sábado, 25 de abril de 2020

POR QUEM OS SINOS DOBRAM


Uma vez, já não me lembro bem onde, li uma notícia que achei uma delícia...

Em Maranello, terra da Ferrari, o pároco da igreja tocava os sinos sempre que a equipa da casa ganhava uma corrida de Fórmula 1 e os “fieis” vinham a correr, trazendo o que tivessem à mão, e no adro da
igreja, todos juntos, faziam a festa.

Numa época em que a Igreja parece estar em quebra de simpatizantes (acredito que já esteve bem pior e que Francisco deu uma mãozinha...), isto seria uma boa maneira de arregimentar novos aderentes.

Imagino os sinos a ouvirem-se ao longe e os adeptos à saída da Luz, em vez de irem encher o Edmundo ou o Boa Esperança, a correrem como doidos em direção à Igreja de São Domingos de Benfica...

Não que de vez em quando não lhes ficasse bem acenderem uma velinha, mas não tenhamos ilusões.

Coisas destas só mesmo em Itália e com o “Cavallino Rampante”...

É verdade que sino não tem tocado muito nestes últimos anos. No ano passado só tocou três vezes, embora uma tenha sido pela vitória em Monza, o que para um italiano vale sempre muito mais, até
porque desde 2010 que tal não acontecia... Em 2018 (6) e 2017 (5) terá tocado mais vezes, mas a grande desilusão foi 2016, em que não tocou uma única vez, certamente que para grande desilusão do nosso
pároco, que terá perguntado a Deus porque lhe virou as costas...!

No que mais interessa, que são os títulos, o último Campeonato do Mundo por Equipas data de 2008, com Raikkonen e Massa, e o último piloto a sagrar-se Campeão do Mundo com um Ferrari foi Kimi
Raikkonen, em 2007.

Mas acreditem que mesmo com tão longa espera, a fúria dos “tiffosi” não esmoreceu. Basta ver como a pista de Monza fica inundada de adeptos no final de cada corrida de F1 que lá se realiza.

Andei por Maranello à procura de uma igreja e até vi duas, mas esta que vos mostro é a que mais perto se encontra das instalações da Ferrari, pelo que pode muito bem ser aqui que o pároco manifesta a sua
satisfação...

Aqui, como é natural, cheira a Ferrari por todos os lados. Nos cartazes nas ruas, nas montras das lojas, nas janelas dos edifícios, eu sei lá...

Numa zona mais afastada do Centro, numa larga rotunda, um imponente “cavallino rampante” anuncia a entrada nos terrenos da Ferrari, onde coincidem, lado a lado, parte das antigas e as modernas instalações
fabris.

O maior pitéu, para quem gosta de automóveis, é, sem dúvida, a “Galleria Ferrari”, o Museu Automóvel da Ferrari.

Lá estão alguns dos principais modelos “de estrada”, desde o primeiro, o 166 MM Barcheta, até às grandes bombas tipo F40 dos anos 90.

Mas o verdadeiro êxtase reservado para as salas dedicadas à competição.

Lá encontramos o primeiro Ferrari de Competição, o 125 S, de 1947, com o qual a Ferrari ganhou pela primeira vez em Le Mans, em 1949.

Lá estão os carros com que a “Scuderia” ganhou os seus primeiros Campeonatos de Pilotos, a começar com o Ferrari Tipo 500 com que Alberto Ascari ganhou os Campeonatos de 1952 e 1953, o D 50 com que
Juan-Manuel Fangio ganhou em 1956, e o 246 Dino que deu a Mike Hawthorn o campeonato em 1958, ano dramático para a Scuderia quando dois pilotos morreram em pista (Luigi Musso em França e Peter
Collins na Alemanha) e o próprio Hawthorn morreria num acidente de viação, poucos meses após o final da época.

Mas também lá estão outras preciosidades: o 156 F1 de 1961 que foi pilotado por Phil Hill, a primeira miniatura de um Ferrari que tive em criança, o 312 com que Niki Lauda foi campeão do Mundo em 1977
e que também foi conduzido pelo malogrado Gilles Villeneuve, e algumas das viaturas conduzidas por Schumacher entre 2000 e 2004, quando foi campeão em cinco anos consecutivos.

Le Mans, é claro, também não podia faltar e, entre outras, por lá vi um exemplar do 275 LM que foi o último carro da marca a vencer em la Sharte em 1965 e foi, também, a primeira miniatura à escala 1:24
que me lembro de ter tido...

Mas nem só de carros vive o Museu Ferrari...


Para quem se interessar pela vertente técnica da competição (não é muito o meu caso...), estão lá expostos motores de diferentes épocas, caixas de velocidade, jogos de suspensão, pneus e outras
componentes das viaturas.

Outro espaço que nos encanta é o dedicado ao equipamento dos pilotos: capacetes, fatos, luvas, botas, e quanta emoção não se sente ao ver os que pertenceram àqueles que partiram desta Vida cedo demais, como é o caso de Gilles Villeneuve, cujos equipamentos aqui vos mostro.

Para além de tudo isto há cartazes, recortes de jornais, filmes da época e outros suportes de informação alusivos à História da Ferrari.

13 € foi quanto me custou a entrada neste Museu, há 10 anos atrás. Nada caro, para tão grande prazer...

Perto da “Galleria”, um “Stand” da Ferrari com diversos modelos à porta convida-nos para um “Test-Drive”. Ainda pensei lá ir, mas rapidamente desisti. A minha conta bancária não chegaria, certamente, para o depósito de caução que teria de lá deixar...
É por isso que a Ferrari é um sonho!

Só de o cheirar, até um cego o quer guiar... Lembram-se da cena do Al Pacino no “Perfume de Mulher”...?

Mas o Al Pacino do filme era rico e inconsciente, e eu sou um teso consciente...

Virei costas desolado e pela avenida fora dei por mim a pensar para com os meus botões, como o outro o fazia, embora com uma tentação muito mais prosaica, em plena manifestação do 25 de Abril:

“Um Ferrari, assim, jamais será p’ra mim...! Um Ferrari, assim, jamais será p’ra mim...! Um Ferrari,
assim................................”

Texto de Luís Mira

3 comentários:

Anónimo disse...

Que saudades eu tinha destas inspiradas crónicas !.

Ficaram lendárias aquelas aqui lavradas narrando viagens e aventuras aos locais dos cenários dos filmes de Hollywood e dos míticos concertos no Bowl cuja memória paira como sobre a icónica costa californiana jazendo jus ao o pioneirismo português na sua descoberta ( Rodrigues Cabrilho). Como um folhetim, cada episódio deixava o leitor salivando pela continuação da saga digna de figurar entre a melhor literatura de viagens (Paul Theroux, cuida-te !).

A escrita consegue transmitir mais emoções e uma visão mais penetrante do que uma imagem, parecendo contrariar aquele aforismo chinês de que “uma imagem vale mais que mil palavras”. Uma imagem pode captar a matéria mas não o espírito. É preciso modelar o espaço para que este anule o tempo e a aridez da matéria. Só assim é possível associar as vitórias da Ferrari ao sino duma igreja que geralmente dobra por finados ou evocar o finado Gilles Villeneuve para chegar ao Al Pacino do filme de Dino Risi em flagrante contraste com um qualquer filme sobre a marca do cavalinho em que o recorrente roncar do motor do bólide vermelho equivaleria ao roncar do leão da MGM. Faltava o enredo.
Em relação à analogia com os sinos da igreja da S. Domingos de Benfica, ocorre-me que talvez seja mais apropriados o sino do Santuário da Luz pois, além da proximidade, a catedral futebolística do S. L. Benfica deve o seu nome justamente ao milagre da luz pelo qual o Santuário da Luz foi erigido rendendo-lhe devoção e memória perpétuas. E o S.L. Benfica devolveu o “plágio” do nome com juros de mora ao patentear o topónimo “LIGHT Stadium” pelos quatro cantos do mundo.
Infelizmente, nos tempos mais recentes, quando o “LIGHT Stadium” é citado por um locutor anglo-saxónico é sinal que a equipa encarnada foi derrotada pelo gentio adversário, aos adeptos benfiquistas pouco mais resta senão uma romaria em passo acelerado ao Edmundo, Miudinho e Coreto batendo o naco na pedra transformada em muro das lamentações para expiação de tão injusta derrota a exorcizar em sápidas turras para que, à velocidade da Luz, venha a almejada e saborosa vitória . Sempre é melhor do que ir ao Colombo pois aí apenas pode contar com o ovo.

Resta desejar que a Luz nos acompanhe e faça o milagre que o presente mau tempo clama, e “não se muda já como soía”.

JR

josé disse...

Subscrevo. Venham mais.

Luís Miguel Mira disse...

Muito obrigado JR!
O seu texto é bem mais estimulante que o meu...
Saudações também ao José, o Amigo que me deu a conhecer o Philippe Garnier!
Abraço a ambos!
LM