sábado, 16 de dezembro de 2017

QUANDO O TEMPO ERA MUITO MAIS LENTO


Lembram-se, por este tempo, quando abriam a caixa do correio e desabava um mar de cartas com postais de Boas Festas?

As palavras, os desejos eram sempre os mesmos, mas sentíamo-nos confortáveis.

Agora apenas as cartas costumeiras das facturas disto, daquilo, daqueloutro, que há para pagar, a publicidade de viagens de fim de semana, um cartãozinho do Professor Fofana, especialista em amor, astrólogo, médium africano, 45 anos de experiência…

Já não há cartões de Boas Festas.

 Onde é que ficou esse tempo?

 Quando perdemos esse gosto?

Sentir uma amarga nostalgia por esse tempo, um certo pânico por este silêncio, por este deserto de afectos.

Gostar de cartas, gostar de cartões de Boas Festas, gostar de selos, coleccionar selos, gostar de esperar, ansioso, pela chegada do correio, cartas, por vezes ilegíveis – por sua dama tornou-se paleógrafo - abrir a carta com uma faquinha apropriada, ou abrir a carta, desesperadamente, rasgando o envelope, quando se esperam palavras como sem ti a minha vida não era a mesma coisa.

Os correios comovem-no. Quem leu Júlio Dinis sabe do que ele está a falar.

O correio electrónico, o telemóvel, a atrocidade facebookiana, toda essa tralha de última geração, tomaram-nos de assalto, determinaram que é obsoleto comprar um cartão de Boas Festas, escrever palavras com uma caneta, o caminhar para uma estação de correios, procurar um marco do correio perto da rua onde se mora.

Mãe tá-se? Tou aí no Natal levo a Bé. Depois dou um tok para confirmar.

O José Gomes Ferreira ensinou-lhe que saudades, só do futuro, mas, caramba! tem saudades do tempo em que não havia telemóveis, mails, tem saudades do tempo em que as cartas, os cartões de Boas Festas que se enviavam, quando os amigos estavam perto, estavam aquém dos olhos, e nos dizíamos uns aos outros que é sempre pouco o esforço que se faz para gostar.

 Coisas simples, sinceras, saber que ser amigo é poder a gente entregar-se sem nos passar pela cabeça que o próximo se vai rir de nós.

Não tens traço nenhum particular, meu amigo. Presença ou puro espírito, uma força através de mim.

Texto de Gin-Tonic

1 comentário:

Rato disse...

Bela prosa, como é hábito do Hugo. E fez-me lembrar aquele tempo, um tempo que não volta mais. Fui dos que mantive uma correspondência amorosa (mais de 2 anos) e era por isso um dos que rasgava de imediato o envelope, com a maior das sofreguidões. Hoje em dia continuo a prescindir do telemóvel, que não me faz falta nenhuma.