazer falta o motorista durante o resto da viagem…! Mas ainda nos rimos depois e, bem vistas as coisas, tivemos um excelente momento de comunhão com a natureza, ao qual não faltaram sequer uns excelentes banhos nos riachos… E, no meio daquelas montanhas de um côr-de-rosa vivo, nunca tive a mínima dúvidas de que estava mesmo no interior dos cenários do “Johnny Guitar”…

Mas a ida a Sedona esteve longe de ter sido a sucessão de fiascos que podem imaginar… Foi um dos mais belos sítios por onde passámos nesta viagem, tal como vos contarei e documentarei na próxima “crónica”.

Colaboração de Luís Mira

3 comentários:

josé disse...

É engraçado. Normalmente, nos filmes citados vemos o panorama "larger than life". Aqui, tê-mo-lo na dimensão "narrower than life", o que lhe confere a dimensão mais próxima da realidade, mas retira-lhe o encanto da fantasia.

Não sente isso, ao visitar esses lugares?

josé disse...

"tê-mo-lo" é como quem diz...

filhote disse...

Estas crónicas conseguem levar-me na viagem. E, no caso deste texto, fiquei com água na boca para conhecer os próximos capítulos da saga...

Obrigado, Luís Mira!