O regresso à Aula Magna, 3 anos depois, num momento em que o grupo celebra 33 anos de carreira, fez-se num recinto com muita gente, mas, mesmo assim, sem que tenha estado tão cheio como em 2008.
Todavia, começa a ser visível o resultado do intenso trabalho que os UHF têm desenvolvido nos últimos anos e, se no concerto anterior poucas foram as figuras conhecidas do meio musical que marcaram presença, desta feita, eram inúmeras as que estavam espalhadas um pouco por toda a sala.
Esta curiosidade acaba por ser natural se pensarmos em tudo aquilo que o grupo de Almada tem feito nestes tempos mais recentes e no surpreendente último álbum de originais. “Porquê?" acaba por ser a cereja no topo do bolo que subiu à mesa, melhor, a um ilustre palco lisboeta, no passado sábado, dia 30 de Abril.
Em críticas anteriores, já tinha referido a coesão, o modo algo telepático como os músicos comunicam entre si, a união que transpira de tantos e tantos anos de vida em conjunto.
Os UHF de hoje são a antítese da sofreguidão desenfreada do passado, em que a entrada e saída de músicos era quase tão natural como beber água Castelo nas pausas de uma garrafa de Jack Daniels.
Dessa época desregrada da infância e adolescência dos UHF ficaram discos e músicas intemporais.
No entanto, foi após atingirem os 18 anos que António Manuel Ribeiro conseguiu estabilizar o comboio, diminuindo drasticamente as mudanças na formação. Foi o momento do renascimento de uns novos UHF que foram, paulatinamente, traçando um percurso ascendente, chegando, agora, a um novo patamar de exigência e de afirmação musical na Aula Magna em Lisboa.
A escolha das canções para o alinhamento do concerto não terá constituído tarefa simples e até as habitualmente ostracizadas canções do período da Rádio Triunfo (1982/85) foram sabiamente recuperadas do fundo de um baú, que se encontrava, felizmente, fechado e conservado em vácuo.
Voltar a escutar composições tão belas como “Dança de Canibais”, “Voo para a Venezuela” ou “Devo Eu” foi como entrar numa cápsula do tempo e cair no meio da beleza, inovadora e pura, dos anos 80. As duas primeiras não seriam tocadas há 20 anos.
A selecção das músicas não foi fruto do acaso e a conjugação das mesmas resultou num concerto intenso, forte como aço e onde a emoção nos iluminou ao longo de um breve e longo instante porque tenho consciência de que o espectáculo foi longo, mas não sei ao certo quanto tempo demorou – passou e num abrir e fechar de olhos foi partilhado connosco um lote de quase 30 temas.
“A Última Prova”, do recente álbum “Porquê?” deu o mote no início do concerto e, de imediato, se escutou o público a entoar as palavras de uma canção que não é single, que não passa nas principais rádios, que não tem nenhum vídeo oficial, mas, que merece ter a oportunidade de ser e de ter tudo isso.
As canções foram-se sucedendo com António Manuel Ribeiro a gritar objectivas e cortantes palavras de ordem contra o marasmo em que Portugal e cada um de nós parece ter mergulhado.
“Matas-me Com O Teu Olhar”, “Viver Para Te Ver”, “Um Copo Contigo”, “O Vento Mudou”, “Cai o Carmo e a Trindade”, “Dança de Canibais” e “Estou de Passagem” antecederam a entrada em palco do primeiro convidado especial durante o sempre hipnótico “Rapaz Caleidoscópio”.
Armando Teixeira entrou no palco a erguer o vinil de “À Flor da Pele” e “exigindo” um autógrafo a António Manuel Ribeiro, que, surpreendido, procurou e encontrou uma caneta sob o olhar divertido e deliciado dos restantes músicos e de todos os espectadores.
UHF e Armando Teixeira proporcionaram um momento inesquecível com o emergir do excelente “Montra”, que usa um sample do “Rapaz Caleidoscópio”. O primeiro momento mais calmo da noite surgiu à décima canção, com a versão acústica de “Sarajevo”, tendo o baterista Ivan Cristiano avançado para a frente do palco, ocupando o lugar deixado livre por Armando Teixeira.
“Vejam Bem” – em mais uma fabulosa interpretação de António Manuel Ribeiro –, “Voo para a Venezuela”, “Porquê Só Ela”, “Devo Eu”, “Esta Dança Não Me Interessa”, “Os Putos Vieram Divertir-se”, “Quero Entrar Em Tua Casa”, “Modelo Fotográfico” e “Menino” fecharam o alinhamento antes dos encores.
O povo pediu mais.
No regresso ao palco, os UHF atacaram “Porquê (português)” para, logo depois, receberem a Tuna Feminina que os acompanhou em “Portugal – Somos Nós” e na novíssima e inédita “Nevoeiro”, outro tema que pode ser um sucesso comercial.
E foi com o sempre deslumbrante “Sonhos Na Estrada de Sintra” que os UHF saíram de palco em verdadeira apoteose. O público voltou a bater palmas e a gritar por mais.
Num espectáculo que foi sempre em crescendo, os UHF voltaram para fechar a noite com uma tripla de canções de arromba.
“Cavalos de Corrida”, “Rua do Carmo” e “Menina Estás À Janela”, provavelmente os três maiores sucessos do grupo, foram vividos em verdadeira apoteose e com um núcleo de fãs a despirem-se, ficando em tronco nu, enquanto agitavam a roupa e se agitavam a eles próprios, numa cadência própria de um concerto de punk-rock.
Os UHF apresentaram um leque diversificado de temas fortíssimos e de todas as épocas da sua carreira. Todavia, “Geraldine”, “Noites Lisboetas”, “Concerto”, “Um Mau Rapaz”, “Persona Non Grata”, “Puseste O Diabo Em Mim”, “Na Tua Cama”, “Nove Anos”, “Ferir Até À Dor”, “Hesitar”, “Amélia Recruta”, “Este Filme”, “Brincar no Fogo”, “Comédia Humana (parte 1) ”, “Aqui Planeta Terra”, “Velhos Amigos”, “A Lágrima Caiu” ou “Há Rock No Cais” seriam outras 18 músicas que poderiam pertencer a outro alinhamento de primeiríssima água, o que mostra bem a quantidade de canções de sucesso popularizadas pelos UHF.
Quando foram tocados os últimos acordes da “Menina Estás À Janela” já toda a gente estava rendida e totalmente exausta. A noite terminou, assim, com uma satisfação imensa estampada na cara de todos os que estiveram presentes. A assistência era constituída, esmagadoramente, por fãs conhecedores da obra dos UHF e foi essa a principal diferença entre o público deste concerto e do espectáculo na Aula Magna em 2008.
O grupo parece ter voltado a encontrar uma larga multidão de fãs, fazendo-me recordar o tempo do Rock Rendez-Vous, o tempo da Feira Popular, enfim, outras épocas recuadas, em que os UHF eram os reis do rock português.
Neste sábado, assistimos a um salto em frente nesse sustentado caminho que o grupo de António Manuel Ribeiro tem vindo a percorrer rumo ao justo e tardio reconhecimento. Está para breve.
Reacções:
Ao fim de 30 anos, tenho o meu “À Flor da Pele” assinado, finalmente, foi muito bom, gostei muito de estar aqui, foi um prazer muito grande e acho que toda a gente se divertiu e o concerto foi muito bom - Armando Teixeira (Balla)
Eu não estava à espera de tanta gente. Todas as pessoas que vieram são fãs dos UHF. Viu-se a sala completa em quase todas as músicas a cantar, deu para perceber que as pessoas estavam bastante entusiasmadas - Rui Leal, fotógrafo
Já não via os UHF ao vivo há muito tempo, nem sei muito bem precisar há quantos anos, e foi uma surpresa agradável porque, realmente, a banda está em grande forma. O António Manuel Ribeiro continua em grande forma, é um resistente, vem dos anos 80 e gostei, sinceramente, do espectáculo. Acho que esteve com uma energia fantástica - Pedro Rolo Duarte
Foi um belíssimo espectáculo. [“O vento mudou”] foi um momento muito giro, uma canção, 44 anos depois, ter esta vitalidade é sempre giro. Hoje, achei graça porque a Tuna cantou a “Desfolhada”. De maneira que eu ganhei, ganhei duas canções na final (risos). O meu neto e a amiga dele vieram aqui e já temos mais uns fãs e é giro é ver a continuidade destas coisas todas. Foi um grande concerto - Nuno Nazareth Fernandes
Foi um óptimo concerto, sempre em cima, uma grande energia, as pessoas a responderem muito bem a muitas músicas. Sente-se a quantidade de hits que os UHF têm. A banda está muito coesa, estão em grande forma. A sensação que eu tenho é que esta excelente forma, nesta fase mais recente dos UHF, arranca, sobretudo, com o “Há Rock no Cais”. O António Manuel Ribeiro é um homem de hinos, portanto, hoje viu-se aqui a quantidade de músicas a que as pessoas respondem. Tem capacidade para aquelas mensagens curtas, onde as pessoas se revêem e respondem, como a gente viu esta noite. Ele, neste momento, já está a fazer hinos novos porque, hoje, já ouvimos o “Nevoeiro”, que pode ser mais um hit. O António Manuel Ribeiro sempre soube muito bem o que é estar em cima do palco. Estou-me a lembrar de espectáculos há quase 30 anos e, de facto, é um bicho de palco, mantém um grande ascendente sobre o público durante todo o espectáculo, prevê o público, tem uma ligação muito forte e esse magnetismo em cima do palco explica a reacção das pessoas. Aquele final, aquela sequência, “Cavalos de Corrida”, “Rua do Carmo” e “Menina Estás à Janela” é muito forte - David Ferreira
Colaboração de Luís do Ó
Imagem de Francisco Rosário
19 comentários:
Não comparando mas apenas aproveitando a referência a figuras conhecidas lembro-me de ter visto uma reportagem sobre pessoal do jet-set e que referiam que havia quem recebesse para estar em concertos do Tony Carreira. Ainda no Domingo a RTP estava a repetir um dos concertos (não reparei se no intervalo deu promoção ao Modelo :)) e apareceu numa das imagens a D. Eunice da Porcalhota (Maya). Procurando no google por [+"cinha jardim"+"tony carreira"] temos mais um bom exemplo. Acredito que o JC Malato goste e seja amigo do cantor mas há nomes que irão por outros motivos. E o TC nem precisa (neste momento) de muitos mais fãs.
A CARAS até tem uma galeria Caras conhecidas vibram ao som de Tony Carreira"
Pode-se não gostar do estilo, mas o Tony Carreira é um bom profissional e dá bons espectáculos
UHF, nem de borla!
Os UHF nem tocar sabem. Rock em português só os Xutos são bons.
Não gostei do concerto dos UHF. "Cavalos de Corrida", "Vôo Venezuela", "Foge Comigo Maria" e "Rua do Carmo" foram as razoáveis. As restantes muito más como "Geraldine" e "Há Rock No Caís". Como se vê a Blitz nem foi lá o que só quer significar que o concerto é irrelevante e que UHF são um grupo sem interesse.
Quanto a mim, os UHF não só são a melhor banda da actualidade como também o são desde há quase trinta e três anos, altura em que iniciaram o rock cantado na nossa língua e impulsionaram o aparecimento de outros grupos...
As músicas são fantásticas, as letras fabulosas, os músicos são excelentes e o vocalista é mágico na forma como interpreta os temas e na forma como agarra o público!
Obrigada por serem como são, magníficos!!!!!
Os UHF sempre suscitaram amores e ódios por isso o tom de alguns comentários é previsivel. Já quanto ao que escreve "mts" a situação é diferente. "Foge comigo Maria" e "Há rock no cais" não foram tocadas no concerto... para não ter cometido este "lapso" bastaria ter lido o meu texto ou ter estado realmente presente na Aula Magna.
Muito sinceramente, alguns dos comentários aqui deixados primam pela surrealidade tosca.
Em primeiro lugar, e estando eu presente no concerto de sábado, não vi nenhuma figura do jet-set português (se é que o mesmo existe) e muito menos plumas e lantejoulas. O espírito que acompanhou quem esteve presente foi um só: a admiração pela banda que, volvidos mais de 30 anos, prima pela mesma qualidade de quando se tem o "sangue todo na guelra". Tomara muitos, inclusivamente os Xutos e o Tony Carreira, dois exemplos do mainstream do compadrio nacional.
A crítica que tem por base a mesquinhez e a ignorância é o que nos leva ao limiar do ridículo. E no caso de muitas más opiniões relativas aos UHF tal atinge proporções alarmantes. Eis o país que temos.
O texto fala em gente conhecida e realmente os nomes apresentados são conhecidos e de vários meandros.
o Armando Teixeira foi convidado. O David Ferreira apenas foi editor (penso eu) no Há Rock No Cais. o Nuno Nazareth talvez tenha sido convidado devido à versão do tema do EN. O Rui Leal não conheço mas deveria estar a trabalho. Só falta o Pedro Rolo Duarte. Estava com algum fã?
Como o Tony Carreira tem fãs fiéis o mesmo acontece com os UHF e já são várias décadas de devoção.
Até pode não gostar-se mas não se pode esquecer que tem muitas canções boas [estou a falar dos UHF] e foram muito importantes no início mesmo na organização dos concertos. Portugal evoluiu muito em termos da prfissionalização dos músicos e da qualidade da organização de espectáculos.
Tive pena de não ir!
Mas os UHF estão muito bem e, gostei muito de ouvir o António Manuel Ribeiro no lançamento do livro do Luís Mira.
Mas... eu sou loira!!!
É tão bom quando falam mal....adoro!!!
É o mal dos portugueses,adoram falar mal e são invejosos.
Só merecem estar na "Bancarrota"
1) Qual o problema de não serem consensuais ?
2) Na minha humilde opinião dar-lhe-ias 12 numa pontuação de 0-20.
3) Tem vindo a melhorar nestes ultimos anos, mas continuo a preferir os bons velhos temas:
Cavalos de Corrida
Rua do Carmo
Estou de Passagem (
Mau Rapaz
Na Tua Cama
(todos dos anos 80)
4) Tem muitos temas medianos nestes ultimos 20 anos (para não ser mauzinho) o que afastou muitos dos fans iniciais, mas continuam a ter uma legião de fans apreciável sobretudo nos seus concertos ao vivo
"Meu Deus, que comédia é esta?!?"
Num país que deita abaixo, fico feliz por saber que ninguém derrota os UHF.
E mais feliz fico por constatar como a banda é ainda capaz de encetar um percurso ascendente, através de concertos fulminantes e discos tão determinantes.
Na minha opinião, "Porquê?" é um disco incontornável, essencial no contexto artístico português. Um grande disco!
Como é possível que tanta gente, durante tanto tempo, tenha ignorado - ou tentado apagar da História - a mais seminal banda do Rock português?
Parabéns, Luís! Bela foto e bela crónica! Mais uma vez, deixaste-me a salivar, cheio de pena de não estar presente na Aula Magna.
UHF 4Ever!!!!!!!
Obrigado, filhote, a excelente fotografia é da autoria de Francisco Rosário.
Agora, agora, já estou arrependido de não ter ido à Aula Magna. Belo artigo para ser metido na BLITZ. Os UHF eram a minha banda preferida na altura da Menina Estás À Janela e as canções do LP Santa Loucura são muito boas e são dos anos 90. Sarajevo também é desse LP.
Ó Maria...ia, você e a Karocha, devem começar a frequentar os concertos do Quim Barreiros. Temos que ter a porcaria dos vossos gostos?
Anónimo
"Porcaria" é você que insulta sem dar o nome, apanágio dos cobardolas!
Caro Sr. Anónimo,
Para se criticar, seja o que for, há que ter conhecimentos a priori, algo que me parece que o Sr. Anónimo não tem. E muito menos EDUCAÇÃO.
Informo-o que já vi Quim Barreiros ao vivo... Assim como ouço de Bach a Neil Young. Há que ser eclético nas «porcarias» - recorrendo às suas próprias palavras - que se ouvem.
Fique bem, e para a próxima "dê a cara".
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