Não me consta que tenha chorado ou me tenha escondido debaixo da cadeira com medo na primeira vez que fui ao cinema. Bem pelo contrário! De acordo com a minha prima Lena, que foi quem me levou, portei-me lindamente e acompanhei todo o filme com muita atenção. Um único percalço aconteceu: um trambolhão, por não estar habituado a cadeiras que me desapareciam debaixo do rabo sem ninguém lhes tocar... Foi no Monumental, era "A Bela Adormecida" e eu ainda não tinha seis anos (notem que lhes digo isto num tom de voz como quem vos fala de um primeiro amor: "era Primavera, ela chama-se Mariana e eu tinha 12 anos"...).
Medo, mas medo mesmo a sério, lembro-me de ter tido uns anitos depois, ao ver na televisão um filme que se chamava (nunca mais o esqueci...) "A Floresta Petrificada". Não era muito habitual poder ficar acordado a ver televisão com os "crescidos" depois do jantar, mas às vezes acontecia: por não haver escola no dia seguinte ou por especial tolerância dos meus pais ou dos meus irmãos, bastante mais velhos do que eu.
Mas às vezes também acontecia por distracção, pensava eu…. Ficava lá atrás muito quietinho sem tugir nem mugir, e quanto davam por mim já era demasiado tarde: já tinha aparecido no ecran a cena do beijo final de que tanto gostava. Mas ainda ia a tempo de ouvir da parte da minha irmã o raspanete do costume: "Isto não são filmes para crianças, e já devias estar na cama há muito tempo!" Não me aquecia nem me arrefecia e nem sequer a humilhação de me chamarem “criança” pela enésima vez me tirava o prazer do fruto proibido.
Hoje sei que puto nenhum fica por “esquecimento” numa sala durante duas horas a ver televisão, com outras pessoas à sua volta . Simplesmente, os sacaninhas dos meus irmãos preferiam deixar-me todo esse tempo “com a coração nas mãos”, a fazerem-me um gesto de tolerância. Tanto melhor assim. Ajudou-me a desenvolver o gosto pelo doce sabor da transgressão, que haveria de me acompanhar pela vida fora…!
Naquela noite vi "A Floresta Petrificada", não me lembro se de forma legal ou às escondidas. Lembro-me do "mau" da fita me ter provocado um medo terrível! Não sei se pelo estilo de representação se pelo facto da "violência" ser exercida sobre uma pobre rapariga e um velho, mas petrificado de medo e com um nó na garganta fiquei eu. E sem poder dizer nada nem transmitir qualquer tipo de ansiedade, porque isso seria dar aos “adultos” a prova de que eu não podia, de facto, habitar a noite e ver "os filmes deles". E nunca a chegada dos "bons" me deve ter sabido tão bem como nesse filme...
Estava então longe de sonhar que, muitos e muitos anos mais tarde haveria de saber umas coisas sobre esse filme: que fora realizado em 1936 por Archie Mayo, um dos mais prolíferos artesãos da Warner daqueles tempos, ao lado de Michael Curtiz, William Keighley , Lloyd Bacon e tantos outros; que Betty Davis nunca mais foi tão bonita como nesses gloriosos anos trinta; que o mau da fita se chamava Duke Mantee e que esse personagem tinha representado um importantíssimo ponto de viragem na carreira de Humphrey Bogard, que deixou de fazer os seus anteriores papeis quase anónimos de galã bem comportado e passou a ter direito a papeis principais, quase sempre de “mau, muito mau”, até que um outro filme - "High Sierra", que Raoul Walsh" realizou em 1941 - o suavizasse e lhe permitisse o acesso a um outro tipo de personagem de “herói simpático” que iria, quase sempre (há poucas excepções que confirmam a regra…), representar até morrer, em 1957, de um cancro no esófago e de um milhão de whiskies, como na altura escreveu André Bazin.
Fui visitar o "Petrifed Forest National Park" com estas memórias na cabeça, mas não com a expectativa de lá encontrar quaisquer reminiscências do filme, sabendo eu muito bem que tudo aquilo cheirava, não a exteriores, mas aos cartões e à madeira dos estúdios da Warner Brothers….
A história deste Parque é conhecida: há 225 milhões de anos atrás (???) esta era uma zona de florestas, lagos e riachos. A acção de fenómenos geológicos e biológicos através dos tempos fez com que as águas desaparecessem, as árvores apodrecessem e, progressivamente, fossem cristalizadas e transformadas em rocha. A acção do Homem, por sua vez, levou a que muitas dessas rochas tivessem sido pilhadas e hoje é possível encontrar, bem fora do Parque, grandes edifícios com enormes anúncios a indicar que é aí, e não no Parque, que se encontram os maiores exemplares de árvores petrificadas..! Depois de casa roubada, trancas à porta. Hoje o Parque é rigorosamente vigiado por carros-patrulha que, a todo o momento, nos podem obrigar a encostar e nos passam o carro a “pente fino”. Consta que levar uma simples pedrinha que seja é motivo para grandes chatices…
A norte de “Petrified Forest” fica o “Painted Desert” onde, em pontos estratégicos de observação, é possível ver montanhas a 60 milhas de distância.
O que também é possível encontrar bem no interior do Parque são vestígios da antiga Route 66, que o atravessava longitudinalmente. E logo à saída, na localidadezinha de Holbrook, deparamos com o que resta do “Wigwam Motel”, um dos mais célebres lugares desta mítica estrada.
Medo, mas medo mesmo a sério, lembro-me de ter tido uns anitos depois, ao ver na televisão um filme que se chamava (nunca mais o esqueci...) "A Floresta Petrificada". Não era muito habitual poder ficar acordado a ver televisão com os "crescidos" depois do jantar, mas às vezes acontecia: por não haver escola no dia seguinte ou por especial tolerância dos meus pais ou dos meus irmãos, bastante mais velhos do que eu.
Mas às vezes também acontecia por distracção, pensava eu…. Ficava lá atrás muito quietinho sem tugir nem mugir, e quanto davam por mim já era demasiado tarde: já tinha aparecido no ecran a cena do beijo final de que tanto gostava. Mas ainda ia a tempo de ouvir da parte da minha irmã o raspanete do costume: "Isto não são filmes para crianças, e já devias estar na cama há muito tempo!" Não me aquecia nem me arrefecia e nem sequer a humilhação de me chamarem “criança” pela enésima vez me tirava o prazer do fruto proibido.
Hoje sei que puto nenhum fica por “esquecimento” numa sala durante duas horas a ver televisão, com outras pessoas à sua volta . Simplesmente, os sacaninhas dos meus irmãos preferiam deixar-me todo esse tempo “com a coração nas mãos”, a fazerem-me um gesto de tolerância. Tanto melhor assim. Ajudou-me a desenvolver o gosto pelo doce sabor da transgressão, que haveria de me acompanhar pela vida fora…!
Naquela noite vi "A Floresta Petrificada", não me lembro se de forma legal ou às escondidas. Lembro-me do "mau" da fita me ter provocado um medo terrível! Não sei se pelo estilo de representação se pelo facto da "violência" ser exercida sobre uma pobre rapariga e um velho, mas petrificado de medo e com um nó na garganta fiquei eu. E sem poder dizer nada nem transmitir qualquer tipo de ansiedade, porque isso seria dar aos “adultos” a prova de que eu não podia, de facto, habitar a noite e ver "os filmes deles". E nunca a chegada dos "bons" me deve ter sabido tão bem como nesse filme...
Estava então longe de sonhar que, muitos e muitos anos mais tarde haveria de saber umas coisas sobre esse filme: que fora realizado em 1936 por Archie Mayo, um dos mais prolíferos artesãos da Warner daqueles tempos, ao lado de Michael Curtiz, William Keighley , Lloyd Bacon e tantos outros; que Betty Davis nunca mais foi tão bonita como nesses gloriosos anos trinta; que o mau da fita se chamava Duke Mantee e que esse personagem tinha representado um importantíssimo ponto de viragem na carreira de Humphrey Bogard, que deixou de fazer os seus anteriores papeis quase anónimos de galã bem comportado e passou a ter direito a papeis principais, quase sempre de “mau, muito mau”, até que um outro filme - "High Sierra", que Raoul Walsh" realizou em 1941 - o suavizasse e lhe permitisse o acesso a um outro tipo de personagem de “herói simpático” que iria, quase sempre (há poucas excepções que confirmam a regra…), representar até morrer, em 1957, de um cancro no esófago e de um milhão de whiskies, como na altura escreveu André Bazin.
Fui visitar o "Petrifed Forest National Park" com estas memórias na cabeça, mas não com a expectativa de lá encontrar quaisquer reminiscências do filme, sabendo eu muito bem que tudo aquilo cheirava, não a exteriores, mas aos cartões e à madeira dos estúdios da Warner Brothers….
A história deste Parque é conhecida: há 225 milhões de anos atrás (???) esta era uma zona de florestas, lagos e riachos. A acção de fenómenos geológicos e biológicos através dos tempos fez com que as águas desaparecessem, as árvores apodrecessem e, progressivamente, fossem cristalizadas e transformadas em rocha. A acção do Homem, por sua vez, levou a que muitas dessas rochas tivessem sido pilhadas e hoje é possível encontrar, bem fora do Parque, grandes edifícios com enormes anúncios a indicar que é aí, e não no Parque, que se encontram os maiores exemplares de árvores petrificadas..! Depois de casa roubada, trancas à porta. Hoje o Parque é rigorosamente vigiado por carros-patrulha que, a todo o momento, nos podem obrigar a encostar e nos passam o carro a “pente fino”. Consta que levar uma simples pedrinha que seja é motivo para grandes chatices…
A norte de “Petrified Forest” fica o “Painted Desert” onde, em pontos estratégicos de observação, é possível ver montanhas a 60 milhas de distância.
O que também é possível encontrar bem no interior do Parque são vestígios da antiga Route 66, que o atravessava longitudinalmente. E logo à saída, na localidadezinha de Holbrook, deparamos com o que resta do “Wigwam Motel”, um dos mais célebres lugares desta mítica estrada.
Colaboração de Luís Mira
39 comentários:
Luís Mira,
Excelente texto e excelente filme!
Há um outro filme dos anos 30 - num registo bem diferente - que me fascinou: The Most Dangerous Game, realizado e produzido pela dupla Ernest B. Schoedsack e Merian C. Cooper, responsáveis um ano mais tarde por King Kong!
Curiosamente este filme fez muito mais dinheiro que o próprio King Kong, um dos primeiros big budgets do cinema!
Obrigado!
Esse filme, que em Portugal se chamou "O Malvado Zarof", é menos conhecido e menos espectacular do que o King Kong mas, em minha opinião, muito melhor...
Curiosamente, só esta semana arranjei disponibilidade para ver "Zodiac", um dos últimos filmes de David Fincher (o realizador de "Seven"), no qual são feitas muitas referências a "The Most Dangerous Game".
Bom fim de semana!
Por falar em David Fincher aconselho vivamente "The Curious Case de Benjamin Button". Perdi-o no écran grande mas no passado fim-de-semana vinguei-me e vi-o duas vezes de seguida em DVD. Grande injustiçado dos últimos Oscars é um daqueles filmes únicos que só aparecem de vez em quando.
Já agora disponham de mais uns (poucos) euros e comprem a edição dupla - ficarão servidos com um magnífico documentário sobre o filme.
Luis Mira,
Eu como bom revivalista ( melómano e cinéfilo) não vi nem o Zodiac nem o Benjamin Button, mas ainda vou a tempo!
Às vezes gosto de ver os filmes que estão na berra algum tempo depois... sem reserva mental e sem pressão mediática!
Rato,
Os Oscars desde há uns largos anos ( um pouco antes do ano de Schindler's List) que são só politica, espectáculo e propaganda mediática e onanismo yankee pseudo-cultural . Hoje em dia qualquer actorzeco ou realizadorzito ganha um oscar...
Thanks, but no thanks!
Gouveia,
Atenção que "Zodiac" não é um grande filme e eu só me referi a ele pela coincidência... Mas não perderá nada em o ver.
Quanto ao resto, estou inteiramente de acordo consigo: também eu gosto, muitas vezes, de deixar passar os filmes e acabo por só os ver muitos anos depois. Foi o caso do "Zodiac", que gravei há tempos nos Telecine para só o ver agora; quanto aos Óscares, eu penso que, no geral, vocé tem razão. Mas é necessário dar tempo ao tempo, para a poeira assentar. Esse preconceito anti-Óscar sempre existiu e a verdade é que, quando vamos ver a história, há muito bons que lá estão. Mas outros, escandalosamente, não. E é preciso recordar, por exemplo, que o único Óscar atribuido a um filme do Hitchcock foi por "Rebeca", ainda por cima atribuido ao produtor, e não ao realizador...
Rato,
Eu estou quase 100% de acordo consigo. É um filme que tem (muitos...) espantosos momentos de cinema, mas, sobretudo para o final, parece-me algo desequilibrado. Terei de o rever para confirmar essa primeira sensação.
Mas é imperdoável vê-lo só em DVD...
Já agora, outro filme que me pareceu "injustiçado", e estou convencido que daqui a muitos anos ainda vamos ouvir falar bem dele, é o "Austrália"...
E já agora, Rato: aqui há uns meses atrás vocé recomendou-me um "site" para aquisição de filmes clássicos. Tomei nota com todo o cuidado mas, como é hábito, nunca mais encontrei essa referência. Importa-se de repetir...?
Obrigado!
A Amazon inglesa tem praticamente tudo o que está editado. E a preços bem apelativos, sobretudo nas lojas a ela associadas.
Relativamente ao "Austrália" foi das piores xaropadas que quase ia enfiando. E digo "quase" porque nem a metade consegui chegar. Não é impunemente que se pretende juntar "Africa Minha", "E Tudo o Vento Levou" e "Pearl Harbor" no mesmo saco. Quem tudo quer...
Obrigado, mas o que vocé na altura disse foi outra coisa...
Quanto ao "Austrália", we shall see... Lembro-me bem das cacetadas que apanhou, na altura do seu lançament, o "África Minha"...!
Se não se importam que eu me junte à discussão, aqui vai o que escrevi sobre "Austrália" lá pela minha "tasca": http://eusouogatomaltes.blogspot.com/2009/01/australia.html
Já agora e quanto ao "África Minha", Luís Mira: só se perderam as (cacetadas) que não acertaram! (sim, sei que tenho um "parti pris" em relação à Streep)
Duas notas complementares, e pessoais, para o debate...
"Out of Africa" é um dos meus filmes favoritos. Dos mais bonitos. Dos mais românticos.
Quanto aos óscares, acrescento que, apesar das reservas intelectuais, têm sido entregues prémios a notáveis filmes "estrangeiros"...
É esse o problema JC...
Quando a poeira assentar, quando esquecermos a relativa irritação que hoje nos provoca o par de autores principais do "Austrália", talvez que o filme possa ser visto por aquilo que na verdade representa: o cinema como brinquedo nas mãos de um realizador extremamente talentoso que, desta vez, não se toma muito a sério; um divertimento e uma bela homenagem ao "Cinema de Género" de outros tempos: da comédia ao filme de guerra, passando pelo Western, pelo filme de aventuras e pelo melodrama.
Quanto ao "África Minha", é outra loiça. Só posso dizer que fui um incondicional desde o primeiro momento em que o vi, no antigo S.Jorge. E que tenho um poster do filme nas minhas escadas, em tamanho gigante!
JC,
JC,
Tive a curiosidade de ir ver o que vocé escreveu, mas o link não funcionou. Nabice minha, certamente. Fui directamente ao "blog". Não encontrei nada, mas deliceie-me com outras coisas. E espero que não tenha ficado muito chateado pelo Murray. Eu sou daqueles que estão a torcer pelo 15º do Federrer. E o americano é o compersa ideal. Cansado e com o habitual bloqueio mental...
Um abraço!
Luís, também vi o "Out of Africa" no São Jorge. Inesquecível!
http://eusouogatomaltes.blogspot.com/2009/01/australia.html
Luís Mira: a "nabice" foi minha ao copiar o "link". Veja lá agora, sff. Gostava da sua crítica ao que escrevi. Se o "link" não funcionar basta procurar "Austrália" no blog.
Bom, tirei a tarde para ver o Murray, mas está tudo a correr-me mal! Manas Williams na final (a Elena esteve quase!) e Murray "out". Mas desde o 2º set (foram 4) que era visível que o Rodick acabaria por ganhar: mais consistente nos momentos decisivos. Inveja tenho do meu genro, que esteve lá anteontem!!!
Já vi o problema: quando copio faltam elementos. P.f. acrescente html (australia. html) ou tente este: http://eusouogatomaltes.blogspot.com/search?q=australia.
E desculpe.
JC, não foi votar?
JC,
Desculpe mas só vou poder continuar amanhã. Mas vou ler e digo-lhe alguma coisa aqui, depois...
Sim, Filhote: em branco.
à parte este ultimo trecho lampião-populista e à-margem-da-lei acrescento algumas notas sobre cinema aussie e/ou com o mesmo tema geográfico:
O cinema australiano reserva-nos surpresas maravilhosas como é o caso de Peter Weir, em especial: Picnic at Hanging Rock (1975), Gallipoli (1981) ( com um Mel Gibson novíssimo)e The Year of Living Dangerously (1982)( novamente com Gibson e Sigourney Weaver a destilar sensualidade - pra quem gosta, claro!)
E já não falo da sua fase americana: Mosquito Coast, Dead Poets Society, Witness ou The Truman Show, todos óptimos filmes!
Há um outro filme imperdivel e maravilhoso no seu ambiente insular e telúrico: Walkabout de Nicolas Roeg - inglês ( o realizador de Bad Timing e The Man Who Fell to Earth entre outros).
Walkabout conta a história do confronto de civilizações e a relação involuntária entre 2 irmãos ( rapariga adolescente e rapaz criança) e um aborígene adolescente no Outback! É um filme duro, intuitivo e fascinante! E também tem a maravilhosa Jenny Agutter no inicio de carreira...!
Filhote, JC,
Acabei de perder um curto comentário que tinha feito para o Filhote, e um longuíssimo comentário que fiz para o JC a propósito do "Austrália" e do seu texto. No momento da pré-visualização, o texto desapareceu, e não é a primeira vez que isto me acontece quando escrevo aqui em casa.
Estou solenemente irritado, como devem calcular, e sem a mínima paciência para recomeçar. Até porque o texto tinha saído bem, o que nem sempre sucede à primeira.
As minhas desculpas.
Um abraço do
LM
No seu caso, Luís Mira, que é um exímio comentador e/ou escritor - ao contrário de mim, por exemplo - sugiro que escreva os seus excelentes textos em word e depois os disponibilize.
É que essa coisa de perdermos textos por nabice tecnólogica sua, é mesmo uma p*!!!
Luís Bernardo
Caro Gouveia: "Gloriso" á parte, e embora não siga a cinematografia do "down under" com especial atenção, dois interessantes filmes australianos, ambos de Ray Lawrence, que recomendo e escapam aos "mainstream" que indica: "Lantana", de 2001, e "Jindabyne", de 2006. Vale bem a pena vê-los!
Viu, Luis Mira?
Mr. Ié-Ié: o problema é seu quando lhe deu a pancada de alterar o blogue e a caixa de comentários passou a ser esta tira que quando se faz "enter" desaparece tudo. Passei os últimos tempos a perder comentários e sem pachorra para voltar ao principio. Como não sabe o que é isso do "word" aoonteceu-lhe ter aprendido, nem sabe como, recuperar o comentário perdido. Em vez de passar para outro blogue sai de cena e quando sai aparec-lhe de novo o comentário que tinha feito e aí, pode continuar a trabalhar já com cuidados redobrados para não lhe acontecer a fuga do comentário sabe-se lá para onde.
Não sei como tudo isto se traduz e ainda por cima o stock de gin pifou.
Vamos lá tentar continuar, com mais calma, se é que ainda vem alguém bater a esta porta...
Ao Filhote tinha dito que aquela tinha sido, de facto, uma noite inesquecível. Vi uma boa parte do filme com a garganta apertada, sobretudo na belíssima cena da viagem de avionete e do dar da mão...
Na cena final, não resisti e chorei que nem uma Madalena... Valeu-me o genérico ser longo, para não dar barraca!
Juntamente com "A Idade da Inocência" e "As Pontes de Madison County", os grandes "films d'amour" das últimas décadas.
Vamos dividir isto por capítulos, "à cause des mouches"...
A Gouveia, direi que me lembro bem de ter visto, no Nimas, o "Picnic in Hanging Rock", e considero o Peter Weir, no seu estilo, um dos mais interessantes cineastas do cinema americano dos anos 80 e 90 do séc. passado.
Ao Jc, direi que, nos dias de hoje, vou pouco ao cinema e também pouco ou quase nada leio para me poder informar.
Não sou daqueles que dizem que "o Cinema do meu tempo é que era..." mas a verdade é que não tenho tempo de ir a todas... E, hoje, acabo por ir muito mais vezes à Cinemateca do que aos habituais "cinemas de estreia"...
Tudo isto para lhe dizer que, conscientemente, desconheço em absoluto o Ray Lawrence. Há por aí alguma coisa à venda em DVD...?
Passemos, então, ao capítulo "Austrália"....
JC,
Li o seu texto com atenção e acho que não vimos, ou não quisémos ver, o mesmo filme...
Vocé quis ver um filme sério. Uma análise histórica e/ou sociológica sobre a Austrália daqueles tempos, com os seus jogos de poder e as suas classes e estratos sociais idealmente tipificados "à la Max Weber".
Confesso-lhe que, no início di filme, me irritei porque também estava a entrar por aí. Mas rápidamente me apercebi que issi era um equívoco, e haveria de pegar no filme por outra ponta.
Repito-me: a de um divertimento despretensioso e nada sério. Uma história bem contada onde os actores "vão bem", como diria a minha Querida Mãezinha. Belíisimos planos, belíssimos enquadramentos, belíssima fotografia, sobretudo na parte do filme que se passa na cidade.
Kidman de facto de Tweed a conduzir a manada? É óbvio que isso me parece propositado para acentuar o desajustamento do personagem face àquele meio...
Um pontapé na cultura aborígene? è claro que sim...
Mas, caro JC, quantos dos filmes de há 50 anos resistiam a uma análise histórica a antropológica, se lhes quiséssemos pegar por ai...? Muito poucos certamente...
Imagine "Bird of Paradise", do King vidor. Ou "A Taberna do Irlândes", do Ford... Pegue-lhes por esse lado "sério" que aodptou para a "Austrália" e vaja lá o que isso dá...
Ou pegue nos "Westerns" da idade de ouro do cinema americano e experimente...
Ou nos filmes do Tarzon, que ontem vi evocados no seu "blog". Pegue-lhes muito a sério e veja lá onde vai parar...
(intervalo "segue imediatamente", como no saudoso Cinema Bélgica!)
Dir-me-á vocé que dantes o Cinema era "inocente", e que hoje perdeu essa inocência...
Mas que diabo! Porque é que será que não podemos sentir hoje, da mesma forma, esse prazer do Cinema como o sentiam os nossos Pais e os nossos Avós? Porque sabemos mais? Porque temos uma noção do Mundo que eles não tinham...? Não acredito.
Sou de uma geração de cinéfilos que, com idêntido Amor e disponibilidade (não estranhe a palavra "Amor", porque acredito na feliz expressão de Jacques-Daniel Volcroze, de que cinéfilo não é aquele que ama o Cinema, mas aquele que Ama através do Cinema...), saltavam de um Antonioni para a "Gaivota Negra", deste para um Mizoguchi, daqui para um western de André de Toth e depois para um Rosselini, a que se podia seguir um Bergman, para tudo acabar num mudo do Victor Sjostrom.
Sempre com o mesmo Amor pelo Cinema, e encontrando em todos eles motivos para continuar a Amar através do Cinema...
É claro que era necessário adequar o quadro mental. Mudar a agulha, como então diziamos...
Eu consegui mudar a agulha no "Austrália". E gostei...
Vou ainda mais longe numa confissão. Eu vi o "Austrália" duas vezes no espaço de 15 dias, coisa impossível nos dias de hoje, mesmo com o melhor dos filmes.
À boleia de pessoa amiga que queria ver o filme, ai vou eu tirar à prova dos nove. É que também eu tenho o meu lado "pretensioso", e pareceu-me que gostar do "Austrália", arrasado por quase toda a "boa gente", era capaz de ficar mal no meu registo criminal...
E vocé sabe como as coisas são. Há coisas que nos fazem ver as coisas de maneira diferente: uma agradável derrota do Benfica na véspera; um almoço bem regado que deu outra sustentável leveza ao nosso Ser, e lá vamos nós prontos a calçar os patins aos mais pequeno discuido...
Não é que gostei ainda mais! Porque entrei logo com a agulha certa. Como é que se pode levar a sério, caro JC, um filme que começa daquela maneira...?
Vocé assume que tem uma costela britânica, JC, e era Truffaut quem dizia que os ingleses tinham uma pequena incompatibilidade com o Cinema: eram demasiado "sérios" e faltava-lhes "espírito de humor".
Não creio que seja esse o seu caso. Senão não punha nos seu "blog" as coisas que eu vi ontem...
Pegue pelo "Austrália" de outra forma. Talvez mais emocional e menos intelectual...
Mude de agulha. E depois conte-me coisas...
Um abraço do LM
(o texto de ontem estava mais conciso, mais não há dois iguais. E este vai já assim, antes que desapareça)
Caro Luís Mira:
1. A pior final feminina de Wimbledon que me lembro de ter visto. Acho que, como na "Luta Livre", estavam combinadas!
2. "Lantana" e "Jindabyne" há na Amazon.
3. Pois... O problema é que não temos a mesma idade, a inocência inerente e hoje procuramos (eu, pelo menos) no cinema algo um pouco diferente de alguns grandes clássicos. Eu quando vejo o Tarzan (ainda há pouco tempo revi o 1º c/ o Weissmuller), o "Quo Vadis", ou o "Gavião dos Mares" do "enrola o filme", que revi outro dia na TV, vejo-os c/ olhos diferentes e s/, vamos lá, o preconceito ideológico com que vejo um, segundo a sua opinião, filme de aventuras contemporâneo, como o "Austrália". Procuro outra coisa no cinema contemporâneo. Por isso, prefiro o "Tora, Tora, Tora" ao "Pearl Harbour", por exemplo, dois filmes sobre o mesmo acontecimento. Ou não sei como aturei o "Titanic" até ao fim (ao que as mulheres nos obrigam!). Olhe, o último filme que vi duas vezes no cinema, nos últimos 10 anos (e a sala de cinema continua a ser o meu local preferido) foi o "Crash", do Cronenberg. Talvez isso explique alguma coisa!
Abraço
Já agora. Vejo sempre "Picnic em Hanging Rock" como um filme erótico, com um piscar de olhos ás nymphets de David Hamilton. Mas o filme consegue "criar um ambiente", isso é óbvio. O melhor de Weir, para mim, é talvez "A Testemunha". Genericamente, considero-o um cineasta "escorreito".
Luís Mira,
Também chorei no "África Minha". Como uma Madalena. E não me fiquei por aí. Repeti a dose no "Idade da Inocência" e no "Pontes de "Madison County"...
Há os filmes que vejo e "amo" com frieza racional, e aqueles que me arrebatam emocionalmente. Nesta última vertente, podia citar mais um ou dois, dos últimos anos. O "Perfume de Mulher", por exemplo, com Al Pacino.
O que seria de nós sem o Cinema?
Filhote: o "Perfume de Mulher" c/ o Al Pacino é um "remake" de um original italiano do Dino Risi com o Gassman. Aconselho a visão deste.
Abraço
Sim, eu sei que o "Perfume de Mulher" com o Pacino é um remake. Porém, nunca vi a versão original do Dino Risi.
Presumo que o original seja de visionamento obrigatório... vou procurar... obrigado pelo conselho, JC!
Mr. Gin-Tonic:
É muito feio tirar o gin do capote e atribuir culpas a outrém...
LT
JC,
O "Crash" para mim é como o arroz de lampreia... Todos os meus amigos gastrónomos dizem que é uma maravilha, mas a mim não me passa pelo estreito. À bordalesa, ainda vai...
Com o filme, sucede a mesma coisa. Vi-o uma vez, bloqueie, e nunca mais... Mas grandes amigos em quem tenho confiança, dizem-me que é o melhor filme que viram nos últimos tempos.
Por isso, e tal como o arroz de lampreia, ainda faço tenções de experimentar novamente. Tanto mais que tem o carro do James Dean...!
Mr. Ié-Ié:
Em equipa que ganha não se mexe!...
Sofro de ofídiofobia: não como lampreia ou enguias. Nem sei a que sabem! Mas revi ontem na TV "A Paixão dos Fortes", que ajuda a sustentar o meu ponto de vista: deve ver-se pelo lado da inocência e da nostalgia (até historicamente é fantasioso...). Visto desse modo, dá-nos um enorme prazer; reproduzir algo de semelhante contemporaneamente seria ridiculo.
Abraço
Luis Mira,
"E vocé sabe como as coisas são. Há coisas que nos fazem ver as coisas de maneira diferente: uma agradável derrota do Benfica na véspera; um almoço bem regado que deu outra sustentável leveza ao nosso Ser, e lá vamos nós prontos a calçar os patins aos mais pequeno descuido."
Revejo-me 100% nesta passagem!
Mas o que é apaixonante caros LM, JC, Filhote, Gin, LPA é a diferença! E são essas diferenças - no caso concreto no cinema e no desporto - que provocam as discussões e os debates, e esses provocam a emissão de cultura, e esta faz de nós pessoas melhores porque mais interessantes!
Mas essa do Arroz de Lampreia...
Filhote: informa-te sff se há algum restaurante no Rio que sirva a maior iguaria da gastronomia portuguesa (ou à Bordalesa, que também marcha!) É um factor decisivo para a concretização do nosso projecto!
Cronenberg... ou o corpo como origem de amor, sexo e horror! Aconselho mais do que todos os outros filmes: RABID de 1977!
Que conversa "prazerosa"! como se diz em português açucarado...
Caro JC,
Nunca tinha ouvido falar de Ray Lawrence (e ainda bem...) mas não admira, porque com 61 anos só realizou 3 longas metragens na sua carreira ( faz lembrar o percurso de Terrence Malick).
Estive a pesquisar e parece-me uma obra muito interessante! Vou com certeza dar uma espreitadela nos filmes que em aconselha. Ainda há outro: Bliss de 1985 - o seu 1º filme!
Cut!
Esse não vi; não sei se por cá passou. Os outros são interessantes, mas tb não espere obras-primas. Aliás "Jindabyne" vi há mtº pouco tempo (2 anos?),penso que no "Monumental".
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