Existem listas dos "Melhores Filmes de Sempre" para todos os gostos, mas todas elas têm um ponto em comum: o melhor de todos eles é sempre "Citizen Kane/O Mundo a Seus Pés", que Orson Welles realizou em 1941, quando tinha apenas 24 anos.
Razões para essa escolha são muitas, como qualquer "Dicionário" ou "História" elementar do Cinema vos poderá recordar:
- o Argumento de Herman Mankiewicz, que faz com que a "história" seja contada em sucessivos "flashback" descontínuos no tempo, através dos quais poderemos saltar 20 anos de um simples plano para o outro;
- a Fotografia de Gregg Toland, com uma iluminação muitas vezes "expressionista" e com o recurso à "grande angular" e à "profundidade de campo" não como simples "artifício", mas com uma função dramática bem precisa;
- a música de Bernard Herman;
- um notável conjunto de actores, com Welles à cabeça, secundarizado por toda uma série de novos actores provenientes do Mercury Theatre que se haveriam de instalar no Cinema Americano por muitos e bons anos (Joseph Cotten, Everett Sloane, Agnes Moorehead, Ray Collins, PaulDouglas, etc);
- como tudo isto, isoladamente, vale pouco, a extraordinária "batuta" de Welles a ligar as pontas, a construir os planos, a dar asas a uma câmara que ora trepa pelas paredes, ora desce pelos telhados, ora está em "plongé", ora se põe em "contre-plongé", ora nos oferece uma sucessão de grandes planos, ora avança para longos planos-sequência...
Para além destes aspectos, existem outros mais "de contexto" que tornaram o filme "célebre" mesmo quando ainda se encontrava em fase de produção: a fama que Welles então havia grangeado nos EUA, à custa da célebre emissão radiofónica sobre a "invasão dos marceanos" que tantos problemas deu, também, à tia do Woody Allen no "Radio Days"...!; acima de tudo, a articulação ficção/realidade, já que, como é sabido, Charles Foster Kane é uma clara alusão a William Randolph Hearst, o magnata da Imprensa que, embora sem sucesso, fez tudo quanto estava ao seu alcance para impedir a difusão do filme.
Não obstante todas estas maravilhas, "Citizen Kane" é um filme que não levaria comigo para a tal ilha deserta, a não ser que tivesse de dar uma lição de cinema aos diversos "Sextas-Feiras" que por lá aparecessem... Admiro-o, respeito-o, mas não o amo...
Mas o que me traz aqui hoje não é chatear-vos com divagações "cinéfilas" e, por isso, vou acelerar para não vos massacrar em demasia. Mas vou ter de voltar ao filme....
Se bem se lembram, o filme começa com um grande plano de um letreiro que diz "No Trespassing" e que percebemos depois ser a entrada de uma propriedade. Mas a câmara de Welles borrifa-se na proibição, salta por cima do arame farpado, e faz-nos perceber que a propriedade é grande: no enquadramento surgem-nos, sucessivamente, macacos sentados à porta de jaulas, gôndolas venezianas a repousar tranquilamente e até uma ponte elevadiça em tudo parecida com a "Torre de Londres".
Depois de depararmos com um enorme portão com a letra K em cima, vemos aparecer as paredes e as janelas de uma grande mansão, luzes que se acendem e luzes que se apagam, antes de todo o ecran ser invadido por flocos de neve que, no plano imediato, perceberemos não serem mais do que o interior de uma bola de vidro que se desfaz no chão, deixada cair das mãos de um ancião que ainda vai a tempo de murmurar a palavra "Rosebud" antes de morrer. Uma porta abre-se e uma enfermeira entra no quarto e cruza-lhe as mãos sobre o peito...
O plano seguinte é aberto pelo documentário "News of the March", que nos anuncia a morte do "Senhor de Xanadu". Naquele tom firme dos "noticiários filmados" do antigamente, o locutor fala-nos então de Xanadu, à medida em que passam perante os nossos olhos imagens alusivas aos seus comentários:
"Kubla Khan fez de Xanadu um imponente palácio de prazer. E no legendário Xanadu, Kubla Khan criou o seu mundo de prazer. Hoje, quase tão legendário é o Xanadu da Florida, o maior parque privado do Mundo. Na desértica costa do golfo, foi construída uma montanha privada. 100 mil árvores e 20 mil toneladas de mármore constituem Xanadu. O conteúdo do Palácio de Xanadu: pinturas, quadros, estátuas e muitas pedras de outros palácios, uma colecção de tudo que, de tão vasta, nunca poderá ser catalogada ou avaliada. Suficiente para encher 10 museus. Um verdadeiro saque do Mundo. A fauna de Xanadu: as aves do céu, os peixes do mar e os animais da selva, dois de cada... O maior jardim zoológico privado, desde a Arca de Noé. Tal como os faraós, o Senhor de Xanadu deixou muitos marcos para assinalar a sua sepultura. Desde as pirâmides, Xanadu é o monumento mais dispendioso que algum homem já construiu para si próprio".
Tudo o que se afirma é verdade, com uma única excepção: Xanadu não fica na Florida.... Não se chama nem nunca se chamou Xanadu e hoje dá pelo nome de "Hearst Castle". Fica situado em San Semeon, na Califórnia, numa colina de fácil acesso para quem venha na Pacific Coast Highway e tenha acabado de descer a vertente sul do Big Sur. Embora oficialmente nunca tenha sido dada como concluída, o essencial da sua construção decorreu entre 1922 e 1947.
Hearst herdou de sua mãe 250.000 "acres" de terreno nessa região, então inóspita e de difícil acesso, e resolveu que aí faria "a little something". Parece que o objectivo era que daí saísse um "ninho de amor" em honra da sua "amante mais oficial", a actriz Marion Davies...
O que ele fez com esse "castelo" foi o maior monumento ao "Kitch" de que tenho memória. 115 quartos (165, de acordo com outras fontes, sendo a diferença, provavelmente, a casa dos "caseiros" ou o "pavilhão de caça"...!) em quatro edifícios principais, que são uma miscelânea de vários estilos arquitectónicos.
As suas estátuas, o seu mobiliário, as suas peças de loiça, as suas tapeçarias vieram de toda a parte do Mundo, e aí foram deixadas um pouco como o ataque do meu Sporting: tudo ao monte, e fé em Deus...!
Consta que os representantes de Hearst na Europa tinham instruções para, sempre que estivesse à venda um castelo (na Escócia, em França, em Itália,...), comprarem de uma penada todo o seu recheio, e depois logo se veria o que se aproveitava... O que não servisse, ficaria encaixotado no armazém à espera de melhor oportunidade!
O longo "travelling" final do filme sobre dezenas de caixotes deixados no chão ao abandono, não deverá ter falseado em muito a realidade...
Visitei o "Hearst Castle" em 1981 e não tinha qualquer intenção de lá voltar. Mas a Cristina gosta de castelos, e teria sido uma maldade não a levar lá...
Numa altura em que a museologia evoluiu de forma muito significativa, a visita que fiz agora foi igualzinha há de 28 anos atrás. Os mesmos quartos, os mesmos salões, a mesma sala de cinema, o mesmo velho filme "caseiro" com o Chaplin a jogar ténis e o John Gilbert de olho nas meninas, as mesmas picinas interiores e exteriores e, iria mesmo jurá-lo, as mesmas graçolas por parte dos guias.
Claro que o sítio não mudou, mas a forma de apresentação poderia e deveria ter sido muito diferente. Tal como muito maior e diferente está o local de recepção e embarque no sopé da colina, mas aí falou mais alto o desejo de "fazer dinheiro" e aumentar o espaço para a venda de "pizzas", "hot-dogs ","souvenirs" e todo o tipo de cangalhada que se possa imaginar...
À descida ainda dei uma olhadela para ver se ainda existiam zebras e outros animais selvagens a pastar, tal como tinha visto da primeira vez. Mas não consegui aperceber-me de nada e, em boa verdade, estava muito mais preocupado em chegar a horas ao "Nephente" onde tinha decidido ir jantar.
Hearst queixou-se, mas eu até acho que Welles o tratou com muita"humanidade". Nunca simpatizamos muito com o "cidadão Kane", mas ele suscita-nos mais pena do que um verdadeiro "ódio".
Ao morrer, o que lhe vem à memória não é tudo aquilo que possuíu e que empilhou ao longo dos tempos, mas o pequeno trenó da sua infância com que brincava na neve, talvez o único objecto que ele próprio construiu com as suas próprias mãos.
William Hearst morreu em 1951, não em "Kanadu", como Kane, mas na sua casa de Beverly Hills. Desconheço quais terão sido as suas últimas palavras, mas duvido que tivesse um objecto destes para se recordar...
Colaboração de Luís Mira
Razões para essa escolha são muitas, como qualquer "Dicionário" ou "História" elementar do Cinema vos poderá recordar:
- o Argumento de Herman Mankiewicz, que faz com que a "história" seja contada em sucessivos "flashback" descontínuos no tempo, através dos quais poderemos saltar 20 anos de um simples plano para o outro;
- a Fotografia de Gregg Toland, com uma iluminação muitas vezes "expressionista" e com o recurso à "grande angular" e à "profundidade de campo" não como simples "artifício", mas com uma função dramática bem precisa;
- a música de Bernard Herman;
- um notável conjunto de actores, com Welles à cabeça, secundarizado por toda uma série de novos actores provenientes do Mercury Theatre que se haveriam de instalar no Cinema Americano por muitos e bons anos (Joseph Cotten, Everett Sloane, Agnes Moorehead, Ray Collins, PaulDouglas, etc);
- como tudo isto, isoladamente, vale pouco, a extraordinária "batuta" de Welles a ligar as pontas, a construir os planos, a dar asas a uma câmara que ora trepa pelas paredes, ora desce pelos telhados, ora está em "plongé", ora se põe em "contre-plongé", ora nos oferece uma sucessão de grandes planos, ora avança para longos planos-sequência...
Para além destes aspectos, existem outros mais "de contexto" que tornaram o filme "célebre" mesmo quando ainda se encontrava em fase de produção: a fama que Welles então havia grangeado nos EUA, à custa da célebre emissão radiofónica sobre a "invasão dos marceanos" que tantos problemas deu, também, à tia do Woody Allen no "Radio Days"...!; acima de tudo, a articulação ficção/realidade, já que, como é sabido, Charles Foster Kane é uma clara alusão a William Randolph Hearst, o magnata da Imprensa que, embora sem sucesso, fez tudo quanto estava ao seu alcance para impedir a difusão do filme.
Não obstante todas estas maravilhas, "Citizen Kane" é um filme que não levaria comigo para a tal ilha deserta, a não ser que tivesse de dar uma lição de cinema aos diversos "Sextas-Feiras" que por lá aparecessem... Admiro-o, respeito-o, mas não o amo...
Mas o que me traz aqui hoje não é chatear-vos com divagações "cinéfilas" e, por isso, vou acelerar para não vos massacrar em demasia. Mas vou ter de voltar ao filme....
Se bem se lembram, o filme começa com um grande plano de um letreiro que diz "No Trespassing" e que percebemos depois ser a entrada de uma propriedade. Mas a câmara de Welles borrifa-se na proibição, salta por cima do arame farpado, e faz-nos perceber que a propriedade é grande: no enquadramento surgem-nos, sucessivamente, macacos sentados à porta de jaulas, gôndolas venezianas a repousar tranquilamente e até uma ponte elevadiça em tudo parecida com a "Torre de Londres".
Depois de depararmos com um enorme portão com a letra K em cima, vemos aparecer as paredes e as janelas de uma grande mansão, luzes que se acendem e luzes que se apagam, antes de todo o ecran ser invadido por flocos de neve que, no plano imediato, perceberemos não serem mais do que o interior de uma bola de vidro que se desfaz no chão, deixada cair das mãos de um ancião que ainda vai a tempo de murmurar a palavra "Rosebud" antes de morrer. Uma porta abre-se e uma enfermeira entra no quarto e cruza-lhe as mãos sobre o peito...
O plano seguinte é aberto pelo documentário "News of the March", que nos anuncia a morte do "Senhor de Xanadu". Naquele tom firme dos "noticiários filmados" do antigamente, o locutor fala-nos então de Xanadu, à medida em que passam perante os nossos olhos imagens alusivas aos seus comentários:
"Kubla Khan fez de Xanadu um imponente palácio de prazer. E no legendário Xanadu, Kubla Khan criou o seu mundo de prazer. Hoje, quase tão legendário é o Xanadu da Florida, o maior parque privado do Mundo. Na desértica costa do golfo, foi construída uma montanha privada. 100 mil árvores e 20 mil toneladas de mármore constituem Xanadu. O conteúdo do Palácio de Xanadu: pinturas, quadros, estátuas e muitas pedras de outros palácios, uma colecção de tudo que, de tão vasta, nunca poderá ser catalogada ou avaliada. Suficiente para encher 10 museus. Um verdadeiro saque do Mundo. A fauna de Xanadu: as aves do céu, os peixes do mar e os animais da selva, dois de cada... O maior jardim zoológico privado, desde a Arca de Noé. Tal como os faraós, o Senhor de Xanadu deixou muitos marcos para assinalar a sua sepultura. Desde as pirâmides, Xanadu é o monumento mais dispendioso que algum homem já construiu para si próprio".
Tudo o que se afirma é verdade, com uma única excepção: Xanadu não fica na Florida.... Não se chama nem nunca se chamou Xanadu e hoje dá pelo nome de "Hearst Castle". Fica situado em San Semeon, na Califórnia, numa colina de fácil acesso para quem venha na Pacific Coast Highway e tenha acabado de descer a vertente sul do Big Sur. Embora oficialmente nunca tenha sido dada como concluída, o essencial da sua construção decorreu entre 1922 e 1947.
Hearst herdou de sua mãe 250.000 "acres" de terreno nessa região, então inóspita e de difícil acesso, e resolveu que aí faria "a little something". Parece que o objectivo era que daí saísse um "ninho de amor" em honra da sua "amante mais oficial", a actriz Marion Davies...
O que ele fez com esse "castelo" foi o maior monumento ao "Kitch" de que tenho memória. 115 quartos (165, de acordo com outras fontes, sendo a diferença, provavelmente, a casa dos "caseiros" ou o "pavilhão de caça"...!) em quatro edifícios principais, que são uma miscelânea de vários estilos arquitectónicos.
As suas estátuas, o seu mobiliário, as suas peças de loiça, as suas tapeçarias vieram de toda a parte do Mundo, e aí foram deixadas um pouco como o ataque do meu Sporting: tudo ao monte, e fé em Deus...!
Consta que os representantes de Hearst na Europa tinham instruções para, sempre que estivesse à venda um castelo (na Escócia, em França, em Itália,...), comprarem de uma penada todo o seu recheio, e depois logo se veria o que se aproveitava... O que não servisse, ficaria encaixotado no armazém à espera de melhor oportunidade!
O longo "travelling" final do filme sobre dezenas de caixotes deixados no chão ao abandono, não deverá ter falseado em muito a realidade...
Visitei o "Hearst Castle" em 1981 e não tinha qualquer intenção de lá voltar. Mas a Cristina gosta de castelos, e teria sido uma maldade não a levar lá...
Numa altura em que a museologia evoluiu de forma muito significativa, a visita que fiz agora foi igualzinha há de 28 anos atrás. Os mesmos quartos, os mesmos salões, a mesma sala de cinema, o mesmo velho filme "caseiro" com o Chaplin a jogar ténis e o John Gilbert de olho nas meninas, as mesmas picinas interiores e exteriores e, iria mesmo jurá-lo, as mesmas graçolas por parte dos guias.
Claro que o sítio não mudou, mas a forma de apresentação poderia e deveria ter sido muito diferente. Tal como muito maior e diferente está o local de recepção e embarque no sopé da colina, mas aí falou mais alto o desejo de "fazer dinheiro" e aumentar o espaço para a venda de "pizzas", "hot-dogs ","souvenirs" e todo o tipo de cangalhada que se possa imaginar...
À descida ainda dei uma olhadela para ver se ainda existiam zebras e outros animais selvagens a pastar, tal como tinha visto da primeira vez. Mas não consegui aperceber-me de nada e, em boa verdade, estava muito mais preocupado em chegar a horas ao "Nephente" onde tinha decidido ir jantar.
Hearst queixou-se, mas eu até acho que Welles o tratou com muita"humanidade". Nunca simpatizamos muito com o "cidadão Kane", mas ele suscita-nos mais pena do que um verdadeiro "ódio".
Ao morrer, o que lhe vem à memória não é tudo aquilo que possuíu e que empilhou ao longo dos tempos, mas o pequeno trenó da sua infância com que brincava na neve, talvez o único objecto que ele próprio construiu com as suas próprias mãos.
William Hearst morreu em 1951, não em "Kanadu", como Kane, mas na sua casa de Beverly Hills. Desconheço quais terão sido as suas últimas palavras, mas duvido que tivesse um objecto destes para se recordar...
Colaboração de Luís Mira
34 comentários:
Só um pequeno reparo ao teu excelente texto, Luís: felizmente, acho que já lá vai o tempo em que o "Citizen Kane" liderava invariavelmente todas as listas dos melhores filmes de sempre. Até era algo que pessoalmente considerava "obsessivo" e também injusto, pois acho que sempre houve filmes muito superiores ao dito desde o tempo do cinema mudo.
De acordo, Rato. Mesmo mtº de acordo. "Citizen Kane" ocupa o lugar que o "Barca Velha" costuma ocupar para os vinhos portugueses, a 9ª Sinfonia para a História da música ou o "Ulisses" na literatura. Ou seja, um "cliché" citado por quem verdadeiramente conhece pouco do que fala. Isto claro, não obsta que seja um excelente filme, tal como o "Barca Velha" é um excelente vinho e a 9ª óptima música. O "Ulisses", honestamente, nunca consegui completar.
Cá para mim, "Citizen Kane" é o "Sgt. Pepper's" do Cinema. As pessoas não estão para se chatear, para pensar, e indicam o que lhe está mais presente na memória.
Agora vejo, que este comentário vem um pouco na sequência do de JC.
LT
Aproveito para deixar à discussão o filme que citaria: "The Big Sleep", de Howard Hawks. Como podem ver, algo de relativamente prosaico.
Valendo o que vale, como opinião que é, e apesar da concorrência renhida, a minha preferência vai para "Touch Of Evil" do mesmo Orson Welles.
Boa noite!
Talvez tenhas razão, caro Rato, já que confesso que tenho andado um bocado desfazado - e até, talvez, desinteressado... - dessas "histórias" das listas dos melhores filmes de sempre.
Com risco de poder cair nalgum "simplismo", penso que existem, basicamente, dois tipos de listas:
1) Uma a que chamaria "Corporativista", essencialmente feita por profissionais ou para-profissionais ligados à indústria e distribuição cinematográfica (realizadores, técnicos de cinema, críticos, distribuidores, associações de cineclubes e de cinematecas, etc). Neste tipo de listas, "Citizen Kane" acaba por vir sempre "à cabeça". E não acredito que estas pessoas "não estejam para se chatear" e digam "a primeira coisa que lhes vem à cabeça", por mero "comodismo"... E até não sou suspeito, porque julgo que o meu texto é claro em relação aquilo que penso do filme.
O último exemplo que conheço deste tipo de listas foi aquela que o jornal "Le Figaro" organizou em 2008, junto de profissionais de Cinema franceses. E lá está o "Citizen Kane" em primeiro lugar, embora a lista dos "10 melhores" tenha levado uma volta completa em relação àquilo que tem sido mais habitual.Já lá podemos encontrar coisas como "The Searchers", "Rio Bravo" e até um Ozu, impensáveis há uns anos atrás;
2) Um segundo tipo de listas a que chamarei, sem desprimor, de "Populares". Os jornais X, Y e Z organizam uma escolha dos "Melhores de Sempre" feita pela comunidade dos seus leitores. É habitual que, em listas desta natureza, a memória seja "mais curta" e que uma boa parte dos participantes tenha um conhecimento muito mais limitado da "História do Cinema". É normal que, nestes casos, os filmes escolhidos sejam, no máximo, de há duas ou três décadas atrás, mais o "Casablanca", claro está...
Em relação ao "The Big Sleep" evocado pelo JC, presumo que tenha havido uma "conversa" anterior sobre o filme, porque não percebo a que propósito é que ele vem à baila...
Mas, se me fôr permitida uma opinião meramente pessoal, direi que gosto muito de "filmes negros", de Howard Hawks, de Raymond Chandler, de William Faulkner, de Humphrey Bogart e de Laureen Bacall, juntos e em separado. Mas também acrescentarei que "The Big Sleep" não está, para mim, entre os melhores "filmes negros", tal como não é o melhor filme de Hawks, o melhor livro de Chandler e o melhor filme da dupla Bogart/Bacall...
Isto faz dele um mau filme? Claro que não...! Só para ver a Bacall a responder a Marlowe "that depends on the one who rides me" dou o .... e dez vinténs!
Um abraço!
Apesar de já ter visto uns milhares muito largos de filmes na vida e de ter em casa uma videoteca muito apreciável, sinto-me completamente incapaz de eleger o "melhor" ou mesmo o "meu filme da vida". Terei quanto muito uma dezena ou duas de que nunca me separaria e que provavelmente levaria para a tal ilha deserta. Mas de certeza que não incluiria o "Citizen Kane"
Caro Luís:
O "The Big Sleep" não vem a propósito de nada, ou vem de tudo; apenas pretendi lançar o debate. E claro que "The Big Sleep" não é certamente o melhor filme de sempre, com tudo o que isso tem de subjectivo e redutor (normalmente sou bem avesso a essas listas). Em tudo isso entra, e muito, o lado emotivo (tb no vinho!)e, assim sendo, a Bacall, o Bogart, o ambiente e os diálogos do filme (e o Ben-Hur de mil e troca o passo que não existe?) e as ligações que o filme tem à minha vida contribuem significativamente para a eleição. Mas, como deves calcular, poderia citar mais duas dúzias deles...
Plha (esquecia-me), só do expressionismo alemão uma boa 1/2 dúzia!!!
Quis dizer, "olha" e não "Plha". as minhas desculpas.
As minhas desculpas, JC, porque não percebi e julguei que vinha na sequência de algum post anterior.
Quanto ao "Expressionismo Alemão", o mais difícil é mesmo chegar a essa meia-dúzia... Digo isto na positiva, claro está, porque são tantos e tão bons.
Aqui há dois ou três anos atrás tive a oportunidade de ver, nas novas instalações da Cinemateca Francesa, em Bercy, uma exposição sobre o "Expressionismo" feita com base na colecção que a Lotte Eisner foi fazendo ao longo de muitos anos de colaboração com o Henry Langlois. Uma maravilha! Tenho "Catálogo" que posso disponibilizar, se necessário
Em relação ao Rato e às listas, só posso garantir que os meus "Melhores de Sempre" se alteram, seguramente, todas as semanas, ao sabor da disposição do momento...
Tanto a Cinemateca, era eu adolescente ou jovem adulto, como a Gulbenkian passaram ciclos s/ o expressionismo. Foi na Cinemateca que primeiro vi o "M", o "Metrópolis", o "Caligari", o "Nosferatu", os "Mabuse", os "Nibelungos", etc. Jovem JC à descoberta do mundo!!!...
Obrigado, Luís Mira, por mais um instigante texto.
Assim de cor, neste momento, os 10 filmes que mais me marcaram (ordem aleatória):
1. "Splendor in the Grass", Elia Kazan.
2. "Lawrence da Arábia", David Lean.
3. "Vertigo", Alfred Hitchcock.
4. "Apocalypse Now!", F.F. Coppola.
5. "O Sétimo Sêlo", Ingmar Bergman.
6. "Once Upon a Time in America", Sergio Leone.
7. "Ivan, o Terrível", Sergei Eisenstein.
8. "A Hard Day's Night", Richard Lester.
9. "The Last Waltz", Martin Scorcese.
10. "A Place in the Sun", George Stevens.
Enfim, eleger 10 é mesmo impossível... pensando mais um pouco, não poderia deixar de fora quase todos os do Chaplin (principalmente, "A Quimera do Ouro") um punhado de filmes do John Ford, do Hawks, do Kazan ("On the Waterfront", senhores!), do Hitchcock, o "Gone With the Wind", o "Ben Hur", os "Tarzans", alguns Carpenters, as "Asas do Desejo" do Wim Wenders, um par de Viscontis, outro de Fellinis, o "Gimme Shelter", os primeiros dois "Godfathers" do Coppola, "Frankenstein Junior" de Mel Brooks, "Life of Brian" dos Monty, até "menoridades" modernas como "Almost Famous" do Cameron Crowe ou "Heat" de Michael Mann, e símbolos da minha pré-adolescência como o "Grease", etc, etc, etc, etc... e o "Citizen Kane", claro...
Teria de ser uma lista de 100. Pelo menos...
Lembro-me bem desses Ciclos, que acompanhei diáriamente. Numa altura até houve dois quase em simultâneo: um do Cinema Alemão e outro do Fritz Lang. Não tenho os Catálogos nesta casa e não me consigo lembrar do ano...
Quanto ao Filhote, eu teria dificuldade em elaborar uma lista dessas, já que estaria sempre a alterá-la... Para o meu gosto pessoal, só o filme do Stevens me parece destoar um pouco...
Estas listas são mesmo subjectivas, claro, e a do Filhote sugere-me duas notas:
1. Nunca fui um grande admirador de Chaplin, que acho tem uma certa faceta pequeno-burguesa "lamechas" que me irrita um pouco. Como costumo dizer a propósito de Mahler de quem não sou grande entusiasta, "o problema é com certeza meu". Mas, apesar disso, existem algumas sequências de filmes de Chaplin que ficam para a História e das quais gosto bastante.
2.Quanto às "Asas do Desejo", como dizia "o outro", "peço licensa e desmonto". Nunca percebi o "it" em relação ao filme (e, já agora, em relação a Wenders) e, aí, peço desculpa de não considerar o defeito seja meu.
Nota: ontem, mais um sofrimento, Filhote. Ainda tenho um AVC e mando a conta à general Norton de Matos!
Só o Luis Mira consegue tirar o Filhote da prais... Um abraço
JC: Como diria um amigo meu: "Crónica de um AVC anunciado"
Este comentário do JC em relação ao Chaplin faz-me lembrar uma polémica antiga, que terá começado aí por meados dos anos 60, em que se opunha Chaplin a Buster Keaton e, concretamente, a "lamechice de Chaplin à sobriedade de Keaton, o homem que nunca ri nem nunca chora... E se gritava "Abaixo Chaplin, Viva Keaton!", tal como os "teóricos" dos "Cahiers" gritavam, nos anos 50, "Abaixo Ford, Viva Wyler!".
Sendo Chaplin e Keaton dois génios, com estilos distintos mas ambos com tantas obras-primas legadas à posteridade, nunca entendi porque razão se tinha de gritar por um em detrimento do outro. Eu sinto-me Feliz por gostar dos dois...
Em relação ao "Asas do Desejo", assino por baixo. No que respeita à "acusação" ao Wenders, fia mais fino, mas isso era motivo para uma longa conversa...
Este comentário do JC em relação ao Chaplin faz-me lembrar uma polémica antiga, que terá começado aí por meados dos anos 60, em que se opunha Chaplin a Buster Keaton e, concretamente, a "lamechice de Chaplin à sobriedade de Keaton, o homem que nunca ri nem nunca chora... E se gritava "Abaixo Chaplin, Viva Keaton!", tal como os "teóricos" dos "Cahiers" gritavam, nos anos 50, "Abaixo Ford, Viva Wyler!".
Sendo Chaplin e Keaton dois génios, com estilos distintos mas ambos com tantas obras-primas legadas à posteridade, nunca entendi porque razão se tinha de gritar por um em detrimento do outro. Eu sinto-me Feliz por gostar dos dois...
Em relação ao "Asas do Desejo", assino por baixo. No que respeita à "acusação" ao Wenders, fia mais fino, mas isso era motivo para uma longa conversa...
Este comentário do JC em relação ao Chaplin faz-me lembrar uma polémica antiga, que terá começado aí por meados dos anos 60, em que se opunha Chaplin a Buster Keaton e, concretamente, a "lamechice de Chaplin à sobriedade de Keaton, o homem que nunca ri nem nunca chora... E se gritava "Abaixo Chaplin, Viva Keaton!", tal como os "teóricos" dos "Cahiers" gritavam, nos anos 50, "Abaixo Ford, Viva Wyler!".
Sendo Chaplin e Keaton dois génios, com estilos distintos mas ambos com tantas obras-primas legadas à posteridade, nunca entendi porque razão se tinha de gritar por um em detrimento do outro. Eu sinto-me Feliz por gostar dos dois...
Em relação ao "Asas do Desejo", assino por baixo. No que respeita à "acusação" ao Wenders, fia mais fino, mas isso era motivo para uma longa conversa...
Devo dizer, Luís, que desconhecia tal polémica, pelo que a minha posição face a Chaplin não é por ela influenciada. Mais uma questão de "feitio", de formaçãp e atitude perante a vida.
De acordo, Luís Mira, é mesmo impossível fazer uma lista de 10 filmes favoritos. Aliás, se agora voltasse a fazê-la provavelmente surgia "The Godfather" ou "On the Waterfront" na vez do "A Place in the Sun"... ou ainda "Psico" em vez de "Vertigo"...
A minha paixão por "A Place in the Sun" vem de longe. Da infância. Vi-o, pela primeira vez, na RTP (bons tempos de programação de TV) e fiquei impressionado pelo enredo e pela dimensão psicológica da interpretação de Montgomery Clift. Um estilo de narrativa que me impressionavam muito em miúdo. Tal como o "Perversidade" de Fritz Lang, com Edward G. Robinson (não me recordo agora do título original).
Acrescento, Luís Mira, que curiosamente outro filme de George Stevens me marcou bastante em criança:"Shane". E também "High Noon", de Fred Zinnemann. Enfim, os westerns serão sempre uma paixão!
Os filmes do Chaplin acompanham-me desde que me conheço. Por isso, nem consigo ter distanciamento crítico sobre eles... adoro-os!
Quanto ao Wim Wenders, acho-o um chato, por vezes até pretencioso. Todavia, considero "As Asas do Desejo" um dos filmes plasticamente mais bonitos de sempre. Depois, a sequência do Metro... Nick Cave... Bruno Ganz... a metamorfose do preto e branco para a cor com a aparição de Peter Falk/Colombo... ai, senhores!
Erratas:
Ler "estilo de narrativa que me impressionava" e não "que me impressionavam".
Ler "pretensioso" na vez de "pretencioso", obviamente.
De facto, JC, agora não há jogo das nossas queridas "papoilas saltitantes" que eu não passe a 2ª parte a respirar fundo - não vá sofrer um enfarte. Taquicardia pura, de níveis superiores aos derivados do impacto visual com uma qualquer "bunda melancia".
É só vitórias à tangente. Faz-me lembrar os tempos do Mortimore e do Trappatoni.
Todavia, assimilada mais esta vitória, à posteriori, congratulo-me com as promissoras gincanas do Dí Maria e com este Aimar-90-minutos. Cheira-me que El Mago vai ser o nosso abono de família nos próximos anos. Classe pura.
Grande abraço!
Ah, meus amigos, como foi possível esquecer-me dos filmes do Woody Allen?!?
"Manhattan", "Annie Hall", "A Rosa Púrpura do Cairo", são os meus favoritos...
"High Noon" é um filme claramente mais político do que "Shane", Filhote. Ambos bons, claro. Quando tinha uns 13 ou 14 anos o meu pai levantou-me um castigo (não me lembro que disparate tinha feito, mas talvez uma nota negativa), para ir ver o "Shane", em reposição no Condes. Depois disso já o vi mais umas duas vezes. O "High Noon" revi-o mais uma vez há uma dúzia de anos, na Cinemateca. Tem uma curiosidade: o tempo de acção e do filme coincidem.
"Preversidades"´chama-se "The Woman In The Window" no original. Mas não vi.
Continuando... E depois há filmes que numa 1ª visão, por uma ou outra razão, não gostamos e depois, numa 2ª ou 3ª, se tornam n/ filmes de culto. "Senso", de Visconti, foi para mim um desses casos.
E, JC, Mahler é de facto um grande compositor...
Dos (relativamente) últimos do Allen gostei mtº de "A Maldição do Escorpião de Jade" (um filme de cinéfilo) e "Deconstructing Harry". Mas até do ligeirinho "Vicky Cristina Barcelona" saí satisfeito e de bem com a vida! Ou com a Rebecca Hall e a Johanssen Confesso que a Penelope n faz o meu género!).
Boa praia!
Não duvido... Como disse "a culpa por certo é minha"!!!
A primeira e única vez que vi o "Shane" no Cinema foi numa reposição do Cinearte. Há uns anos comprei o DVD...
Ainda não vi nenhum desses filmes do Woody... ando atrasado... li sobre, mas não vi... o último que vi ainda foi em Lisboa, já lá vai uma década ou mais, no Londres, e chama-se "Mighty Afrodite"...
Gostei muito. Até pelas referências assumidas ao Teatro da antiga Grécia.
Filhote,
Se vocé gosta de "A Place in the Sun", o que me dirá de "An American Tragedy", que Josef von Sternberg realizou em 1931 com base no mesmo romance de Theodore Dreiser. Não tem Montgomery Clift, mas tem a Sylvia Sidney e a Frances Dee. E, sobretudo, tem ao comando um "Mestre do Cinema", e não um "artesão" que, às vezes, se engana e faz coisas suportáveis...!
Luís Mira, nunca vi "An American Tragedy", embora saiba da existência, claro. Lembrou-me bem. Será prioridade nas minhas buscas de DVDs...
E, claro, não se podem comparar os méritos cinematográficos de Sternberg com os de Stevens.
A verdade é que, como escrevi anteriormente, a minha paixão por "A Place in the Sun" ou "Shane" situa-se além de qualquer sentido crítico racional. Fui arrebatado por esses filmes em criança, enquanto vibrava com as séries do Bonanza e do Sandokan (sou aliás fã das aventuras de Emilio Salgari)ou ia ao cinema ver o "Trinitá". Por isso, independentemente das qualidades e dos defeitos desses filmes, não consigo deixar de "sonhar" com eles. Foram marcantes para mim.
Felizmente, assim parece, fui quase sempre bem direccionado e descobri que alguns das fitas da minha vida eram de facto muito bons filmes. Mas isso foi bastante mais tarde, depois de adquirir uma outra consciência crítica/artística.
Outra errata:
Ler "algumas das fitas" em vez de "alguns das fitas".
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