terça-feira, 6 de outubro de 2009

MULHOLLAND DRIVE 01


Como é sabido, “Mulholland Drive” é coisa que entrou muito recentemente no imaginário cinéfilo, pela mão de David Lynch. Eu já por lá tinha andado, sem o saber, na primeira vez que fui a Los Angeles, quando ela era então, apenas, uma estrada estreita e sinuosa que, ao longo de 80 Km, atravessava as colinas de Hollywood e de Santa Mónica e vinha desaguar em Malibu. Assim uma espécie de Sunset Boulevard das montanhas… Sem nada especial que a recomendasse a não ser (e não é pouco…!) uma fabulosa vista, de um lado para San Fernando Valley, e do outro para LA, a que voltarei mais tarde.

Mas emoção, emoção a sério, senti quando atravessava Laurel Canyon, a caminho da Mulholand. É uma zona carregadinha de memórias: dos livros de Chandler, pois claro, mas também de Ross McCdonald. Elmore Leonard e James Elroy; do Cinema, e são várias as cenas de perseguições nesta colina que me lembro de ter visto; e, por falar em perseguições, li também algures que James Dean e Nicholas Ray, quando acabavam as filmagens do “Rebel.”já tarde, ficavam a tomar um copo e depois vinham os dois a “picar-se”, à desfilada, por estas estradas fora…

Mas o que mais impressiona, em Laurel Canyon, é a lista dos seus ilustres habitantes, actuais ou passados. Apertem os cintos de segurança, embora eu só me vá referir ao mundo do Cinema e da Música: em relação ao primeiro, moram ou moraram por aqui Tom Mix, Louise Brooks, Clara Bow, Mary Astor, Borlis Karloff, Bela Lugosi, Robert Mitchum, Errol Flymm, Orson Welles, Jean Renoir, Sue Lyon, Saul Bass, George Clooney, Meg Ryan, …. ; em relação ao segundo, Joni Mitchell (que se inspirou no “bairro” para o nome do seu álbum “Ladies of the Canyon”), Graham Nash, que viveu com ela e lhe dedicou “Our House” (aquela cantinguinha dos “two cats in the yard”…), Jackson Browne, que também viveu com a Mitchell, David Blue, outro que tal a quem Mtchell dedicou o álbum do mesmo nome (eu não sou má língua, mas acho que todos naquele bairro viveram ou tiveram um “affair” com ela…!), Jimmi Hendrix, Chris Hillman, Gram Parsons, Roger McGuinn, Jim Morrison, Ray Manzarek, John Mayal (o nome do seu álbum “Blues From Laurel Canyon” vem daqui…), Cass Elliot, Brian Wilson, Neil Young, Frank Zappa, Keith Moon, Keith Richards, Eric Burdon, Alice Cooper…

Se eu tivesse vivido em LA nesses tempos e fosse coleccionador de autógrafos, montava um banquinho num semáforo e ganhava o dia…!

Mas voltando às vistas de “Mulholland Drive”: se vocês chegassem ao Jardim de São Pedro de Alcântara, sem barreira nenhuma a bloquear-vos, e vissem um letreiro a dizer “A vista sobre Lisboa está fechada entre as 21h00 e as 6h00”, o que é que faziam…? Rebolavam-se a rir à gargalhada, claro está…! Foi o que eu e a Cristina fizemos quando vimos o “Aviso” que podem ver numa dessas fotografias...

Outras fotografias têm a sua curiosidade.

Numa delas podem ver, apanhado cá do alto, o Hollywood Bowl, palco de espectáculos lendários. Da primeira vez que fui a LA meti o carro por uma estrada de terra e, sem saber ler nem escrever, fui parar às traseiras do HB. Bastou-me saltar uma cancela para ficar em pleno palco, antes de vir um guarda com ar ameaçador perguntar-me o que estava eu ali a fazer…

Noutras poderemos ver as colinas do “Bosque Sagrado”, tal como lhe chamava, com o seu proverbial espírito de humor, o crítico cinematográfico Vinicius de Moraes:

… o Bosque Sagrado tem colinas, mas não tão íntimas como as
de aí da terra. Aqui são docemente afeiçoadas pelo homem, que
nelas constroem luxuosas vivendas com casinhola para automoventes,
e tanque de nadar, cuja curiosidade maior para o tamoio é possuir
água dentro, água Primo! de um lindo azul cansado pela substância
química denominada cloro, de resto mui irritante para a córnea


(Vinicius de Moraes, Jornal “Sombra”, Janeiro de 1950)

Nunca como agora tinha conseguido chegar tão perto destas mágicas nove letras, que já aqui se encontram plantadas desde 1923. Mais perto só em plena transgressão, saltando as cancelas e ignorando todos os alertas. Nada que me preocupasse grande coisa, não fosse o caso de já ser tarde, eu ter ainda de passar pelo Griffith Observatory para uma homenagem a James Dean e a Nicholas Ray, de que já aqui vos contei, e me esperar um bom jantar em Santa Mónica, seguido de uma voltinha na roda gigante do pontão, mesmo por cima do mar.

Colaboração de Luís Mira

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