Hey, Mr. Spaceman,
Won’t you please take me along for a ride
(Mr. Spaceman – The Byrds)
Se alguém me falasse na eventualidade de ser apanhado às 6 e picos da manhã nas estreitas estradas dos lagos austríacos, montado num FIAT 500 a ouvir a música dos Byrds, eu responderia que seria um cenário altamente improvável.
Mas aconteceu…
Eu explico, mas teremos de ir por partes.
A região dos lagos de Salzkammergut, a norte de Salzburg, foi um dos lugares onde decidi poisar com um pouco mais de tempo, nesta curta passagem em férias por terras austríacas.
O FIAT 500 foi alugado de propósito para me acompanhar nesse périplo. Por ser pequenino e fácil de estacionar, gastar pouco e também, confesso, porque tinha alguma curiosidade em o experimentar.
Os Byrds, ou melhor, esta colectânea que aqui vêem, foi comprada na véspera por mera coincidência, numa “feira da ladra” de Bad Ischl. Pura incapacidade minha de passar defronte dessas velharias de LPs e CDs sem meter o bedelho.
Foi a única coisa que se aproveitou, muito embora ainda tenha pensado em comprar o Richard Clayderman a tocar canções de Natal para a colecção do meu Amigo Gin Tonic. Mas arrepiei caminho, não fosse o Querido Gin, com a sua subtileza habitual, mandar-me ir meter o “Peyderman” num sítio que eu cá sei…
Resta-me explicar-vos o porquê da estranha hora, para tudo se compor.
Quando na véspera, após um agradável mergulho no Lago Grundlsee, me preparava para rumar a outras paragens, fui confrontado com mais uma daquelas comoventes cenas de desespero da Minha Querida Companheira de Viagem (MQCV)…
Quase a fazer beicinho, alegou que já estava farta da tirania dos meus horários em viagem e que as férias também eram feitas para as pessoas descansarem e não para andarem sempre a saltitar de um lado para o outro…
Ser acusado de tirano em terras de Hitler e, ainda por cima, com memórias de campos de concentração nas redondezas é coisa capaz de provocar graves danos psicológicos a qualquer um, pelo que nem hesitei em meter travões a fundo, fazer uma rápida inversão de marcha e rumar direitinho à nossa querida casinha de St. Wolfgang.
Mas quem me conhece sabe bem o quanto me custa abdicar dos programas que idealizei, neste caso a visita ao Gosausee, um dos mais secretos e recônditos lagos dessa bela região.
Passar por lá no dia seguinte não seria solução, porque ficaria fora de mão e teria de abdicar de outras coisas, o que também não deixaria de me provocar alguma frustração. A solução seria fazer esticar o dia, levantar-me perto das 6 da manhã, dar as minhas voltinhas tranquilamente e regressar ainda a tempo de, com um sorriso provocador nos lábios, poder acompanhar a MQCV no seu pequeno-almoço… E se bem o pensei, melhor o fiz…
Voilá! Está explicado todo o cenário.
E em boa hora o fiz, porque as recordações que guardo são magníficas.
O dia acordou solarengo, que é coisa rara naquelas paragens. Olhar o sol a subir no horizonte e, à medida que subia, ir salpicando de diversas tonalidades de rosa, amarelo e laranja as estradas desertas, a floresta à volta, o raro casario existente. Ver o reflexo de tudo isso nos lagos a mudar a cada instante… Sentir a tranquilidade de um povoado que acorda a pouco e pouco e nos aparece à porta com um balde na mão, provavelmente para ir ao leite… Sentir bem no rosto o ar húmido da manhã e o cheirinho da terra e dos animais à sua volta.
Aquelas pachorrentas vacas calmamente refasteladas na relva, que pareciam levantar a orelha à minha passagem, como se a música lhes trouxesse reminiscências de antepassados há muitas gerações emigrados nas longínquas planícies dos Estados Unidos.
Aquele pequeno veado parado à beira da estrada, como que hipnotizado pela guitarra de Roger McGuinn…
É que a música, já o perceberam, ia bem alta, a um nível sonoro absolutamente inimaginável para os sensíveis ouvidos da MQCV.
A determinada altura, uma espécie de asa-delta pôs-se a dançar bem lá no cimo e imaginei a beleza que não teria toda esta cena vista lá do alto, dando por mim a pedir a Mr. Spaceman para me deixar dar uma voltinha lá por cima…
Ele há males que valem por bem e, como a MQCV não é cliente assídua deste “blogue”, penso que não correrei grandes riscos de retaliação se vos confessar que aquelas quase quatro horitas que andei a pastar à solta são das memórias mais fortes que guardarei de toda a viagem.
Quanto à música em si, pouco haverá a dizer. Trata-se de mais uma das conhecidas colectâneas que acompanham a Uncut, esta com data de 2003. Imagino que a acompanhar uma revista dedicada aos Byrds, embora o simpático senhor da feira da ladra não me tenha dado qualquer revista como bónus.
Para além dos Byrds ou dos seus antigos membros com outra companhia, há muita gente que conheço, pelo menos de nome (Diesel Park West, The Searchers, Orange Juice, The Flamin’ Groovies, Giant Sand, The Coal Porters, Blue Oyster Cult), e outros que não tanto (The Replacements, Cosmic Rough Riders, Captain Soul, Miracle Legion, The Sons of Champlin and so on…).
E apenas duas boas revelações, com direito a análise mais detalhada já encomendada na Amazon: Marc Carrol e The Thorns.
É claro que tudo isto não passa de um pretexto para desejar “bon courage” a quem vai retomar o seu trabalho.
Não se chateiem e façam como eu: virem a cadeira na direcção da janela, fechem os olhos e revejam-se onde muito bem quiserem…
Boa “rentrée”!
Um abraço do
Luís Mira
5 comentários:
Bom dia, olha que belo texto para quem vai voltar amanhã para o trabalho, ao fim de boas 3 semanas, acho que até vou ter que perguntar a um polícia onde fica a Infante Santo...obrigado Luís, abraço.
Belo texto, Luís!
Mais uma vez, a tua narrativa salta das "páginas" do blogue, ganhando vida própria.
Quanto às "revelações" do CD Uncut, posso garantir que o LP "The Thorns" (Aware/Columbia, 2003), que tenho em vinil, é de excelente colheita.
Trata-se de uma reunião, a la Crosby Stills & Nash, de três heróis da Alternative Country: Matthew Sweet, Shawn Mullins, e Pete Droge.
Na bateria, o lendário Jim Keltner...
Grandes canções, destacando-se a versão de "Blue", dos transcendentes Jayhawks.
Acabo sempre por cair no lugar comum, mas, para além do mais, os textos do Luís Mira são daqueles divertimentos em que saímos maravilhados ao ponto de lamentar que acabem tão depressa.
Há dias disse que cada viagem sua daria um livro.
Tratou-me mal!... que era falta de imaginação da minha parte... mas eu, que vijante não sou, entendo que uma viagem é mais do que uma história...
Quando ao Richard Chamberlain natalício foi pena não ter vindo na bagagem. No que às canções de natal diz respeito, ouço tudo, quero ter tudo.
O João Bénard da Costa dizia, cito de memória que, para se gostar de cinema, há que ver tudo, até os péssimos filmes porque , de repente, pode haver lá qualquer coisa...
O disco dos "The Thorns", que o Filhote comenta e do qual o Editor fez o favor de mostrar a capa, é o tal que já vem a caminho e deve estar quase a chegar. Bastou-me ouvir uma música para perceber que havia, ali, matéria de muito interesse e os vossos comentários fazem-me aumentar, ainda mais as expectativas...
Quanto ao Gin Tónico, o rapaz mantém a mesma simpatia de sempre mas anda um bocado ansioso neste início de época... Tão ansioso que até trouxe à conversa o Dr. Kildare, em vez do Poupas do Piano...!
Eu não ofendi minguém! Limitei-me a dizer que seria falta de imaginação da minha parte pensar em fazer outro livro de crónicas de viagens. Da minha parte, e não da dele, claro está...
E coragem, Jack Kerouac!
Um abraço a todos, extensivo ao Editor que teve o requinte de pôr aqui o texto às 6 da masnhã de um Domingo...
Belo texto Luís Mira!
Fiquei a gostar mais da Austria que quanto lá estive ( no séc. passado) achei um país muito bonito mas terrivelmente aborrecido!
Um abraço
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