sexta-feira, 10 de abril de 2020

OS BEATLES NÃO ACABARAM


Luís Pinheiro de Almeida *

Os Beatles separaram-se há 50 anos, mas não acabaram.

Como?

Os portugueses têm ditos que se enquadram perfeitamente: “o que tem de ser, tem muita força” e/ou “não há bem que sempre dure nem mal que não se acabe” (este último com cabimento, também, na presente situação mundial).

Por mim, adopto a fórmula mais simples: “os Beatles separaram-se, porque sim!”.

Mutatis mutandis, começa-se a morrer logo que se nasce. Os Beatles não foram excepção, até porque logo no parto se poderia pressentir (é fácil dizer isso agora) que um conjunto de quatro génios iria dar em torto.

Enquanto não deu, os Beatles tiveram uma carreira fulgurante, inigualável, inovadora, pioneira em quase tudo. Só me lembro de duas coisas em que não foram pioneiros: primeiro álbum duplo e primeiro concerto em telhado, honras que pertenceram a Frank Zappa e a Roberto Carlos.

Eis uma pequena noção do que os Beatles foram capazes em apenas 8 anos de carreira (1962-1970):

Primeiros a ter um álbum classificado no top britânico de singles com “With The Beatles” (7º lugar em 1963)
Primeiros a conseguir um milhão de pré-encomendas de discos na Grã-Bretanha com “I Want To Hold Your Hand” (1963)
Primeiros a substituirem-se a si próprios no primeiro lugar do top britânico de singles com “I Want To Hold Your Hand” e “She Loves You” (1963)
Primeiros artistas britânicos a conquistar os Estados Unidos (1964)
Primeiros a ocupar os cinco primeiros lugares no top norte-americano com “Twist And Shout”, “Can’t Buy Me Love”, “She Loves You”, “I Want To Hold Your Hand” e “Please Please Me”, em Março de 1964
Primeiros artistas nos primeiros lugares simultâneos da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos com “Can’t Buy Me Love” (1964)
Primeiro feedback da música em “I Feel Fine” (1964)
Primeira capa de álbum gatefold com “Beatles For Sale” (1964)
Primeiro fade-in numa canção em “Eight Days A Week” (1964)
Primeiros a usar guitarra wah-wah em “I Need You” (1965)
Primeiro grupo a actuar num estádio (She Stadium, Nova Iorque, 15 de Agosto de 1965)
Primeiro double A side com “Day Tripper/We Can Work It Out” (1965)
Primeiros artistas a realizar videos de promoção com “Day Tripper/We Can Work It Out” (1965)
Primeiros a ser condecorados pela Raínha (MBE)
Primeiro instrumento indiano (cítara) na música pop em “Norwegian Wood” (1965)
Primeira gravação com backwards em “Tomorrow Never Knows” (1966)
Primeiros a utilizar ADT (Automatic Double Tracking) nas gravações
Primeiro grupo a usar o mellotron em “Strawberry Fields Forever” (1967)
Primeiro álbum conceptual com “Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band” (1967)
Primeiro álbum com as letras impressas na capa em “Sgt Pepper’s” (1967)
Primeiro álbum com canções sem intervalo com “Sgt Pepper’s” (1967)
Primeiro álbum com extras (desenhos, etc) em “Sgt Pepper’s” (1967)
Primeira capa interior protectora do disco a cores em “Sgt Pepper’s” (1967)
Primeiro som inaudível para humanos em “Sgt. Pepper’s” (1967)
Primeiro álbum com loop no fim de “Sgt Pepper” (1967)
Primeira canção em directo para todo o Mundo via televisão com “All You Need Is Love (25 de Junho de 1967)
Primeiro grupo a ter a sua própria loja (“The Apple Boutique”, 07 de Dezembro de 1967)
Primeiros artistas a editar um duplo EP com “Magical Mystery Tour” (1968)
Primeiro grupo com etiqueta própria (Apple, 1968)
Primeiro single com mais de 7 minutos com “Hey Jude” (1968)
Primeiro fade-out longo, de 4 minutos, em “Hey Jude” (1968)
Primeiro álbum duplo de grupo com "The Beatles" (1968)
Primeiro álbum com abertura superior com “The Beatles” (1968)
Primeira capa sem nome e sem artista com “Abbey Road” (1969)
Primeira faixa escondida com “Her Majesty” em “Abbey Road” (1969)
Primeiro grupo com livro com as letras das canções (“Illustrated Lyrics”, 1969)
Primeiro álbum com caixa e livro com “Let It Be” (1970)
Primeiros artistas com 12 consecutivos números um no top britânico de singles
Primeiros artistas com 11 consecutivos números um no top britânico de álbuns (aliás a totalidade da sua discografia oficial)

Tudo era virgem para os Beatles , um mar de rosas à sua volta: fama, dinheiro, mulheres… o que se possa imaginar! Um dia – que não foi um dia, mas vários – o paraíso estourou!

Tudo terá começado em consequência da fama que os próprios Beatles geraram. De início, tudo era muito bonito e proveitoso. Com alguma graça, dizia Lennon para McCartney: “vamos lá compor mais uma piscina!”.

Em 1965, John Lennon já cantava “Help!”, em desespero, e em 1966, escassos 4 anos após o início da brilhante carreira discográfica, os Beatles desistiram de tocar ao vivo. “Para quê? Nem nos ouvimos a nós próprios. Às vezes até só mexemos os lábios, mas as pessoas pensavam na mesma que estávamos a cantar!”.

O momento foi aproveitado (ou provocado?) para os Beatles dedicarem mais tempo ao estúdio, com novas sonoridades, novas técnicas de gravação, que eles próprios iam descobrindo, novos instrumentos que também eles iam experimentando.

É a altura em que os génios individuais começam a despontar, primeiro, insipidamente, em “Revolver”, depois, mas encapotadamente, em “Sgt Pepper” para finalmente explodir em “The Beatles”, no que foi um processo gradual.

No ano seguinte, em 1967, há a machadada que se pode considerar fatal: a morte de Brian Epstein.

No círculo dos militantes  dos Beatles há um desporto favorito que eu, todavia, considero abusivo: “quem é o 5º Beatle?”. Os Beatles eram 4 e ponto final! Admito que se possa considerar quem foi, depois, o mais próximo deles. George Martin? Brian Epstein? Só para citar “os do costume”. George Martin, é verdade, foi o que melhor interpretou as ideias dos músicos, mas Brian Epstein foi quem melhor os compreendeu e melhor os orientou desde que ouviu falar de “um conjunto que tocava em Hamburgo”.  E agora vou dizer o que, para muitos, será uma indignidade: fê-lo por ser homossexual.
Mas Brian teve esse excepcional condão de os manter unidos.

O primeiro grito do Ipiranga, na senda de “Help!”, terá sido o de John Lennon, depois seguido por George Harrison e Ringo Starr, “arrufos de namorados”, que não foram tomados muito a sério!

O verdadeiro divórcio – foi assim, aliás, que o próprio o classificou – surgiu com Paul McCartney e a publicação do seu primeiro álbum a solo, “McCartney”.

McCartney foi sempre o grande marketeer dos Beatles e não deixou de aproveitar esta oportunidade para fazer “dois em um”: promover o seu próprio álbum a solo, com uma notícia de manchete, “o fim dos Beatles” – Daily Mirror, 10 de Abril de 1970, e, simultaneamente, sair dos Beatles pela porta grande, onde, aliás, já se considerava “desconfortável”, até por considerações familiares.

“A culpa não é de Yoko”, qual carapuça, longe disso! As coisas aconteceram assim, porque tinham de acontecer!

Paul McCartney achou por bem deixar os Beatles quando os três restantes companheiros optaram por Allen Klein para tomar conta dos seus negócios em detrimento do seu cunhado John Eastman.

Foi o estoiro!

Estoiro que tinha de acontecer, de uma maneira ou de outra!

O canto do cisne – mas que “canto”! – foi “Abbey Road” e ponto final! É a História e, do meu ponto de vista, um final de história bem feliz!

Mas os Beatles não acabaram! Não é por acaso que estamos hoje ainda a falar deles, meio século depois de terem “acabado”, com novas gerações a idolatrá-los e a musicá-los como outrora, como documenta, e bem, por exemplo, o portuguesíssimo Fast Eddie Nelson, o “Beatle do Barreiro”, honra lhe seja feita!..

*com Teresa Lage e Paulo Marques

3 comentários:

Anónimo disse...

Falando de recordes relacionados com The Beatles, o recorde do mais longo, pormenorizado e qualitativo artigo sobre um dos seus álbuns, é bem capaz de residir aqui :
https://guedelhudos.blogspot.com/2020/01/abbey-road-50-anos-by-francis-mann.html

Se àquele acrescentarmos o presente artigo então só resta a consideração ao Guiness Book of Records.

Já li livros bem meno interessantes, intensos ou extensos. E nem a Wikipedia consegue igualar. Nem mesmo a Britannia Encyclopedia

JR

PS: “Shea Stadium” em vez de “She Stadium”, o que não deixa de ser verdade porque o estádio estava cheio de “elas” e muitas ficaram à porta a choramingar ( as do interior também choramingavam, por mais ) “Cry Baby Cry”

Anónimo disse...

Achei curioso que a notícia sobre a separação deles fosse dada em Portugal no próprio dia 10 pelo Diário de Lisboa. E no dia seguinte este vespertino relatava que a imprensa britânica tinha anunciado o fim de uma era. Tinham razão.

ié-ié disse...

O "Diário de Lisboa" era vespertino e o telegrama da Reuter chegou a tempo...