terça-feira, 9 de dezembro de 2014
REGRESSO AO LOCAL DO CRIME 56
Era ali que o meu pai fumava. E nesse momento, pensei no seu fumo.
Conhecia bem as diferentes etapas.
Tudo começava pela combustão do fósforo sobre o fornilho.
A princípio uma pequena chama direita surgia brilhando entre as suas mãos, mas logo era engolida, com um sorvo, para dentro do pequeno casco, e um fio de fumo começa a desprender-se do engenho como se fosse um traço ondulado.
Depois é que se formava a nebulosa, e no meio das longas esperais, a figura do meu pai enevoava-se e desaparecia. Com ele desapareciam a secretária de rolo, a taça de pedra, a montanha de livros, e acabava por desaparecer também o próprio cachimbo.
Em relação ao meu pai, prever e fumar sempre haviam sido actos contíguos, pois desde que me conhecia que era ali, no meio da nuvem cinzenta, que tinham início a análise e crónica, tiras de palavras miúdas que não davam fortuna a ninguém, mas esclareciam a desordem do mundo, no dizer de Rosie Machado.
Conhecia o processo como a minha própria respiração.
Lídia Jorge em «Os Memoráveis», Publicações Dom Quixote. Lisboa Março de 2014.
Colaboração de Gin-Tonic
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