John Ford não inventou o "Western". Reza a "História" que quem o fez foi um Senhor chamado Edwin S. Porter, com um filme realizado em 1903 que se chama "The Great Train Robbery", que por cá tem passado muitas vezes nas sessões da Cinemateca.
Mas se Ford não inventou o "Western", "inventou", seguramente, Monument Valley. Antes de "Stagecoach/A Cavalgada Heróica" ter sido realizado, em 1939, apenas um filme menor havia sido rodado nessas terras: "TheVanishing American", que George B. Seitz realizou em 1925.
Parco de palavras, como lhe é habitual, Ford contou a Peter Bogdanovich que tinha encontrado Monument Valley quase por mero acaso. Embora já tivesse ouvido falar nesse lugar, um dia, quando atravessava o Arizona de carro a caminho de Santa Fé, passou por lá e ..... o resto ficou bem documentado em imagens!
Ao todo, "Jack" Ford realizou 12 filmes em Monument Valley, ao longo de 25 anos: o primeiro em 1939 e o último, "Cheyenne Autumn", em 1964. Muitos outros filmes foram também, total ou parcialmente, por lá rodados, mas, embora não os conheça a todos, duvido que nalgum deles a marca desta região se faça sentir com tanto peso como nos filmes de Ford.
Hoje, Monument Valley é uma Reserva dos Índios Navajo, atravessada pela fronteira entre os Estados de Arizona e de Utah.
Passei por muitos lugares nesta viagem, como já devem ter percebido. Mas talvez nenhum deles me tenha emocionado tanto como Monument Valley.
Toda a minha vida de "cinéfilo" está lá estampada. Passeio, meio entontecido, por estas terras.
Olho para um lado e vejo aquela "diligência gloriosa"descer à desfilada, com Ringo Kid ao lado do saudoso Andy Devine a abater índios como quem despacha tordos; olho para outro e vejo Vitor McLaglen iniciar uma lição de equitação juntando os "rapazes" em círculo, entrar pelo meio com um cavalo pelas rédeas e gritar, naquele seu vozeirão que não admitia qualquer reacção: "MEUS SENHORES, ISTO É UMCAVALO!!!"; olho mais ao lado e vejo Ethan Edwards com a sobrinha"desaparecida" ao colo, entre uma porta que se abre e uma porta que se fecha; olho com mais descrição e descubro, meio escondido, o Capitão Nathan Brittles a falar com a sua mulher junto à sua campa, enquanto se ouvem ao longe os sons do baile em sua honra...
As memórias são infindáveis e vêm-me em turbilhão....
Belisco-me e desço à realidade. Vejo índios à minha volta, mas nenhum deles quer o meu escalpe. Querem, apenas, sobreviver. Alguns dólares, em troca de serviços prestados. "Souvenirs", água fresca, transporte em jeep até aos lugares "sagrados".... Manter alguma dignidade que o "Homem Branco" lhes negou...
Dizer adeus a Monument Valley é penoso. É como alguém muito Querido que parte para muito longe e talvez para sempre, de quem nos vamos um dia despedir à estação de comboios. Não vale a pena ficar muito tempo à conversa na janela... Dizer adeus, voltar as costas ainda a tempo de ouvir o comboio a apitar e perguntar a nós próprios se alguma vez a voltaremos a ver...
E ter, depois, a sensação de que, afinal, quem vai naquele comboio que se afasta lentamente somos nós: a nossa adolescência, as nossas gargalhadas, os nossos sonhos, as nossas ilusões...
Colaboração de Luís Mira
PS: O título que dei a esta "crónica" evoca, por si, uma outra história que talvez um dia mereça ser bem contada. Mas como nada disso tem a ver com a minha viagem, poupo-vos à maçada...
Mas se Ford não inventou o "Western", "inventou", seguramente, Monument Valley. Antes de "Stagecoach/A Cavalgada Heróica" ter sido realizado, em 1939, apenas um filme menor havia sido rodado nessas terras: "TheVanishing American", que George B. Seitz realizou em 1925.
Parco de palavras, como lhe é habitual, Ford contou a Peter Bogdanovich que tinha encontrado Monument Valley quase por mero acaso. Embora já tivesse ouvido falar nesse lugar, um dia, quando atravessava o Arizona de carro a caminho de Santa Fé, passou por lá e ..... o resto ficou bem documentado em imagens!
Ao todo, "Jack" Ford realizou 12 filmes em Monument Valley, ao longo de 25 anos: o primeiro em 1939 e o último, "Cheyenne Autumn", em 1964. Muitos outros filmes foram também, total ou parcialmente, por lá rodados, mas, embora não os conheça a todos, duvido que nalgum deles a marca desta região se faça sentir com tanto peso como nos filmes de Ford.
Hoje, Monument Valley é uma Reserva dos Índios Navajo, atravessada pela fronteira entre os Estados de Arizona e de Utah.
Passei por muitos lugares nesta viagem, como já devem ter percebido. Mas talvez nenhum deles me tenha emocionado tanto como Monument Valley.
Toda a minha vida de "cinéfilo" está lá estampada. Passeio, meio entontecido, por estas terras.
Olho para um lado e vejo aquela "diligência gloriosa"descer à desfilada, com Ringo Kid ao lado do saudoso Andy Devine a abater índios como quem despacha tordos; olho para outro e vejo Vitor McLaglen iniciar uma lição de equitação juntando os "rapazes" em círculo, entrar pelo meio com um cavalo pelas rédeas e gritar, naquele seu vozeirão que não admitia qualquer reacção: "MEUS SENHORES, ISTO É UMCAVALO!!!"; olho mais ao lado e vejo Ethan Edwards com a sobrinha"desaparecida" ao colo, entre uma porta que se abre e uma porta que se fecha; olho com mais descrição e descubro, meio escondido, o Capitão Nathan Brittles a falar com a sua mulher junto à sua campa, enquanto se ouvem ao longe os sons do baile em sua honra...
As memórias são infindáveis e vêm-me em turbilhão....
Belisco-me e desço à realidade. Vejo índios à minha volta, mas nenhum deles quer o meu escalpe. Querem, apenas, sobreviver. Alguns dólares, em troca de serviços prestados. "Souvenirs", água fresca, transporte em jeep até aos lugares "sagrados".... Manter alguma dignidade que o "Homem Branco" lhes negou...
Dizer adeus a Monument Valley é penoso. É como alguém muito Querido que parte para muito longe e talvez para sempre, de quem nos vamos um dia despedir à estação de comboios. Não vale a pena ficar muito tempo à conversa na janela... Dizer adeus, voltar as costas ainda a tempo de ouvir o comboio a apitar e perguntar a nós próprios se alguma vez a voltaremos a ver...
E ter, depois, a sensação de que, afinal, quem vai naquele comboio que se afasta lentamente somos nós: a nossa adolescência, as nossas gargalhadas, os nossos sonhos, as nossas ilusões...
Colaboração de Luís Mira
PS: O título que dei a esta "crónica" evoca, por si, uma outra história que talvez um dia mereça ser bem contada. Mas como nada disso tem a ver com a minha viagem, poupo-vos à maçada...
9 comentários:
Não é música, mas FORD, HITCHCOCK e outros são sempre benvindos (ou bem-vindos ?)
Ainda recentemente a RTP2 retransmitiu o "directed by Ford" do Peter Bogdanovich
O John Ford era um artista de "Alma cheia", mas preferia esconder esse lado mais "soft" numa postura de "durão" que por vezes chegava a ser rude
Cut !
Estas pequenas crónicas sabem-me às de Phillipe Garnier na Rock & Folk dos anos setenta. Também sobre americana.
O seu melhor texto até agora, Luís Mira.
Deixou-me a sonhar com uma viagem a Monument Valley e ansioso para rever todos esses Westerns. Imagino a emoção que terá sido deixar a imaginação correr livre no local - "on location". Os peles-vermelhas, a diligência, a Cavalaria...
E linda foto!
É verdade! A RTP2 passou uma versão "corrigida e aumentada" do filme do Bogdanovich e os nossos "jornalistas culturais" deixaram passar a coisa em claro...! Eu apercebi-me disso por mero acaso e com uma sorte dos diabos...
Filhote,
A "qualidade" destes textos é uma coisa muito relativa e, em termos genéricos, mais para o fracote... Quem gostar destas coisas - músicas, filmes, livros, "american places", ... - pode achar-lhes alguma graça. Para os restantes, não tenho dúvidas de que será intragável... Para mim, que não tive tempo de fazer "in loco" o "diário" que havia prometido a mim próprio, servirá de consolação...
As fotografias de Monument Valley sairam bem, mas o difícil era sairem mal, tal a beleza "monumental" daquele lugar. Os méritos são dele, e não do fotógrafo!
Caso se interesse por ver mais, tanto o Hugo Santos como o LPA lhe poderão enviar o meu "mail" original, onde só couberam 10 das muitas dezenas que lá tirei.
Caro Luís Mira, a modéstia fica-lhe bem, mas dispenso-a. Com todo o respeito e admiração, claro.
Os textos são o que são, valem o que valem, e a sua importância mede-se de acordo com a finalidade para a qual foram concebidos. Diário de viagem? Crónica informal? Muito bem. Mantenho a minha opinião. Parabéns!
Concordo com o Filhote, gosto do estilo do Luís, faz-nos sentir quase que vamos ali ao lado na viagem. E neste caso sou insuspeito, pois para mim os filmes de Hitchcock ou Wenders ou derivdos são uma seca de todo o tamanho. Os de John Ford gosto, e sou fã de Coppola. Mas gosto mais dos seus textos do que dos filmes que são citados.
Bom texto, português. Eis um extracto: ""MEUS SENHORES, ISTO É UMCAVALO!!!";
Não te lembras de um filme estadunidense de 1940, "Boom Town", onde Clark Gable, encarnando o prospector Big John MacMasters diz: TODOS GOSTAM DE UM BOM CAVALO!
E Claudette Colbert: Sim senhor, todos dizem "Big John MacMasters é um homem pra se ouvir falar!"
Enviar um comentário