sexta-feira, 5 de março de 2010

QUAND ON AIME, ON A TOUJOURS RAISON…


Andei por aqui a falar de “franceses” bem amados, por mim, e mal amados pela generalidade dos meus contemporâneos, e hoje salta outro…

Mas, para o enquadrar, tenho de regressar ao sótão das memórias…

Andava eu aí pelos 12/13 anos (não consigo precisar a data…), e o meu irmão, nove anos mais velho, preparava o seu curso de Direito. Ele tinha um hábito que eu também adquiri, uns anitos depois: só gostava de estudar à noite, de madrugada, melhor dizendo. E com música de fundo…

Até aqui, nada de especial, se não ocorresse um outro facto: o de dormirmos ambos no mesmo quarto. Vivíamos, então, numa dessas casas enormes da Avª da República, pelo que o tamanho do quarto era generoso e de modo a não nos atropelarmos um ao outro.

Ainda hoje, quando caio no sono, durmo que nem uma pedra, mas nesses tempos a pedrada era ainda maior. Não me incomodava nada, por isso, o barulho que a música e o meu irmão faziam, eu que nem sequer consegui acordar com o grande tremor de terra que por essa altura assustou Lisboa.

Este meu irmão, para se descontrair do estudo, também gostava de se divertir a meio da noite. Só que enquanto eu o fazia acompanhado, a jogar com uma bola de papel, como já aqui vos contei, ele brincava …. comigo! Atar-me com uma corda os pés aos pés da cama, para não poder saltar dela no dia seguinte, queimar uma rolha e pintar-me a cara toda de preto (patilhas, bigodes, chifres, eu sei lá…), acordar-me a meio da noite só para poder ter o gozo de fazer um “instantâneo” de “um puto a acordar a meio da noite”, eram algumas das brincadeiras com que me brindava, frequentemente. E eu, ou não dava por nada, ou então voltava-me para o outro lado e continuava a dormir, como no caso das fotografias.

Foi assim que me habituei a adormecer ao som dos programas de rádio que o meu irmão escolhia. “Tac-Tac em mangas de camisa”, “este disco é intocável mas, felizmente, não é inquebrável”, são frases que frequentemente me acompanhavam até aos braço do Morfeu…

Mas é claro que também havia músicas, e de uma delas nunca mais me esqueci. Tinha um refrão que dizia “quand on aime, on a toujours raison”, e eu, não sei bem porquê, gostava muito dessa música e dessa frase, cujo sentido literal já conseguia perceber com o francês rudimentar desses meus 12/13 anos. E sabia-me bem adormecer a ouvi-la, quando isso se proporcionava. A frase, essa tem-me acompanhado a vida inteira, e tantas vezes ao longo dela procurei ter razão através dos olhos de uma Mulher…

Questionado uns anos mais tarde, nunca o meu irmão me conseguiu dizer quem cantava e, muito menos, como se chamava essa música.

Muito tempo depois, ao ler as “notas” de um vinil do Guy Béart, julguei encontrar a resposta. O autor do texto fazia uma introdução geral à obra e às características do intérprete/compositor e, a determinada altura, a frase mágica lá aparecia, como se fosse uma citação de uma das suas canções. Mas, desgraçadamente, não dizia qual…

Depois disso, tentei comprar quantos discos de Guy Béart me aparecessem à frente, sabendo-se que, nessa altura, também não havia assim tantos como isso. Em Paris, onde me deslocava com muita frequência por motivos profissionais, chegava às lojas de discos do Quartier Latin e, quando os empregados sabiam quem era Guy Béart, punha-me a cantar a música para ver se eles a reconheciam de algum lado, como se estivesse num filme do Jacques Demy.

Invariavelmente os meus interlocutores, fossem eles mulheres ou homens, novos ou mais idosos, ficavam a olhar para mim com uma cara meio apardalada, como quem pensa para com os seus botões: “Mas o que é que este gajo espera de mim…!!??”

Cansei-me dessas tristes figuras, mas não de procurar a música. Mas quase 40 anos e muitos discos do Guy Béart depois, continuo na mesma. Pode ser que me tenha enganado no caminho, e a música nem seja dele. Mas, sendo ou não de Béart, ainda espero não morrer sem ter a oportunidade de a voltar a ouvir…

É claro que só ponho este texto aqui na secreta esperança que algum dos viajantes deste “blogue” a conheça, a saiba localizar e me dê as coordenadas necessárias para eu pôr o meu GPS a funcionar. Ficar-lhe-ia eternamente grato…

Quanto a este meu irmão mais velho, deixou-nos há cinco anos atrás. Esteja ele onde estiver, ergo uma flûte de espumante em sua memória. E gostaria tanto de poder dizer-lhe quão bom seria acordar, amanhã, com um pé atado aos pés da cama, ou com o rosto todo chamuscado de fuligem…

Obs: É claro que este disco do Béart nada tem a ver com essa música, e está aqui só para ilustrar o texto.

Colaboração de Luís Mira

4 comentários:

carlos disse...

Luís:
Não conheço a obra do Guy Béart, mas não foi difícil achar informações que lhe interessem.
O título da música é o do refrão, e pode ler a letra aqui:

http://www.frmusique.ru/texts/b/beart_guy/quandonaimeonatoujoursraison.htm

No site abaixo, pode ver a discografia em vinilo e CD, e localizar a música em questão:

http://jack200.free.fr/beart/

Quanto a encontrar discos com a dita faixa, já me parece mais difícil, mas uma pesquisa na ebay francesa pode dar bons resultados...

Boa caçada :-D

Karocha disse...

Muito bonito como sempre Luís.

Luis Mira disse...

Caro Carlos,

Muitíssimo obrigado pelas descobertas que me proporcionou!!!

Um site de música francesa em Moscovo, onde li a "letra" da música!!! O proprio "site" do Guy Béart onde descobri dois discos que contêm essa musica!!!

É espantosa a quantidade de CD's do Guy Béart que estão identificados no "site" e que nunca vi à venda em Paris...! No "site" fala-se de boicote dos distribuidores a Guy Béart, e não me admiro nada que isso seja mesmo verdade...

Entretanto, também já fui ao "E.Bay Francês", onde já estabeleci contacto com uma tal Karine para me encontrar o disco... Nunca lá tinha ido nem sabia que ele existia! Da América sim, mando vir muita coisa...

Se eu não fosse tão "nabo" e não tivesse tanta aversão à Net como tenho, já podia ter tratado disto há mais tempo sem chatear ninguém...!

Obrigado, mais uma vez, Amigo Carlos! Beberei à sua saúde quando o disco cá chegar...

Queirosiano disse...

Luis Mira:

Ele há coincidências...refere-se ao ZC ?

Um bom amigo de outros tempos.